Mameloko - Scorpion

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 0.00 (0 Votos)

Com três anos de vida, nacionalidade chilena e um produto lançado, o power trio Mameloko retoma as atividades ao anunciar o segundo EP da carreira. Intitulado Scorpion, o sucessor de Sobrevivientes será um grande chamariz caso o trio integre o line up do festival Woodstacofest, festival marcado para ocorrer no Chile em 2023.


A luz do Sol preenche o horizonte de maneira paulatina como um véu de luminosidade morna e reconfortante. No entanto, por trás dessa paisagem pacifista, uma névoa se esconde em surdina e vai se evidenciando de maneira paulatina e crescente. O temor, o medo e o caos passam a tomar conta daqueles que se encontram com os olhares vidrados em tal densidade de um nublar cegamente entorpecido. É com esse suspense de tons de um vermelho vivo que a faixa-título tem seu início. Promovendo uma cenografia que mistura culto e comício, a melodia que se tem no primeiro verso é regida por uma pressão empregada de maneira pontual e precisa pela bateria de Capitan Carajo de maneira a romper uma embrionária e proposital desarmonia exalada pelo baile anacrônico da guitarra azeda de Jim Boone. Curioso notar que o timbre de Boone guarda uma força e um grave estonteantes de forma a criar uma singela semelhança com o vocal de Jeff Scott Soto, fator que acaba amplificando a densidade e sinistres presente na sonoridade. De sonoridade crua, a faixa-título surpreende o ouvinte ao mergulhar, durante o solo, na base rítmica do bolero que, na ocasião, é executada em uma velocidade acelerada. Tal ousadia apenas ajuda ampliar a ambiência de um ritual hipnótico que traz a imagem do escorpião como uma espécie de figura quase sagrada.


De despertar divertido e quase cômico, a melodia é preenchida por uma contagiante valsa de cores vivas que é agraciada por um ingrediente até então inédito. Em meio ao groove sapatiante da bateria e do debochado caminhar da guitarra, o ouvinte percebe rompantes graves que, pontualmente, rompem a hilariante sonoridade. É o violoncelo de Sexbasstian pincelando uma curiosa e delicada pressão na construção rítmica da faixa. Contudo, a interpretação lírica advinda do grave timbre de Boone, a qual remete à teatral performance de David Byrne em Psycho Killer, single do Talking Heads, reforça o caráter debochado que exala de Stop The Whinin, uma canção que mistura bebop e rockabilly com a estética do puro rock and roll protagonizada por Chubby Checker. Essa é a trilha sonora que acompanha, com perfeita harmonia sincrônica, um lirismo que trata do mimo, do egocentrismo, do egoísmo e do comportamento chantagista. Ainda assim, Stop The Whinin é uma música que faz com que o ouvinte fique com sorrisos descontrolados e abobalhados do começo ao fim.


Com um groove agitado e desajeitado inserido pelo violoncelo, a introdução mergulha em uma levada de um pop punk áspero que remete às roupagens melódicas do Ramones. Enquanto a base rítmica destoa da sujeira da guitarra por trazer o xote como uma espécie de guia sonoro, Boone guarda o lirismo inglesado para assumir o espanhol como idioma a preencher o enredo lírico. De vocal rasgado e com toques agudos adormecidos, o vocalista mantém, de alguma forma, o ar de deboche iniciado em Stop The Whinin mesmo abordando um tema delicado. Afinal, como seu próprio nome sugere, Cuarentena é uma música que aborda a realidade vivida pela sociedade em estado de quarentena como tentativa desesperada para conter o contágio da Covd-19. E aí é que a letra evidencia um estado hipocondríaco nascente na sociedade, a queda do senso de empatia e a crescente frieza resultante de incessantes temporadas de distanciamento social.


É verdade que são apenas três músicas. E é necessariamente nesse fato que mora a sabedoria e o conhecimento de saber como fazer três títulos que mal passam dos quatro minutos conseguirem entreter, divertir e refletir. Com Scorpion, o Mameloko mostrou ter consistência em tal atividade.


Afinal, nos pouco mais de nove minutos de duração do EP, o power trio ofereceu tensão, arrepios, risos frouxos e olhares pensantes. Tudo isso inclusive recheado de roupagens melódicas de sincronias ousadas que favorecem o convívio do bolero, bebop, rockabilly, o puro rock and roll, xote e até mesmo o pop punk em um mesmo ambiente.


O interessante em Scorpion é notar que o Mameloko, mesmo formado por integrantes provindos de diferentes países e mesmo se posicionando como um expoente do rock, ainda possui na sua mais profunda essência rítmica um DNA latino que deixa suas canções com uma luminosidade diferenciada. E a mixagem conseguiu capturar esse senso de pertencimento.


Executada pela dupla Rodrigo Blefari e Pablo Gálvez Cataldo, a mixagem conseguiu fundir a tal essência latina com a mistura rítmica que beira o tradicionalismo estadunidense por meio do folk de estética do oeste do país. Mais que isso, Blefari e Cataldo deixaram o EP equalizado de forma a prevalecer toda a dicotomia melódica proposital que nele se encontra. Nesse sentido, a autoprodução acabou abraçando o exercício dos profissionais com tamanha liberdade artística que torna Scorpion um produto singular.


Encerrando o escopo técnico do trabalho, vem a arte de capa. Feita por Lukas Mariano, ela é adornada por um aspecto místico que exala desde o tom roxeado que preenche o plano de fundo até a estrutura da figura central. A forma da cabeça remete a um gato, mas ela é preenchida por chifres no topo e dividida entre escamas e pelagens visivelmente ásperas. Um ser ritualístico que casa com o contexto da faixa-título, mas também personifica a personalidade do Mameloko.


Lançado em 06 de maio de 2022 via Abraxas Records, Scorpion é um EP curto em duração, mas de experiências vastas que divertem, refletem e assustam a partir de roupagens ousadas que unem Europa, Estados Unidos e América do Sul. Um trabalho simplesmente cosmopolita.

Compartilhe:

Cadastre-se e recebe as novidades!

* campo obrigatório
Seja o primeiro a comentar
Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.