Carla Mariani - Introducing CM Quartet

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (2 Votos)

É verdade que o blues, assim como seu filho, o rock, são gêneros que, apesar de parecerem não conversar bem com outros estilos musicais, têm ampla capacidade de combinação rítmica. A santista Carla Mariani veio cimentar essa máxima ao fundir, em Introducing CM Quartet, blues e counry.


Os olhos do ouvinte se arregalam. Os pelos de todo o corpo se eriçam. As pálpebras logo se fecham sem controle e fazem com que diversas cores em diversos tons formem uma aurora boreal imagética guiada por um caloroso e macio swing que abrilhanta a introdução. É verdade que o protagonismo absoluto recai sobre a estridente, aguda e improvisada valsa provocante da gaita de fole de Vasco Faé, mas a base rítmica, um blues capaz de misturar rigidez e suavidade a partir da sincronia entre a bateria de Heittor Jobbur e o baixo de Tanauan, é o que entrega consistência à introdução. A partir de um ensolarar quase debochado e de um swing extasiante vindo da guitarra de Yan Cambiucci, Tax Money já evidencia singelas referências a nomes como George Thorogood and the Destroyers e ZZ Top. De repente, surge o ingrediente restante. De timbre encorpado e grave, Carla Mariani surge entregando um curioso torpor embriagante à melodia. Tax Money é uma canção cujo lirismo tem um fundo cômico que descreve a relação das pessoas com o dinheiro dos impostos.


É como observar o nascer do Sol por detrás das montanhas do velho oeste estadunidense. Em meio à paisagem terrosa, a luz solar insurge banhando a atmosfera com pitadas de uma sensação de vida reenergizante. É então que o chimbal surge ao lado da guitarra criando um ritmo sincopado que logo recebe Carla com um vocal mais ousado e provocante. Com uma atmosfera que remete ao Tennessee, Landlord é iniciada com um clássico blues que, de súbito, tem uma quebra rítmica. Este é o momento em que Jabbur imputa aceleração, compasso e estimula um sorriso descontrolado a partir de um groove que comunica o nascer da típica e clássica estética do puro rock and roll na melodia. De Hank Ballard a Chubby Checker, Landlord é uma canção que, com auxílio do backing vocal de Letícia Alcovér, exalta o rock com pinceladas de country ao mesmo tempo em que introduz um lirismo cômico de uma realidade comum: o estar devendo. Afinal, aqui o eu-lírico se encontra na necessidade de pagar o aluguel atrasado.


Uma energia mcia, mas misturada com uma receita nostálgico-melancólica é vista no horizonte com perfeição. Não à toa que os músicos se encontram em performance mais sensitiva, o que faz surgir uma sonoridade intimista e emocional. A partir do riff da guitarra que serve como ponte para a segunda estrofe, o ouvinte percebe uma clara imersão no campo do folk com um swing de afinação mais encorpada e grave. De harmonia estonteante e embriagante, a melodia de My Way faz com que o ouvinte se sinta flutuando em meio a um lirismo sobre autoconhecimento, a dicotomia entre os sentimentos de amor e ódio, e sobre a exaltação do senso inestimável independência e liberdade. De outra ótica, My Way soa como uma canção de superação em que o eu-lírico é capaz de se desvencilhar de um passado atordoante e caminhar rumo ao conhecimento de si próprio enquanto alcança a liberdade tão buscada. Sem dúvida, My Way é a primeira balada comovente de Introducing CM Quartet que, mesmo com momentos de um desafinar quase gritante, não esconde o brilhantismo lírico-melódico.


Difícil não ouvir à guitarra folkeada introdutória de Cambiucci e não associá-la ao riff desenhado por Jake Kiszka no despertar de Highway Tune, single do Greta Van Fleet. Desvirtuando esse grande parentesco, a bateria vem introduzindo uma cadência acelerada a partir de uma desenvoltura simples. É então que o ouvinte se desliga do mundo e passa a prestar atenção somente ao lirismo, afinal, com uma estrutura narrativa quase literária, ele é rico em detalhes e faz o espectador visualizar cada cena contada. Apesar desse lapso de distração e entretenimento, Ain’t Life A Bitch?! é uma música que apresenta situações raras, mas passíveis de ocorrerem, que tiram a vida do eixo de maneira repentina. Por isso a desabafante expressão indagatória ‘ain’t life a bitch?’ que nada mais é que um dos verbetes mais comuns do momento: ‘a vida não é uma bosta’? Ainda assim, tal como My Way, Ain’t Life A Bitch?! é uma canção de superação, superação dos percalços mais improváveis da vida. Afinal, é como Carla canta nos seguintes versos: “there’s someone out there making us feel like clowns, but we won’t always be stuck in loser's town”.


