NOTA DO CRÍTICO
O dia estava quente. Em pleno final de tarde, com um céu azul e tempo seco, os termômetros urbanos marcavam 36ºC. Ainda assim, perto das 17h as pessoas foram surpreendidas com uma chuva surpresa, que começou mansa, mas logo engrossou, fazendo todos procurarem por abrigo.
Como chuva de verão, ela logo cessou, fazendo a vida voltar ao normal. Perto do Terminal Barra Funda, o Espaço Unimed ainda se encontrava vazio e sem sinais de que, ali, haveria algum evento naquela noite de 22/09, muito menos que seria o último show a ser realizado pelo Lynyrd Skynyrd na cidade. Não à toa que a produção só foi começar a organizar os locais das filas perto das 17h30.
Às 20h, horário marcado pela organização para a abertura dos portões, as filas já estavam com considerável corpo, mesmo sendo uma sexta-feira seguida de chuva na capital paulista. Dentro do Espaço Unimed, quem entrou primeiro saiu a galope para conquistar um espaço em ambas as grades, mas não houve desespero ou qualquer sinal de confusão.
Com um set de músicas limitado, o som ambiente demorou para fazer o público presente se sentir aquecido para o evento que ocorreria dali algumas horas. Ainda assim, a distração ficava por conta das conversas, dos sons paralelos, da alimentação oferecida pelo local e pela loja de souvenirs.
O que chamou a atenção foi o perfil dos pagantes. Quanto mais a hora de início se aproximava, mais ficava clara a versatilidade do público. Formado majoritariamente por pessoas entre 20 e 40 anos, pouco ele comunicava que a banda que subiria ao palco tinha sua origem nos anos 60.
Às 21h25, faltando pouco mais de 30 minutos para que o Lynyrd Skynyrd subisse ao palco, o Espaço Unimed já se encontrava com todos os seus espaços bem abastecidos e já com olhares famintos e curiosos para o palanque. Espaço ficou vazio até 21h31, quando a equipe técnica fez a passagem de som.
Quando os telões laterais, minutos depois, começaram a transmitir as especificações técnicas do Espaço Unimed, foi como se o público, já em feições cansadas pelas horas de espera, tivessem tido uma injeção cavalar de ânimo. Assobios e gritos pontuais eram ouvidos enquanto as pessoas sentadas passaram a se levantar.
Foi somente às 22h05 que as luzes do Espaço Unimed se apagaram e os telões laterais passaram a exibir um vídeo de introdução do show, enquanto, nos autofalantes, Thunderstruck era executada, produzindo aquilo que foi o prelúdio do evento daquela noite de 22 de setembro de 2023.
Às 22h09, a espera acabou. Ao fim da canção do AC/DC, o palco do Espaço Unimed se iluminou enquanto recebia os oito integrantes do Lynyrd Skynyrd. Sem demora, era então dado o início oficial do show com Working For MCA, recebida por uma plateia em estado de transe contemplativo.
Apesar de mais pesada, densa e enérgica, Skynyrd Nation seguiu com a mesma receptividade, mas com a adesão de pontuais palmas puxadas pelo vocalista Johnny Van Zant. Foi somente com a terceira canção, What’s Your Name, que uma parcela seleta do público cantou o refrão.
“How’re you, São Paulo? It’s our pleasure to be here! We were planning to come back here since 2011”, interagiu Van Zant antes de puxar That Smell, o primeiro ponto alto do show. Música contou com a participação massiva do público nos vocais e diversos celulares posicionados na sede de conseguir a melhor foto do momento.
“Ready to have fun with Lynyrd Skynyrd?”, questionou Van Zant ao puxar I Know A Little, música que, apesar de ser sequência de That Smell, teve participação levemente mais fria do público. Ainda assim, performance da canção garantiu um clima de festa no Espaço Unimed.
E assim o show seguiu. Entre admiração e súbitos de participação, o público se manteve em uma espécie de transe contemplativo, algo que foi quebrado em momentos específicos. Tuesday’s Gone. Dedicada ao saudoso e original guitarrista do Lynyrd Skynyrd, Gary Rossington, apesar de melancólica, foi a responsável por outro ponto alto do show, que contou, inclusive, com uma plateia ainda mais ativa do que em That Smell.
Uma música mais tarde, era chegada a vez de Simple Man. Arrancando brilhos de êxtase e olhares de admiração, a canção, por si só, seria um marco do show pela paisagem de adoração que emanava do público. Porém, algo surpreendente fez com que ela fosse marcante por outro motivo.
Em algum lugar na parte centro-esquerda do público, uma pessoa ergueu um cartaz com dizeres que pediam que a banda a chamasse para cantar Simple Man com Van Zant. E o inacreditável aconteceu. O cantor leu a mensagem e, embebido em risos de incredulidade, chamou o indivíduo ao palco.
