Móbile Drink - (a)morfina

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Alguns historiadores dizem que o rock como gênero morreu em 1998 com o surgimento e destaque da música eletrônica, fazendo com que muitos denominassem o novo estilo que estava se formando de pós-rock. Três anos mais tarde, porém, o gênero mais popular do mundo voltaria à ativa com o lançamento de Is This It, trabalho de estreia do grupo estadunidense The Strokes.


No entanto, há muito tempo, entre 1957 e 1958, o rock nacional já estava em desenvolvimento com expoentes como Cauby Peixoto, Tony Campello e Celly Campello. Até mesmo houve um movimento que marcou a história do gênero no país, a Jovem Guarda, período que consagrou Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa.


Exatos 60 anos mais tarde, o grupo carioca Móbile Drink lança o EP (a)morfina, mais precisamente em 23 de março de 2018. Divulgado de forma independente nas plataformas de streaming de áudio, o recente trabalho da banda possui quatro faixas.


Acabou é a faixa de abertura do EP. Sua introdução, suja, feita na guitarra tocada por Pablo Rodrigues, de muito se parece com o início de Lonely Boy, música da dupla estadunidense de indie rock The Black Keys. A levada é pesada, mas ao mesmo tempo empolgante. O vocal de Ronan Valadão, ao estilo grunge, entra com frases que contam o motivo do fim de um relacionamento. Na mudança do segundo verso do refrão, o destaque fica para a quebrada realizada pela bateria de Bruno Valadão. Tão ao estilo hardcore que traz à memória a sonoridade empregada por Bruno Graveto, quando ainda em exercício no Charlie Brown Jr.


Com sentido ambíguo, a irônica Amor é Coisa Louca vem em seguida. Envoltas em rimas ricas e tocantes, palavras como "meter" e "enfie" dão uma conotação pornofônica à canção, algo que é quebrado nos versos seguintes. De todo o modo, mesmo percebendo o movimento da faixa, o ouvinte inconscientemente espera ouvir algo com sentido pornô e o momento de ápice dessa espera é no verso "Licença, agora vou meter!", que de forma inteligente quebra o viés especulado e traz humor em sua continuidade.


O swing já ficou por conta de Quente Sigilo, a terceira faixa. Seu ritmo, empolgante e contagiante, em união com o refrão lento, mas não calmo, fazem da música a primeira com pegada mais comercial do EP. 


A semelhança da introdução entre Sei Não e My Hero, do Foo Fighters, não é difícil de ser notada. Mas a música do grupo carioca não fica apenas nessa única igualdade. O estilo vocal de Ronan Valadão aqui presente traz à memória a voz limpa de Leonardo Ramos, integrante do grupo de indie rock capixaba Supercombo.


Assumindo a posição de balada, Sei Não é ainda mais comercial que Quente Sigilo. A utilização de rimas perfeitas faz com que a música seja gravada mais rapidamente na memória, justificativa para que o refrão seja considerado chiclete. Outro detalhe percebido na construção da música é a importância do baixo de Felipe Rodrigues na elaboração da base sonora. Seus timbres e tons, mesmo que singelos, guiam com maestria o restante dos instrumentos.


Um ponto que chama muita atenção em (a)morfina, assim como em Canções da Noite e Outros Tragos, EP anterior do Móbile Drink, é o idioma adotado. As músicas, de ambos os trabalhos, são sempre em português, o que mostra autenticidade, originalidade e até certa coragem por não serem entregues ao comodismo do inglês.


O EP não é o primeiro trabalho do Móbile Drink, mas dispõe de uma qualidade singular. Mescla humor com letras que tratam de amor, e se utiliza, de forma inteligente, de diversos tipos de rimas para aproximar as letras do ouvinte, apesar de apresentar majoritariamente um som mais sujo.


Antagonicamente, ao mesmo tempo em que o som soa sujo, a mixagem de Lisciel Franco dá ao EP clareza e nitidez à sonoridade das músicas. A partir dessa meticulosidade é possível identificar, separadamente, a bateria, o baixo e a guitarra, por mais que estejam, juntos, realizando um groove intenso.


Curiosamente, esse groove intenso não muito remete às bandas ditas como influência do grupo. O hardcore é uma vertente que predomina na sonoridade, fazendo com que o ouvinte acabe buscando na memória grupos como Raimundos e Charlie Brown Jr. pela semelhança de som. Pedra Letícia, Cueio Limão e Mamonas Assassinas já entram em semelhança pelo teor das letras. Ainda assim, o padrão alto de qualidade do EP prevalece.


Muitos acreditam que o rock nacional está morto. Mas Móbile Drink, com (a)morfina, vem na contramão dessa crença, mostrando que música inédita e independente tem todo o potencial de se tornar, no futuro, os novos clássicos do gênero no Brasil.


Crítica postada originalmente no Allmanaque

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.