NOTA DO CRÍTICO
Ele nasceu em 2022 em Alto José do Pinho, bairro de Recife (PE). Em pouco menos de um ano, o trio Pexera HC escolheu no fim do terceiro trimestre de 2023 para se lançar oficialmente no mercado da música brasileira. Intitulado Pexera, o EP simboliza o trabalho de estreia do trio.
O rádio é o elemento chave. Por ele, vozes presidenciáveis são ouvidas enquanto as estações são mudadas. Discursos impactantes de rechaço à cultura indígena e de desrespeito aos quilombolas chocam o ouvinte enquanto saem da boca de Jair Bolsonaro e recebe a aprovação do público presente em tal comitiva. Segundos de chiados simbolizando mais uma troca de estação procedem o infame e dão espaço para uma melodia robusta em seus rugidos cínicos, ásperos e fortes a partir da sincronia entre a guitarra de Erison Silva e a bateria de Victor Max. Um curto diálogo logo se pronuncia. Chocante por envolver a figura de uma criança, uma metáfora realista de pureza, ingenuidade e imaturidade, ele se encerra em um coro que soa como frase de ordem, fator que dá, definitivamente, o despertar de Caça Aos Homens De Bem. Eis que um afiado hardcore se matura. Com despropositais influências do Raimundos, a melodia é rápida, desesperada e explosiva. Entre rompantes do bojudo e levemente estridente baixo de Magno Fox no primeiro plano sonoro, Caça Aos Homens De Bem evidencia o estupro à bandeira nacional feito por Bolsonaro e rechaça o moralismo religioso por ele perpetuado como forma de angariar apoiadores em sua campanha presidencial. A faixa é simplesmente uma carta de repúdio a uma sociedade artificial criada na era bolsonarista.
Curiosamente ela se inicia com uma melodia bruta e áspera, mas ainda assim com uma cadência de fácil degustação. De repente, Ladrão se transfora em um insano, perigoso, ensurdecedor e violento death metal com direito a um vocal sob vestes de um gutural rasgado. Em tom de escândalo, Ladrão é uma música curta, um interlúdio brutal que evidencia a frieza e a fome de poder.
Retomando o hardcore como gênero-chave, a nova ambiência segue com a aspereza e a intensidade padrão do Pexera HC. Com uma melodia penetrante, principalmente durante o refrão, Positivismo soa como uma obra autobiográfica, mas serve como motivação para todos os ouvintes. Ela incentiva a ter foco, persistência, coragem e perseverança para seguir os objetivos e superar as dificuldades que por ventura a vida pode trazer.
Explosivo, áspero e estridente, o hardcore aqui pronunciado, assim como em Ladrão, divide espaço com o death metal enquanto Silva, surpreendentemente com um vocal mais limpo mostrando uma potencial suavidade, faz de Presidente um escancarar de uma verdade doída do país. “O Brasil não tem autoestima”, brada o vocalista em seu claro enojar perante as práticas de um presidente regido pelo ato da falsidade, da negligência, da intolerância e do autoritarismo. Presidente é a absurda defesa social de uma pessoa que se vende como forte, mas, no fundo, sofre e da ausência de condescendência.
Com a sonoridade mais comercial de Pexera, Vão Me Matar é estruturada sobre uma base 4x4 e uma acidez controlada a ponto de soar melódica e contagiante. Relembrando as estruturas rítmicas do CPM 22, mas com um tom grave e de um leve soturno que também rememora o Charlie Brown Jr., Vão Me Matar traz um refrão convidativo formado por frases de ordem para serem cantadas pelo público durante as apresentações ao vivo do trio. Como uma ode às origens e à própria essência, Silva exorciza seu orgulho por ser nordestino e por ser comunista. Reverenciando e incitando a revolução como forma de romper a manipulação político-religiosa e a intolerância ao diferente, o cantor faz de Vão Me Matar uma carta para ser lida caso seja assassinado por seu comportamento anti-democrático tido pela camada conservadora do governo brasileiro, um país que diz-se ser de todos.
Com um maduro e preciso thrash metal, o Pexera HC puxa a introdução de Churrasco, uma música que evidencia a influência do Metallica e revive a época áurea de ...And Justice For All. Agressiva, imponente e explosiva, Churrasco tem toques sombrios em meio à sua lancinante melodia de guitarra trotante e pequenas imersões no death metal enquanto se torna um verdadeiro rechaço ao comportamento racista.
De maneira surpreendente, Pexera se encerra com o recitar de um poema em que a melodia é o tom de voz, é a interpretação. E o ritmo, a cadência verbal. Oco, um verso de autoria de Jailson de Oliveira Poesis, fala do peso da crítica, do julgamento, na mente daquele que os recebe. Traiçoeiros, canibais e mortíferos, cada verbo de senso negativo tira o brilho, a vivacidade e o gosto pela vida, deixando o indivíduo à beira de um rio de lama sob um céu cinza e gélido. Não ao assédio moral. Não à intolerância. Essas são frases de ordem não ditas, mas que transparecem a cada verbete pronunciado da ode.
Ele é intenso, potente e, por vezes, insano. Pexera é um EP que, acima de tudo, representa o caráter de respeito, tolerância e pluralidade dos integrantes do Pexera HC. Um material que busca clarear um passado absurdo dominado por um governo condescendente. Um rechaço a tudo e a todos que menosprezam o bem comum e demonizam o que sai do padrão social pre-estabelecido.
Em poucos minutos, o trio pernambucano enche o ouvido do espectador com verdades negadas e ofuscadas pela manipulação política. Verdades doloridas de um presente que vive as consequências do passado. Mas ainda assim, são verdades inverdades. Realidades e fatos que podem ter sua verdadeira face visível se o certo e o correto for compreendido, aceito e propagado.
Como uma obra de rechaço, Pexera mostra o posicionamento anti-governo bolsonarista do trio. A repulsa pelo fascismo, pelo preconceito, pela intolerância, pela xenofobia. Pela limitação de pensamento e a pequenez de espírito. Assim sendo, a melodia foi um fator crucial na representação dessa raiva represada.
De mixagem assinada pelo trio em companhia de Daniel Farias, o EP transborda a intensidade, a insanidade e a aspereza de três importantes parentes do heavy metal e do punk: o hardcore, o thrash metal e o death metal. Bem equalizado e oferecendo uma limpa e madura sonoridade, a engenharia de mixagem ainda conseguiu dar ênfase ao regionalismo por meio da nitidez do vocal de Silva, ingrediente importante na totalidade do material.
Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Max, a obra é como as trevas e o caos. Uma chama flamejante é posta no centro de um cenário embebido pelo sombrio. Enquanto isso, inseridas aleatoriamente no desenho, figuras comunicam a luta pela liberdade, pelo respeito e pela tolerância. Uma obra que comunica um abaixo-assinado contra a impunidade.
Lançado em 23 de agosto de 2023 de maneira independente, Pexera é o rechaço à democracia impositiva, à moralidade subversiva e à intolerância transfigurada em aceitação. É um basta ao preconceito, ao fascismo e à negligência política em um último grito suplicante por igualdade e por respeito.