Gaby Guima - Quem

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Entre o conservatório de Tatuí e Bauru, um novo nome nasceu na cena musical brasileira. Desde os 10 anos na música, a cantora e compositora Gaby Guima foi ter a chance de vivenciar um show solo estruturado por canções autorais somente em 2019. Três anos depois, Quem, seu primeiro EP, viu a paisagem do mundo.


A doçura e a sutileza esvoaçante e valsante da MPB agracia com delicadeza e conforto o ouvinte durante a introdução de caráter palpavelmente macio. Graças à sensibilidade de Paulo Nunes afrente do violão, o contágio melódico se constrói com pouco. De repente, a leveza instrumental é completa por uma voz de timbre afinado e agudo, mas de notável força. Mesmo com uma interpretação mais sutil, Gaby Guima mostra certo poderio adormecido que, ao mesmo tempo que coloca graça e suavidade, consegue proporcionar firmeza e racionalidade ao contexto sonoro da canção. Cenográfica, a faixa constrói um take imagético que consiste em um quarto simples e rústico. Típico do sertão. Uma mulher está sentada na cama fitando uma carta fechada, mas já fora do envelope. Seus olhos transparecem preocupação, medo e raspas de uma espécie de sofrimento e decepção velados. O enfrentar questões do passado como forma de superação faz parte do cerne lírico de A Origem, O Por Quê E O Quem. De raspas dramáticas, a canção dialoga, também, sobre propósito e na busca de um senso de pertencimento que imputa o foco necessário para continuar na trilha da vida. Tendo no encorpado sopro do trombone de Eduardo Guarnetti Johansen a figura transitória entre as duas metades da faixa, A Origem, O Por Quê E O Quem ainda demonstra certo limiar de swing ao introduzir frases folkeadas nos versos que comunicam o processo do autoconhecimento e as explicações sobre as antíteses emotivas que confundem a realidade, o sonho e a própria arte do sentir.


O swing, a maciez e o frescor do samba comandam o novo amanhecer. Com a ajuda do trombone, a maresia é sentida e um cenário repleto de uma malandragem tipicamente carioca começa a ser construído. Com pitadas extremamente tímidas de soul, é possível até mesmo que o ouvinte perceba influências estilísticas de Tim Maia, mais precisamente de seu single O Descobridor Dos Sete Mares, no clima rítmico. Mas não só isso. Talvez Seja Isso Mesmo tem uma cadência latina que mistura a salsa com a brasilidade do samba. Como uma música que preza a força e o poder do destino, ela tem, em seu lirismo, a propagação do senso de independência e autossuficiência que confere um tom de imponência na trilha da vida. Sempre com olhares certos, focados e consistentes, a personagem da voz aos vaivéns que o viver proporciona às pessoas.


A delicadeza estonteante de  A Origem, O Por Quê E O Quem reassume as rédeas melódicas. Como diferencial, o novo ecossistema aparece como aromas mais florais e com uma instrumentação romanticamente climatizada. Com swing nordestino do xote trazendo uma crescente rítmica, Pro Meu Mundo Balançar oferece a fusão com o pop, o samba e o próprio xote enquanto dialoga sobre a força transformadora do amor e sua capacidade de tirar as pessoas do eixo do equilíbrio. O molejo trazido pela guitarra de Cauê Gifalli é como fazer o ouvinte sentir a maresia e se perceber perdido na praia em um entardecer de verão. Com influências nítidas de Jorge Ben,  Pro Meu Mundo Balançar é a mais pura sincronia de samba com pinceladas de rock.


Trazendo a aura mais introspectiva de Quem até o momento, a presente canção possibilita ao ouvinte uma degustação mais aguçada do timbre de Gaby a ponto de perceber nuances que o assemelha ao tom de Maria Rita, algo possível principalmente pelas valsas anasaladas que ambos os vocais possuem. Aqui não há um ar romântico latente como em Pro Meu Mundo Balançar, mas é inegável que a relação da cantora com o amor é mantida em Sei Lá, uma canção que venera a simplicidade das pequenas coisas e dos pequenos-grandes gestos. Nesse ínterim, a canção possui uma melodia que parece funcionar como a intersecção entre Asas, single do Maskavo, e A Estrada, do Cidade Negra


Pausada e de sonoridades espaçadas, a nova ambiência é puxada por suspiros vindos do violão de João Albino. Levemente dramática, mas mantendo a atmosfera romanceada construída em Pro Meu Mundo Balançar, Melhor Eu Desligar tem súbitos de encorpamento vindos do baixo de Adriano Martins enquanto o pop se funde à batida eletrônica do pancadão. Tendo no samba e na MPB a base rítmica que cativa pela maciez e sutileza rítmicas,  Melhor Eu Desligar traz um fundo bem-humorado sobre o amor como sendo algo do passado, algo de contos de fadas. Algo irreal e que, por isso mesmo, não merece ser foco do pensamento.


Macio, leve, contagiante. Quem é um EP repleto de swing, suavidade e sensibilidade harmônico-melódicas que convidam o ouvinte a pensar no amor e, principalmente, na simplicidade das coisas. É um trabalho de sonoridade latina que fala sobre a vida e para a vida.


Pensar a força do destino e a superação é outro fator que se une à trilogia romanceada oferecida pelo EP. Como alguém que quer ser conquistado, Gaby Guima fez do trabalho a estratégia da conquista de uma mulher vinda do interior paulista. E essa conquista se fez valer pelas harmonias minimalistas e sensíveis.


Com ajuda do produtor e engenheiro de mixagem Gifalli, o trajeto lírico-melódico de Quem é uma reta repleta de paisagens deslumbrantes e surpreendentes. Com base no samba e na MPB, a paulista fundiu raspas de soul, salsa, pop, xote e rock no decorrer das cinco canções de forma a fazer o ouvinte caminhar por ambientes imagético-cenográficos distintos.


E essa distinção de ambientes remete ao pertencimento, ao autoconhecimento, à independência e à predestinação de alguém que sabe o que quer. Alguém que, desde pequena, sabia qual seria seu destino a partir de seu desejo. Por isso, a arte de capa consistente somente pela fotografia da própria cantora quando criança tirada por Neire Montanhero e posteriormente digitalizada por Ana Zequin. Ela traz a ingenuidade da criança e a alegria pela vida que ainda seria trilhada.


Lançado em 12 de outubro de 2022 de maneira independente, Quem é um EP que discute a vida e a forma como o destino a desenha. Aromático, tátil e romântico, o trabalho tenta expandir um senso de gratidão pela vida enquanto brinca sobre a imprevisibilidade do amor e discute sobre autoconhecimento, independência e autossuficiência.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.