Os Últimos Escolhidos Do Futebol - O Catálogo De Clichês

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Três anos após se lançarem oficialmente no mercado brasileiro de música, o quarteto bauruense Os Últimos Escolhidos Do Futebol enfim anuncia um novo capítulo de sua carreira. Gravado em setembro de 2022 no estúdio Gargolândia, em Alambari (SP), O Catálogo De Clichês o segundo EP do grupo e sucessor do extended play autointitulado.


Uma voz doce, suave, ecoa em um vazio espacial. Entre sonares de um eletrônico flertante com o chiptune, João Albino surge com um breve diálogo ao fundo, de caráter bem brando. Quando assume um primeiro plano, esse mesmo vocal soa sutilmente mais grave, mas mais preciso na companhia da igualmente amaciada levada da bateria de Paulo Nunes e das pontuais corpulências do baixo de Pedro Nunes. Crescendo como um hipnótico, ensolarado e alegre indie rock, Divã se mostra cativante em seu sonar maduro, presente e bem equalizado que dá sustentação a um lirismo de paixão ardente, desejada e literalmente sonhada. De ligeiros flertes com o funk, Divã é o ápice da libido proveniente da imaginação fértil de um personagem embebido em tesão. 


É com um contagiante pop rock que a dupla de guitarras ministrada por Leonardo Pacheco e Sinuhe LP assume o protagonismo. Com um som versátil adornado pela possibilidade da fluição orgânica para o soft rock, algo que acontece em sua segunda metade, ela ainda comunica a fusão do reggae em sua voz folgada. Na estrutura 4x4, Como Estou Dirigindo?, apesar do nome sugestivo, é uma metáfora interessante de como as pessoas veem a forma como o personagem leva a vida. Focada na desaceleração, na degustação de cada momento e na liberdade do relógio, a faixa é uma alegre e macia crítica contra a pressa e contra o imediatismo em um mundo hiperconectado e acelerado.


O violão de aço é o protagonista absoluto. Solitário, mas capaz de proporcionar um misto de nostalgia, melancolia, frescor e pitadas interessantes de uma despropositada alegria, ele permite à melodia fluir para um surpreendente xote. Com esse regionalismo sorridente, Chiara é um enredo de base cômica de uma relação que não progride pela não aceitação do sogro para com o namorado da filha. Não é o fim ou a desistência. É apenas um hilariante desespero para fazer a química funcionar sem a interferência de terceiros. Chiara é a prova de que o amor resiste às proibições e à ausência de posses. De que o amor rompe barreiras. E assim, com essa história de paixão proibida, Chiara se mostra, melodicamente, uma festa de texturas, sensações e de sorrisos frouxos encantados pela musicalidade consistente, leve e versátil d’Os Últimos Escolhidos Do Futebol.


É como observar o vaivém da maré sentado na mureta da praia sob um céu cinza de inverno. Mesmo com maciez, a forma como o violão se movimenta traz consigo um teor levemente reflexivo e pensante sobre o frescor de sua melodia. Com direito a suspiros agudos introduzidos pela guitarra, um breve lamentar que muito recria a melancolia proporcionada por Paul James Phillips em Blurry, single do Puddle Of Mudd, A Cidade Quer soa como um devaneio, uma desejada viagem ao passado regida por generosas doses de saudade e desejo. Desejo por mudança, por ousadia, por coragem de romper o marasmo. Ainda assim, A Cidade Quer é um produto que consegue, inclusive, flertar com a estética intimista e cabisbaixa de Amado, single de Vanessa da Mata, em sua múltipla faceta de interpretação, que pode ser desde o reatar de um relacionamento quanto a retomada da normalidade após o caos pandêmico.


