O Grilo e Daparte - Tira A Roupa

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Não é apenas uma metáfora atualizada da política do Café com Leite. São Paulo e Minas Gerais se reencontram após 92 anos na área da cultura musical graças à fusão de nomes como O Grilo e Daparte. Tal união fez nascer Tira A Roupa, o EP colaborativo.


Tira a Roupa”, entoa um coro enfático que dá entrada para uma ambiência rítmico-melódica com um mix de sabores. Entre o pop rock ao estilo Lulu Santos, é notável inclusive o flerte com o embalo da new wave dos anos 70. Fresca, animada, contagiante e até mesmo ensolarada, a faixa-título vem regada de swing proporcionado entre a bateria de Lucas Teixeira e as guitarras de Felipe “Fepa” Martins e Juliano Alvarenga. É verdade também que, dentro desse ânimo quase praiano, existe um torpor adocicadamente melancólico sobrevoando a paisagem de uma praia no entardecer de um dia de verão. E isso se deve à performance de Bernardo Cipriano, cujo teclado traz uma essência que mistura influências de nomes como The Cure, Billy Idol e The Smiths. Entre inserções de uma amaciada malemolência típica do reggae, a faixa-título é um produto de linguagem lírico-melódica simples cujo desenho estrutural promove um quadro contagiante, cativante e fluído em sua narrativa jovial sobre relacionamento, paixão e sedução. Uma realidade que a ingenuidade, a imaturidade e até mesmo o cinismo andam de mãos dadas.


A névoa do amanhecer já está se dissipando. O gramado já deixa seu tom esverdeado iluminar o ambiente enquanto o som da água corrente imputa mais vida e movimento ao cenário. E é conforme a paisagem vai ficando cada vez mais nítida que o mesmo acontece com a melodia. Engatando um compasso sutilmente mais acelerado a partir do terceiro verso, momento que a bateria de Teixeira engata uma singela aceleração nos golpes do chimbal, a melodia forma uma cenografia que é como se o espectador estivesse vislumbrando, do topo de uma colina, o mar, o céu, a praia, o Sol e a alegria estonteante do verão da Bahia. O mais interessante é que, para criar esse ambiente, a melodia tem uma quebra rítmica, um silêncio repentino, que é quebrado pelo baixo de Gabriel Cavallari como um relâmpago robusto e encorpado que dá passagem para um instrumental sincopado que, entre os gritos da guitarra solo, baixo e bateria formam uma base repicada que flerta com a estética do funk e seu swing provocador. Sob a ótica da O Grilo, Farol é apresentada com uma sutileza que contagia. Não há complexidade melódica. O que existe é a estruturação de uma sonoridade leve, contagiante e com uma atmosfera quase progressiva. Assim como foi na faixa-título, grande parte desse contágio suave e harmônico se deve ao timbre agridoce e singelo de Pedro Martins. Tudo casa perfeitamente com um enredo literário em que cada verso, cada estrofe, permite ao ouvinte criar em seu imaginário cenários que cabem com a descrição lírica. Farol é mais uma faixa sobre relacionamento, mas aqui fora do carnal. O que existe é a entrega, a reciprocidade do sentimento embriagada de dúvidas, desejos e, por que não, a imprevisibilidade do destino.


O som do Hammond surge adocicadamente ácido e confortavelmente macio como o entardecer de um dia de verão visto da varanda. Logo engatando em uma crescente, a melodia é pincelada com sonoridades repentinamente psicodélicas enquanto o lirismo já passa a ser apresentado em coro tal como foi na faixa-título. Sob a ótica da Daparte, Você Não Sabe De Nada tem um brilho diferenciado na introdução, uma alegria que logo é mergulhada em uma melancolia estranhamente reconfortante através de uma melodia embriagante. A dicção firme e timbre de um doce quase empostado de Juliano Alvarenga dão, ao se assemelhar ao timbre de Gustavo Bertoni, um suavizar interessante que contrapõe os súbitos mergulhos entre o progressivo e o psicodélico feitos pelos músicos. Falando sobre intensidade, viver o presente e se deixar levar pela emoção do momento, Você Não Sabe De Nada é nada mais que uma canção sobre aproveitar a vida em seus mínimos detalhes, sem pensar no depois ou nas consequências.


É assim que se faz uma colaboração de qualidade: com melodias simples, mas bem feitas e capazes de conquistar o ouvinte. Com lirismos singelos, cheios de ricas descrições romanceadas que promovem a criação de uma cenografias imagéticas e de ricas criatividades. Tira A Roupa é um EP de swing encantador e de sonoridades alegremente ensolaradas.


Trazendo em seu tracklist uma faixa inédita que sonoriza o conceito de colaboração, o EP encanta, realmente, ao mostrar as adaptações feitas pelas bandas das músicas interpretadas. Cada uma a sua maneira, as bandas colocaram suas assinaturas de maneira a ficarem evidentes até mesmo para os ouvidos mais desatentos.


Enquanto O Grilo tem uma atmosfera mais swingada baseada em um ambiente fresco, tropical e swingado, o Daparte traz influências de uma sonoridade mais nórdica fundidas ao tropical baiano. Em suas interpretações, existe a interação do rock psicodélico e do rock progressivo com a maciez soteropolitana. A tangibilidade entre as bandas acontece no pop rock.


É por isso que, inevitavelmente, a pérola de Tira A Roupa reside na faixa-título, faixa em que ambas as bandas colocaram suas assinaturas e formaram uma canção única, com alegria, maciez, swing e um enredo lírico penetrante. E parte disso se deve ao trabalho de mixagem e produção, ambas feitas pela dupla Arthur Damásio e Bruno Barros Martins. Afinal, tendo dois sons diferentes e tendo de casá-los em um mesmo ambiente é preciso sabedoria e sensibilidade para saber onde é possível fazer a intersecção entre ambas as influências, o que aconteceu em cada faixa.


Encerrando o escopo de Tira A Roupa vem a parte visual. A arte de capa, assinada por Gabriel Dantas, traz os integrantes da O Grilo e Daparte juntos. Seminus e apenas adornados por toalhas, eles possuem poses e olhares debochados, construindo e reforçando o ambiente de descontração e até mesmo diversão que a produção do EP favoreceu. Entretenimento ou não, a capa reforça a máxima de que as bandas se mostraram em perfeita sintonia no trabalho.


Lançado em 10 de junho de 2022 de maneira independente, Tira A Roupa é um EP que prova a maleabilidade e a ausência de preconceitos estilísticos existentes no campo da música independente. É um trabalho que exala melodia, simplicidade, harmonia e alegria em unir sons, perspectivas e visões em prol de dois bens comuns: a música e a convivência interativa.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.