“This guy looks like a band singer”, disse Van Zant enquanto puxava o fã ao palco. E o pagante era Nando Fernandes, o vocalista da banda Sinistra. Juntos, Van Zant e Fernandes, ali como verdadeiro fã, fizeram de Simple Man uma mistura de ápice, glorificação, entrosamento e dueto.
O mais curioso era que a potência vocal de Fernandes em muito superava a de Van Zant. Não por menos que o vocalista do Lynyrd Skynyrd, em diversos momentos, ficava sem graça com a performance potente do fã. Assim, tal como se estivesse brincando de ioiô, Fernandes ficava indo e vindo ao microfone seguindo os pedidos de Van Zant.
Entre aplausos de encerramento e solo do tecladista Peter Keys, Gimme Three Steps e Call Me The Breeze levaram o set ao segundo ponto alto absoluto. “We have a few more to do for you tonight”, disse Van Zant introduzindo a plateia a Sweet Home Alabama, a primeira do bis. A cantando do começo ao fim de maneira uníssona, público ainda atendeu aos pedidos do vocalista e, seguindo apenas o compasso do baterista Michael Cartellone, cantaram o refrão ao final da execução da música.
Pausa dramática. As luzes se apagam e os integrantes deixam o palco. Apenas uma iluminação penumbrosa mostrava a silhueta do palanque e dos instrumentos ainda presentes nele. Os segundos mais intermináveis seguiram enquanto o público, assincrônica e avidamente, pedia pelo retorno da banda e pela execução de Free Bird.
De repente, os músicos retomam seus respectivos lugares e, atendendo aos pedidos, executa Free Bird. Desde seu início, cada verso foi cantado de forma uníssona pelo público, algo que foi rompido apenas por súbitos assobios estridentes. Canção ainda teve momentos de pura comoção quando, no telão, uma arte homenageou cada integrante falecido da formação original do Lynyrd Skynyrd. Porém, algo a mais arrebatou as lágrimas do público.
Já com esse clima nostálgico, saudosista e tocante, os versos finais da canção foram executados com o playback de Ronnie Van Zant, vocalista original do grupo, enquanto sua imagem era transmitida no telão enquanto cantava justamente Free Bird. Assim, entre lágrimas de emoção e tal como em um abraço saudoso, o público se despedia do Lynyrd Skynyrd que, às 23h38 do dia 22 de setembro de 2023, encerrava sua última apresentação em solo paulistano.
Pode até parecer que o público estava desanimado, cansado e já bastante impaciente. Porém, a verdade é que, por trás do silêncio, a receptividade do público paulistano estava tomada por emoções mudas, mas quase teatrais de tão expressivas. E essa foi, sem dúvida, o principal diferencial do público paulistano.
Com brilho nos olhos, sorrisos tolos e em um intenso tom de respeito do começo ao fim da apresentação, a plateia curtiu cada canção como se estivesse em seus próprios mundos individuais. Reciclando memórias e revivendo sensações, cada uma das 15 canções executadas do set, que ainda contou com títulos como Whiskey Rock-A-Roller, Saturday Night Special, The Ballad Of Curtis Loew e Gimme Back My Bullets, era um convite ao passado.
Não somente pela história trágica que acometeu alguns de seus clássicos integrantes, como Ronnie Van Zant, mas pelo clima de legado deixado pela banda em si, o show foi uma celebração à vida. Como homenagem aos seus idealizadores e como forma de dizer que todos os integrantes ainda vivem por meio da música, o evento serviu como uma tocante despedida feita pelo Lynyrd Skynyrd a São Paulo.
Cheio de densidade, precisão e sincronia entre os integrantes, o show ainda foi marcado por boa qualidade de som, pontualidade e boa organização por parte dos produtores do evento. Tais características fizeram com que tudo corresse nos conformes durante a performance, que deveria ser a primeira da banda em seis anos.
O Lynyrd Skynyrd era para ter se apresentado em São Paulo ainda em 2017 durante o Solid Rock, mas imprevistos envolvendo a filha de Johnny Van Zant fizeram a vinda ao Brasil se estender. Ainda assim, o relógio não parou de tiquetaear. Daquele ano em diante, o Lynyrd Skynyrd perdeu Ed King e Rossington, outros dois de sua formação clássica.
Por mais que o público se recusasse a admitir, o tempo passou e aquela que deveria ser apenas mais uma passagem do Lynyrd Skynyrd no Brasil se tornou a última. O Espaço Unimed, no dia 22 de setembro de 2023, foi palco da Sharp Dressed Simple Man Tour, a última hora consumida pelo Lynyrd Skynyrd em solo paulistano. Agora, pelos céus da selva de pedra, o sexteto voa como um eterno pássaro livre.