É uma fusão de indie rock e rock alternativo com uma boa mistura de The Black Keys e Foo Fighters. Adornada por uma estridência por vezes propositadamente dissonante como forma de reproduzir o caos de uma cidade pacata em busca do ladrão que furtou a roseira de ouro do padre Nicolau. Leonardo Pacheco não é só uma música. É uma história. É um storytelling que chega de mansinho, cativa, prende e atiça a curiosidade do ouvinte para descobrir o fechamento do enredo que, de tão marcante, dá asas às imaginações cenográficas enquanto a melodia, com a sensibilidade dos músicos, como a palma da mão, transpira cada uma das emoções que surgem do enredo lírico: medo, raiva, repúdio, manipulação. Interessante é notar que Leonardo Pacheco ainda se apoia em uma curiosa quebra rítmica reggae-soft rock enquanto discute certas práticas católicas e vícios comportamentais beáticos que vão da negação ao estado de transe manipulativo. 


É como se Os Cegos Do Castelo fosse cantada pelo Frejat. Hoje Sim, com seu violão marcante e seu ritmo amaciadamente melancólico, consegue ter lapsos de uma embrionária bossa nova por meio de suas texturas adocicadas. A cadência de elementos regionalistas, por outro lado, faz com que Hoje Sim estranhamente realce as agonias de um coração solitário, ferido e sufocado. É como estar se afogando em desejos, em sonhos, em vontades que só são sanadas no imaginário. O fôlego some, o ar se esvai, o pulmão se preenche de vazio. O coração para de bater, mas o cérebro continua. Continua revivendo, recriando, rememorando e construindo cenários de uma delirante realidade utópica. Isso é Hoje Sim: a realidade paralela de uma alma sedenta por um relógio de tiquetatear estático. De um tempo que não aconteceu, mas de um passado que se viveu e que nele se constrói um presente revestido de memórias irreais.


Não é apenas um apanhado de mais-do-mesmo. O Catálogo De Clichês, adornado por seis capítulos que sonorizam e representam o momento vivido de cada integrante d’Os Últimos Escolhidos Do Futebol, é desde o êxtase da libido à dor de um coração partido. O humor perante a desgraça da proibição e o repúdio em relação a determinadas práticas da fé.


O interessante nesse quesito é ver como o grupo caminhou, com versatilidade, maturidade e consistência, por diferentes ritmos de forma a moldar uma trilha sonora que, entre aparentes discordâncias com o enredo lírico, abrilhanta a contação de histórias justamente por propor novos olhares sobre um cenário pré-estabelecido. 


Entre lágrimas, risos, suores, delírios, atenção e desejos, O Catálogo De Clichês teve, na presença de Thiago Baggio, a confiança de um bom resultado sonoro. Por meio do engenheiro de som, o EP soou equalizado, maduro, consistente e preciso mesmo durante suas frases de protagonismo do suave. 


Eis então que é evidenciada a experimentação d’Os Últimos Escolhidos Do Futebol nas diferentes texturas e facetas misturadas pelo EP. No material, o quarteto explorou o pop rock, o soft rock, o reggae, o funk, o indie rock, o rock alternativo, o xote e raspas de chiptune entre atmosferas soturnas, alegres e hipnoticamente entorpecentes.


Fechando o escopo técnico de O Catálogo de Clichês, vem a arte de capa. Assinada por Felipe Nunes, ela viva, alegre e capaz de transmitir lapsos de esperança por meio do céu de Sol poente. Em clima de festa e descontração, a obra é repleta de elementos que representam fatores importantes para o contexto do material. O luto, o passado, o boêmio e o desejo pela normalidade estão muito bem enraizados nesse desenho que é, de fato, o clichê do cotidiano.


Lançado em 13 de setembro de 2023 via Bolo de Rolo, O Catálogo De Clichês é o maduro som de quatro vidas sonorizadas em seis diferentes capítulos. É a equilibrada mistura de texturas e emoções, cujo grande feito d’Os Últimos Escolhidos Do Futebol foi fazer o estranho ser harmônico em meio aos diferentes caos transbordados por vários gatilhos espalhados na rotina de jovens comuns.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.