La Théorie Des Cordes - 4U 9525

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Ele é o terceiro álbum do grupo La Théorie Des Cordes e surge 12 anos após o álbum de estreia, Première Vibrations. Sua criação se iniciou em uma noite de Lua cheia no início de agosto de 2022. Nascido do La Mercery, estúdio localizado em Mirepoix, cidade situada na região de Occitaine, surge 4U 9525.


O vento gélido sopra com uma força relativamente cortante. As folhas se desprendem das árvores com facilidade e se perdem no horizonte escuro da noite tempestuosa. Enquanto esses sopros rudes geram sonares de um assobio dissonante, do lado de dentro de um casebre se encontra um olhar vazio secando a paisagem sombria pela janela. Não há racionalidade em uma mente desplugada da realidade, mas mesmo assim, dos olhos caem bojudas lágrimas de um sofrimento mudo e enigmático. É isso o que o piano de Stéphanie Artaud mostra com suas notas graves e de pausas dramáticas, que logo recebem a companhia de um baixo de linhas graves. Desenhadas por Mathieu Torres, essas linhas surgem com um encorpamento delicado tal como um personagem que oferece abrigo para um choro descontrolado. Um toque de sensibilidade para um tormento doloroso de origem ainda desconhecida, mas já perceptível vinda do interior do personagem. Em meio a uma melancolia lancinante, os tilintares da cúpula do prato de condução da bateria de Heiva Arnal já começam a propor uma nova paisagem, um cenário receptivo para a esperança e a superação. É com doçura e sensibilidade, construída através da fusão entre post-rock e jazz sob a ótica de jam session, que Yyc - Blanc De Calgary surge como um diálogo linear que caminha do caos à plenitude emocional, o rompimento da relação doentia entre coração e sofrimento que sugere novas possibilidades de fazer o novo amanhã. 


O mesmo tom de melancolia começa a construir um novo corpo. Ainda de paisagem acinzentada, mas com uma maciez mais reconfortante, Hkg - Cancer D’Ete, vem com um swing que tenta disfarçar o sofrimento. Fluindo para frases de estéticas conotativamente vindas do jazz, a canção traz uma cadência rítmica de melhor degustação. Ainda assim, Hkg - Cancer D’Ete parece prover uma espécie de valsa fúnebre e entorpecente em que o personagem melódico dança ao som de sua própria morte incontrolável em um filete de água congelada na superfície de um rio perdido entre florestas nórdicas. O veludo esbranquiçado não esconde sua dor, mas o cintilar do tecido na sinfonia do vento carrega seu pesar numa espécie de purificação da mente para a chegada ao além, ao desconhecido mundo do além-vida.


Proporcionando ecos propositais, a bateria é quem puxa a introdução com um groove em que o protagonismo recai sobre o som opaco das hastes da caixa, responsáveis por trazerem textura à embriagante monotonia linear da melodia. A proposta que surge aqui, porém, oferece um generoso e proposital tom de reflexão, apesar de sua cadência contagiante. Ganhando mais potência através de uma nova subdivisão, Lax - La Mort Du Buddhiste tem agora um compasso rítmico bem marcado pela bateria. De forma ampla, é curioso ver como a canção, com uma notável fuga do ambiente melancólico hipnótico, acaba flertando com a energia e a roupagem de Last Ride In, música do Green Day, não pelo aspecto punk, mas pela leveza e serenidade com que sugere um novo ambiente. Até por isso, Lax - La Mort Du Buddhiste traz boas noções de um som progressivo embrionário que coopera com o amadurecimento daquilo que se pode chamar de outra fase na vida do personagem de 4U 9525.


Densa, a introdução traz um suspense de sabor até então inexperimentado. Capaz de causar calafrios incontroláveis, essa mudança curiosa se constrói a partir da entrada de um sonar capaz de misturar agudo e grave em uma mesma nota. A forma como o bandolim de Hugo Lemercier se movimenta sugere o desconhecido, o que, por si só, gera insegurança e incita atenção do ouvinte, que já se percebe de pupilas dilatadas e pelos eriçados como em sinal de alerta. Quando a bateria surge com precisão na fluidez de suas frases jazz é que Alp - Le Colosse D’Anatolie se mostra como as fases da reconstrução da vida da personagem. Longe de seus sofrimentos latentes de Hkg - Cancer D’Ete, agora ela se vê no domínio de suas emoções e, principalmente, de seu próprio destino. Mesmo que insegura por fora, ela vem com um sangue fervente que a torna despropositadamente imponente. Ainda assim, Alp - Le Colosse D’Anatolie traz rompantes dramáticos, blues e progressivos que representam o inesperado e as tramas da vida nesse processo de superação da dor.


Repicada, a frase que Arnal escolheu para sonorizar o amanhecer do novo cenário é embebida em uma base funk cheia de swing. Em meio às notas graves do piano, que dão um sonar mais palpável ao ritmo, o ouvinte consegue se perder nas memórias áudio-sensitivas da icônica introdução de In The End, single do Linkin Park, mesmo ela acontecendo somente pelo tom das teclas. Saindo dessa recordação, o ouvinte se vê em um ambiente gélido que sugere a busca por elementos mais intensos para trazer a sensação de vivacidade, algo que, desde o início de 4U 9525 é o foco do personagem. Sincopada, Cdg - Need For Speed desfila um estado de ânimo saliente que ultrapassa o som e acaba contagiando o ouvinte de maneira orgânica e gradativa.


