NOTA DO CRÍTICO
Pouco mais de sete meses após o lançamento do single Dionisíaca, o PsicosFeras, projeto idealizado pelo guitarrista Fabrício Oliveira, ganha o primeiro material cheio. Intitulado Suarabácti, o trabalho consiste no EP de estreia do quarteto e já promete uma espécie de ritual de purificação do som.
É como a escuridão ganhando lampejos de luz em tons gélidos. Enquanto o orvalho vai secando e a névoa da noite vai desaparecendo, o Sol vai iluminando gradativamente o cenário. Entre um teclado de notas ácidas pronunciadas por Fabrício Oliveira e um chimbal seco e sincopado já desenhando uma embrionária cadência melódica pelas mãos de Ivan Busic, a guitarra surge em uivos áspero-melódicos quebrando a monotonia entorpecente e de dulçor cítrico. Quando Thiago Melo consegue pronunciar linhas dramáticas e chorosas por meio de tal instrumento de corda, Anaptixe vai crescendo em uma melodia progressiva e de som bastante cru que agoniza em gritos sensualmente suplicantes.
Mais grave e densa em relação à faixa anterior, aqui a introdução não é executada de forma gradativa. Mesclando o doom metal com o rock progressivo e raspas de um hard rock metalizado, Apolínea surge com uma cadência levemente mais acelerada que já insere na ambiência toques de uma agressividade sombria que chama a atenção pela precisão rítmica. Mantendo e respeitando os lapsos de angústia da guitarra solo, a faixa tem, ainda, uma racionalidade presente e exaltada por uma guitarra base perigosamente sínica.
De introdução reconfortante, mas com o peso já característico do PsicosFeras, a nova introdução surge com uma estrutura melódica surpreendente que foge da densidade sombrio-progressiva das faixas anteriores. Por conta disso, o ouvinte pode perceber um amadurecimento de linhas hard rocks de temática semelhante àquela exaltada pelo Sunstorm e, mais ainda, pelo Dr. Sin. Entre trovejantes versos sombrios, Acídia promove também uma fusão com o metal alternativo de maneira orgânica, mesmo tendo o quesito melódico como indiscutível protagonista.
Soa como a introdução de um embate. Firme, potente, seca e concisa, a introdução sugere uma sisudez enaltecida em uma seriedade inquebrantável. Novamente, a precisão toma rápido fôlego em um instrumental firme e choroso em sua dor gritante. É assim que Acrasia promove a inserção de melancolia em um cenário intenso e de síncopes lancinantes que guardam uma curiosa e despropositada sensualidade. Um swing que funciona como um urro de súplica que se desvincula de qualquer resquício de dor e atinge a plenitude. Esse é o movimento comunicado em demasia pela guitarra solo, um personagem frágil, inseguro e que encontra uma espécie de salvação em sua própria consciência racional. Acrasia é, até o momento e apesar do denso drama, a faixa mais tocante no que tange a harmonia em todo Suarabácti.
Um hard rock oitentista se firma de forma madura já nos primeiros instantes da introdução. Existe nele acidez, swing, provocação. É possível até identificar influências do Scorpions nas linhas da guitarra solo que se assemelham com aquela criada por Rudolf Schenker no amanhecer de Rock You Like A Hurricane. Ataraxia é enfim o primeiro instante em que o groove quase mudo do baixo de Andria Busic, uníssono à guitarra base, é ouvido com mais clareza. Contagiante em sua rispidez sensual, Ataraxia surge como uma faixa épica em que o hard rock dos anos 80 vai flertando gradativamente com um heavy metal ao estilo Iron Maiden enquanto a harmonia vai engrandecendo em intensidade e drama até retomar com a linearidade swingada padrão. Um produto que agrada tanto ás rádios quanto aos amantes do chamado rock clássico.
É o caminho da salvação. Da liberdade do caos. Da superação. Do alcance do bem-estar e da plenitude. Surabácti é um material que, mesmo sem linhas líricas, oferece um diálogo linear que convida o ouvinte a ir acessando, gradativamente, os ambientes de maior luz. É o trajeto do submundo à superfície.
Não à toa que o EP se inicia com um tomar de consciência do ambiente em que o personagem se encontra. Caótico, sombrio e limoso. Quanto mais existe a conformação do caos, mais se tem a necessidade de fugir das sombras. É aí que até mesmo a melodia assume uma guinada mais serena em sua própria densidade concisa e precisa.
É nesse ponto que entram as novas aptidões de Andria que, além do baixo, se encarregou da produção e mixagem. Sobretudo e indiscutivelmente, o progressivo. Porém, fora esse subgênero do rock, o profissional conseguiu guiar um caminho para que o PsicosFeras também incorporasse o heavy metal, o doom metal, o metal alternativo e o hard rock em suas linhas melódicas.
Porém, a finalização do som de Surabácti veio opaca e com uma crueza que deixou, curiosamente, difícil a tarefa do ouvinte em degustar com clareza as linhas do baixo. Esse detalhe não prejudicou a precisão do som em si, mas impediu que as melodias alcançassem seu máximo nível de potência.
Ainda assim, tal como um roteirista, Andria conseguiu fazer com que cada música tivesse um enredo que se interligasse formando uma única narrativa, o que possibilita uma rápida captura do ouvinte para descobrir os próximos passos de um personagem não verbal e onipresente.
Fechando o escopo técnico do EP, vem a arte de capa. Assinada por Nathália Zukkas, ela é embebida em uma tenebrosidade enigmática, mas cujo personagem central, representado ao centro por um olho aberto, de feição cansada, mas persistente, busca a fuga do abismo da própria consciência. É ele que, nesse processo, procura pelo alcance da plenitude, representada por uma luz escondida entre os escombros.
Lançado em 17 de abril de 2023 de forma independente, Suarabácti é a fuga do abismo e do caos. É a superação da escuridão da própria consciência rumo à plenitude. É a história de um personagem não verbal e onipresente perdido em sua própria mente sombria e inconstante.