NOTA DO CRÍTICO
Ele se formou em uma Aracaju de 2020, mas a sua proposta é fundir o moderno com o vintage. Com um disco de estúdio e diversos singles em sua bagagem, o quinteto sergipano Origami Aquém anuncia A Melhor Música Que Já Fizemos (E Outras Quatro), seu primeiro EP que serve como marco na finalização da fase de transições da banda.
Um rompante bojudo vindo do baixo de Sérgio Guilherme serve como boas-vindas do Origami Aquém ao ouvinte. Segundos mais tarde, uma melodia ensolarada e contagiante é guiada por um timbre agridoce bem semelhante àqueles de Branco Mello e Evandro Mesquita. Enquanto Guilherme vai desenhando as linhas líricas com uma despreocupação contagiante, a bateria de David Morais vai compondo o ritmo numa mescla de rigidez e precisão. Dessa forma, salta aos ouvidos a maciez com que as guitarras de Vítor Brito e Danillo Matos se movimentam na esfera melódica, comunicando uma mescla de soft rock e indie rock na receita sonora da faixa. Com direito ao som doce e ácido típico da sanfona trazido pelo teclado de Igor Elias entregando regionalismo, Capitu ainda é adornada por um solo de guitarra de veia hard rock que muito lembra a estética sonora do Whitesnake. Discutindo o ciúme, o ódio, a inquietação da falta de capacidade de decifrar o enigma do olhar e a sensação de traição, Capitu é uma canção cujo enredo consegue trazer requintes de folclore para temas tão antigos que se mantém recentes, que são simplesmente a insegurança, a dor do coração e incompreensão da rejeição.
Na métrica de um blues clássico, a canção surge morna como o calor do Sol em um entardecer de verão. Pelas guitarras, um adorável soft rock desenha suas silhuetas de leve sensualidade, mas aqui existem dois fatores que merecem atenção nesse contexto. O primeiro deles é o vocal de Guilherme, que vem na forma de afinados falsetes. O outro é o baixo de leve trote. Encorpado, o instrumento cria uma base consistente que dá resistência a um rock com uma atmosfera fresca que mistura ares noventistas e do alvorecer dos anos 2000. De estrutura melódica semelhante às canções de Nando Reis, mas com grandes pitadas de Raul Seixas graças à interpretação lírica e o timbre usado por Guilherme, Palavras Perdidas tem ainda o dulçor ácido e gutural do hammond abrilhantando sua harmonia. Com essa atmosfera, a canção traz um lirismo que, simplesmente, exalta o poder da palavra e da comunicação não apenas na resolução de problemas, mas também na equalização do estado emocional de cada indivíduo. E nesse aspecto, o verso mais marcante é “as coisas não são resolvidas por meio de oração”, pois, com uma pitada de ironia, chama o ouvinte para a ação e, consequentemente, sair do comodismo da passividade.
Mantendo a base blues, mas agora com um dulçor mais palatável, a canção foge da energia que exalou de Palavras Perdidas para se deleitar em uma melancolia de caráter quase mórbido. Dramática graças aos tilintares do piano amplificando a dor e o sofrimento, a canção não se contenta com o inevitável e, por meio da guitarra solo, traz um personagem que suplica e arde pelo desejo de não encerrar sua vida de tal maneira. Dando vasão ao tema delicado da depressão, Não Me Deixe Morrer mostra como a parte externa pode ofuscar o que de fato está acontecendo no emocional de cada um. No caso da presente canção, a rotina exaustiva, o barulho urbano incessante das duas e a ausência de tempo livre para cuidados pessoais funcionam como gatilho para pensamentos deprimentes e soturnos. Tocante, Não Me Deixe Morrer faz com que o ouvinte consiga sentir o desespero cada vez que o vocalista repete o verso angustiado “meu amor, por favor, não me deixe morrer aqui”.