São como notas florais perfumando o ambiente ou pétalas enfeitando com cores vivas a brisa do outono. Apesar dessa singeleza introdutória, a guitarra logo surpreende ao mergulhar em uma roupagem country típica de rodeios. Alegre e divertida, ela imputa, ao lado da bateria trotante, um sorriso largo e debochado que persiste durante toda a canção. Falando sobre a vida a partir de uma ótica desgostosa, em que aborda os degraus, as rasteiras e de às vezes parecer que as pessoas são as palhaças de suas próprias existências, Crazy World parece ter um elo com Ain’t Life A Bich?! e My Way, pois assim como as demais, ela também oferece um respiro positivo de esperança na vida com estrofes motivacionais como: “but we are survivors of these crazy world” e “oh baby, take it as sign to never stop looking for the light”.


O vocal vem quase gutural e em ecos. Entre os melismas e o grave, é visível a imersão no campo do R&B. Introspectiva, melancólica e até mesmo sombria, a melodia ganha um ingrediente inédito na receita rítmica. O piano de Thais Ribeiro acompanha a bateria na função da estruturação da cadência sonora com suas notas graves e compassadas. De interpretação lírica visceral e quase selvagem, Carla trilha um lirismo que narra a experiência de um personagem afundado em tristeza, mas que encontra forças motivacionais para enxergar esperança no amanhecer do novo dia. Guardadas as devidas proporções, Refresh Your Heart tem uma mensagem ainda mais estimulante que My Way. Aqui, a canção funciona como doses cavalares de tentativas quase desesperadas de trazer alguma beleza ao universo cinza vivenciado pelo personagem, uma experiência vivida por todos especialmente durante o período de isolamento da pandemia do Coronavírus. Refresh Your Heart é nada menos do que um empurrão rumo a pensamentos mais brandos e abertos a possibilidades renovadoras. Assim como diz Carla, “So remember… Behind the clouds there’s a shining light”. 


O grito da guitarra introduz uma levada blues rock contagiante. Desfilando uma ponte entre introdução e primeiro verso de estrutura rockabilly, o instrumento é inquestionavelmente o protagonista melódico e aquele que entrega calor, e cores vivas ao cenário em formação. Não à toa que é possível perceber influências que vão de Elvis Presley a The Doors em uma combinação ousada, mas executada com qualidade. De swing perceptível, mas suave em comparação às demais composições, Express Yourself vem com um enredo lírico simples, cativante e que traz a dança como objeto metafórico para a mensagem que estimula o ouvinte a evidenciar sua própria essência e se ver livre dos medos para deixar a vida e o destino seguirem seus respectivos cursos sem distrações.


Sexy, provocante e distorcida. A guitarra, que vem como se fosse personificada através de um sorriso malicioso, é acompanhada de uma bateria que compra essa mesma ideia da sedução e da sexualidade. Apesar de se manter de maneira linear, Power Of The Brain é, mais que Refresh Your Heart e Express Yourself, uma canção terapêutica que estimula o conhecimento do poder das emoções e o poder da mente. Nesse sentido, existe uma metáfora sobre o autoconhecimento. Tendo controle das sensações, perceber que elas podem transformar não apenas a própria, mas a vida de outras pessoas, além de conseguir enxergar beleza na existência e desfilar amor e compaixão são os maiores presentes reflexivo-motivacionais que Power Of The Brain entrega ao espectador. Tudo com o mais puro e funkeado swing que é agraciado por um improvisado encorpado e sincopado baixo assumindo a função de coadjuvante melódico durante o solo.


Com uma entrada extravagantemente sexy, a guitarra, ao lado da bateria, forma uma levada blues rock tão penetrante que exala influências rítmicas que vão de Kansas a April Wine. Curioso notar que, na base rítmica, o baixo vai desfilando a estrutura do blues cinquentista, o que vai imputando uma espécie de booblegum à melodia ainda embrionária. Com uma alegria e felicidade inquestionavelmente contagiante e ensolarada, Carla vem trazendo um lirismo de sorriso largo que, protegido de qualquer inveja por alguma força sobrenatural, evidencia a sede pela vida. O interessante é notar que o enredo de Feeling Alright consegue, em alguns momentos, passar a ideia de se tratar da vivência da maternidade enquanto que, em outros, o foco seja o romance pura e simplesmente pela dança. Feeling Alright é uma faixa que engata em uma visão mais ensolarada, animada, sorridente e contagiante pela beleza e pelo grande presente que é viver.