É o caos. A verdadeira face de um emocional instável e em constante atrito com o mundo real. É a recaída, as tentativas de esquecer de vez o sofrimento e ter, pelo menos por alguns instantes, a falsa ideia de estar livre da dor. A agonia. A paz desesperadamente buscada e alcançada em um súbito rude de torpor que cala a mente, liberta o espírito e acalma o coração. Essa é a cenografia de ??? - Les Lois De L’Attraction.


Depois do baque, vem o processo de despertar e a percepção das consequências do ato anteriormente optado. Da escuridão, o que se torna claro é apenas o sobrevoo de fagulhas vindas de nenhum lugar, tal como a memória sendo apagada. É nesse momento que vem a vontade da reassumição total da consciência, um recorte de instante que é definido pelo desespero e pela aflição latente de não mais poder voltar para aquela vida uma vez conhecida. Representando esse caos e essa angústia, Dba - Les Grands Hotels é regido por uma quebra rítmica que sai do slowtempo para uma mistura de midtempo e hightempo. Afinal, enquanto a bateria se movimenta em uma espécie de agonia incontrolável, o piano segue com suas notas pontuais e de pausas dramáticas até que consegue se posicionar como a sonorização das tentativas do personagem em recobrar a consciência corpórea, sem sucesso.


A melancolia ressurge com alto grau de protagonismo, mas, diferente de como foi em Yyc - Blanc De Calgary, aqui ela vem sem dor, mas pesar. Pesar por não ter tentado mais. Pesar por não ter pedido ajuda o quanto antes. Pesar por ter optado ir ante o ficar e lutar pelo seu bem-estar. Porém, mesmo que exista certo grau de tristeza, Bcn - Terminale Envolee soa como uma espécie de generalização do sentimento de perdão e, principalmente, gratidão pelos momentos bons que a vida um dia ofereceu. Não à toa que a sintonia entre bateria, baixo e piano surte em algo mais floral e não tanto triste e sombrio. 


O som é ácido, mas, ao mesmo tempo, doce. É como se perceber em um ambiente inimaginável de plenitude. É a paz, o torpor absoluto. É assim que Dus - Il Ne Restera Rien, sob a silhueta do mellotron, se mostra ao ouvinte. Uma nova forma de enxergar o fim, sem caos, temor, brutalidade ou agressão. Somente a consciência conformada de que o presente se concentra no além-vida. O fim do passado e o começo de um novo futuro.


É o caminho do caos ao torpor. É um diálogo linear cuja sonoridade é embebida em sofrimento e máxima melancolia e que acompanha um personagem até a aquisição de seu máximo bem-estar a partir de uma atitude trágica, de resultado imediato. O que o La Théorie Des Cordes propõe com 4U 9525 é o trajeto percorrido por um intenso estado de tristeza até a súbita censura da dor. 


Nesse quesito, é até possível notar familiaridades com o trabalho feito pelo PsicosFeras em Suarabácti, afinal, em ambos os casos os personagens melódicos estão perdidos em um estado de intenso sofrimento que esconde qualquer sinal de consciência. A única diferença entre ambos os diálogos é que, no segundo, a opção foi em prol da luta para se desvencilhar do caos, e em 4U 9525, foi a imediata repressão do martírio.


O mais interessante, nesse processo, é notar a importância da guitarra elétrica em cada um dos nove capítulos do álbum. Responsável por dar a última palavra de cada suspiro, ela possui grande protagonismo na ampliação da dramaticidade de 4U 9525, é perceptível somente em uma segunda audição. E é nesse instante que o ouvinte nota a forma como ela sonoriza a agonia, a clemência, a raiva, o choro sentido. Com frases dissonantes e de profundo mergulho progressivo, ela consegue capturar, em som e intensidade, o caos e o desespero dos últimos instantes de uma vida subitamente finalizada.


No presente material, inclusive, a opção do La Théorie Des Cordes em imprimir o devido peso de forma a compreender de maneira autêntica as emoções de um personagem melódico foi fundir noções do progressivo, mas também da música ambiente, do post-rock, do funk e do jazz, gênero que predominou em grande parte das bases sonoras.


Foi assim que o álbum soou intenso com sua leveza. Graças a Lemercier, que além de mandolinista e guitarrista, se dividiu também entre as funções de produtor e engenheiro de mixagem. Talvez por fazer parte até mesmo do corpo criativo, o profissional conseguiu imprimir sentimentos ainda mais originais e autênticos ao enredo proposto. Além disso, ele fez com que o álbum fosse finalizado com um som cristalino, o que possibilitou ao ouvinte a degustação de cada emoção.


Fechando o escopo técnico do álbum, vem a arte de capa. Assinada por Stéphanie, ela consiste em uma fotografia que representa o caos, a desorganização, a heterogeneidade, a inconstância e a desordem. No meio de uma floresta verde repleta de pinheiros de folhas de um tom esverdeado vivo, um avião rompe a simetria de um quadro sincrônico. E essa é a ideia do caos proposta em 4U 9525.


Lançado em 21 de abril de 2023 via Luminol Records, 4U 9525 é um material de sonoridade densa em sua suavidade mórbida. Visceral, ele é um material que faz a dor transcender as notas e as teclas. Um trabalho que, apesar de ser embriagante na forma como ilustra o sofrimento, mostra que, mesmo depois de medidas drásticas, é possível alcançar o bem-estar e a plenitude do espírito. 4U 9525 é simplesmente a perfeita sensitivo-sonorização do acidente aéreo que inspirou sua nomenclatura.















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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.