Os golpes secos da bateria soam como a libertação. A guitarra solo então escorrega suas silhuetas por movimentos doces, mas provocantes, enquanto a guitarra base faz a função de incrementar a acidez a esse êxtase de dulçor. Desse hardcore de essência praiana que muito lembra a essência da Cali, Pensamentos Que Me Levam A Você acaba entrando em uma verve curiosamente romântica de grande protagonismo das notas florais do teclado em meio a um embrionário soft rock. Rebelde, cansada, mas em tom de desabafo, Pensamentos Que Me Levam A Você é uma canção que transborda a necessidade de superação de um amor passado para poder curar não apenas as dores do coração, mas também reorganizar as páginas do livro da vida do protagonista. Não à toa que a raiva da frieza e ausência de compaixão da pessoa antes amada divide espaço com súbitas memórias afetivas que amolecem o calor da fúria e dão instantes de calmaria a uma mente já acumulada por um término mal digerido.
Da acidez incansável e insaciável. Da sensualidade provocante e dos impulsos de fúria, o Origami Aquém convida o ouvinte a acalmar os ânimos e mergulhar em um ambiente reconfortante a partir de uma levada blues amaciada e com sonares tilintantes que sugerem, inclusive, uma noção de torpor romanceado. Com uma quebra estética que sai do veludo ao áspero em uma transição do blues a um rock alternativo flertante com o post-grunge, Bebê Conforto é a antítese, ou melhor dizendo, o capítulo anterior a Pensamentos Que Me Levam A Você. Afinal, enquanto na segunda o personagem se encontra na iminência das dores do coração, na primeira ele se vê perdido na paixão, no romance. Bebê Conforto é a apresentação de um indivíduo refém e perdido na hipnose do amor.
Apesar de ainda jovem, o quinteto Origami Aquém mostra maturidade, competência e musicalidade. E em A Melhor Música Que Já Fizemos (E Outras Quatro) existe o extravasar de texturas, de nuances e de propostas melódicas múltiplas que vão do veludo ao áspero em um caminhar sobre as esferas do amor com pitadas folclóricas.
Fugindo bem do típico samba de coco sergipano, o quinteto faz algo semelhante a Chico Science ao difundir a guitarra elétrica em uma região predominada por ritmos alegres e dançantes. Mas não. O EP que o quinteto apresenta não tem nada de soturno ou melancólico. Ele explora, sim, a nostalgia, o romance, a noção da necessidade de se desvencilhar do comodismo associado à passividade e também o pensar sobre ciúmes, bem como o canibalismo da rotina.
Com isso, o Origami Aquém fez, com o auxílio de Pierre Lima na mixagem, que A Melhor Música Que Já Fizemos (E Outras Quatro) transparecesse sua maturidade em meio à ousadia. A precisão em meio à melodia. Eis então que, do material, o ouvinte pode degustar diferentes sabores que transitam entre o soft rock, o indie rock, o hard rock, o blues, o hardcore e o rock alternativo, fazendo com que a brisa do mar se confunda com o calor do asfalto.
É fato, porém, que os merecidos parabéns vão a Lima especificamente em sua função de produtor. Por meio dela, o quinteto pôde colocar toda a sua essência e sua influência em uma sonoridade com traços de Raul Seixas, mas também de Nando Reis e da áurea era rock brasileira. De sua direção, Lima se destaca por fazer com que cada uma das faixas tenha densidades que se conversam entre si para além do conteúdo lírico.
Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada pelo Coletivo Cinestesia, ela traz os cinco integrantes espalhados por um escampado no limiar de uma mata fechada. O tom sépia e até mesmo as roupas usadas pelos músicos sugerem algo antigo, enquanto a conjuntura da obra exala um ar folclórico que casa bem com a base estética de uma das canções do material.
Lançado em 01 de setembro de 2023 via Caravela Records, A Melhor Música Que Já Fizemos (E Outras Quatro) é a fusão do romance, da hipnose do amor, da raiva, do ciúme e da ação. Um EP que explora tanto a insegurança quanto as fragilidades do coração por ambientes que transpiram provocação, sensualidade e precisão.