Com uma harmonia embriagante, ousada e em moldes da música clássica, vozes em tons guturais surgem em um coro vocálico por meio dos backing vocals de Lucas Degásperi, Carol Meles e Nathalie Rabelo. De repente, um relâmpago instrumental cria uma sincronizada e surpreendente frase hard rock que flui para a roupagem já conhecida do blues rock. Macia, mas sem ingredientes que levantem a energia rítmica, a melodia segue com a estrutura que os músicos recrutados por Carla já mostraram saber fazer com destreza. Isso é quebrado durante o refrão, momento em que a protagonista é acompanhada por aquele mesmo time de backing vocals que apresentou Soul To Heaven ao ouvinte. Em doses menores que em My Way, mas infelizmente presentes, a canção possui momentos em que é possível perceber leves desafinações por parte da protagonista. Contudo, com o auxílio dos músicos, dos backings convidados e de uma letra de forte mensagem que motiva o não desistir dos sonhos e que traz a bela interpretação de que, se algo é feito pelo coração é possível alcançar o paraíso, Soul To Heaven é uma boa maneira de encerrar Intoducing CM Quartet.


Provocante e sexy. Macio e romântico. Introducing CM Quartet é um trabalho que chama a atenção especialmente por misturar elementos clássicos com a ousadia de introduzir a fusão do blues rock com o country na comunidade musical brasileira que hoje é inundada por produtos fonográficos de cunho sertanejo universitário ou das variantes do forró.


Consciente de sua posição quase protestate na música nacional, Carla Mariani não apenas conseguiu, com auxílio do time de músicos recrutados, unir country, R&B, blues rock, blues, bumbblegum, hard rock, folk e rockabilly em uma mesma receita rítmica. Ela conquistou a artimanha de, nessas diversas roupagens, inserir lirismos de fortes mensagens motivacionais.


Transitando por temas líricos como depressão, solidão, autoconhecimento, autovalorização, esperança, fé, positivismo, foco e perseverança, Carla apresentou, em Introducing CM Quartet, grandes pérolas que são capazes de, a partir do lirismo, emocionar e instigar a reflexão. Esse é o caso de títulos como My Way, Ain’t Life A Bich?!, Crazy World, Refresh Your Heart, Express Yourself, Power Of The Brain, Feeling Alright e Soul To Heaven.


É verdade que existem, no álbum, canções que são capazes de entreter no sentido mais estrito da palavra. Tax Money e Landlord são faixas que, além do ritmo ser contagiantemente alegre, trazem um enredo lírico que arranca sorrisos e diverte o ouvinte. Mas nelas, o que chama mais atenção é a capacidade de proximidade, pois suas histórias retratam a realidade de muitos brasileiros. Afinal, pagar impostos e se endividar são experiências deveras recorrente na cultura nacional.


Contudo, Introducing CM Quartet apresenta momentos em que Carla, imersa em seu inglês bem pronunciado, desafina de maneira audível. Situação acontece nas faixas My Way e Soul To Heaven. Ainda assim, com a ajuda da mixagem realizada pela própria cantora, o álbum possui uma sonorização madura, equalizada e de notável qualidade que, com o auxílio da produção feita por Carla e Cambucci, foi sensível, fiel ao conteúdo que estava sendo apresentado e, principalmente, sem amarras criativas. 


Finalizando o escopo do álbum, vem a arte de capa. Assinada por Juliane Paixão, ela traz um lado místico através da adoção do tom roxeado. Com símbolos sobrevoando em primeiro plano a atmosfera da obra, a artista já comunica ao ouvinte alguns dos assuntos tratados entre os 10 lirismos do álbum. Da forma como a arte é apresentada, ela faz parecer a capa de um conto de fadas, o que é de grande ousadia por ser usado em um trabalho de base country-blues rock.


Lançado em 09 de junho de 2022 de maneira independente, Introducing CM Quartet é um álbum de contagiantes melodias e de lirismos fortemente motivacionais. Uma verdadeira ode à vida que apresenta mais da sabedoria de Carla Mariani, uma cantora sensível e com sede de vitórias. É como ela mesma diz em Feeling Alright: “I got the whole world to conquer And I won’t give up so soon” e Introducing CM Quartet mostra que ela está no caminho certo.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.