Laya - Dorme Sonha Acorda

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Ela apresenta uma mistura curiosa entre França e Ceará. Francesa de nascença e criada em terras cearenses, foi na cidade de São Paulo que viu sua carreira musical se deslanchar. Hoje, sete anos depois de lançar seu álbum autointitulado de estreia em carreira solo, Laya enfim anuncia Dorme Sonha Acorda, seu primeiro EP.


É como o batimento cardíaco. Opaco, o sonar é inserido com velocidade gradativamente acelerada a partir das programações de Ayrton Pessoa Bob e Caio Castelo. Dessa forma, se percebe o ofegar, o estado de alerta e o medo que exala de um olhar arregalado onipresente. Criando uma leve amplitude a essa sensação de generosa insegurança, a guitarra de Vitor Colares surge ao fundo com sobrevoos mansos, mas de afinação que conota uma enigmática desproteção. Aos poucos, os ânimos vão se acalmando a partir da imersão a um campo melódico minimalista, zen e exotérico. A partir de tilintares inseridos pelos sintetizadores e pelo trovejar de som propositadamente distante apresentado por Clau Aniz, uma introspecção mental é não apenas iminente, mas também inevitável. Junto a uma voz de timbre agudo, levemente grave e de interpretação serena por parte de Laya, o ouvinte vai se percebendo em uma viagem cenográfica ao mesmo tempo em que sente suas diversas tensões se esvaíram. Calma Cabeça Jai Saraswati é um produto mântrico que propõe a aquisição da calmaria do espírito e da mente a partir da fuga do caos da rotina, dos eventos extremos, da ganância. Uma comunicação que, tão imersiva, soa não verbal por conseguir, apenas por meio das sonoridades, acelerar a confiança no destino e, assim, tranquilizar os ânimos.


Uma mistura de sons é evidenciado no novo amanhecer. Um suavizar gélido acompanha uma bojuda acidez que surge em pinceladas eletrônicas pontuais. Novamente tendo a respiração como um convite ao mergulho no subconsciente, a canção amplifica uma noção religiosa tribal por meio dos batuques opacos do atabaque de Igor Caracas. Por meio do compasso rítmico estruturado pelo caxixi unido aos tímidos estalares da caixa, o ouvinte se percebe embriagado e confortavelmente colocado em uma espécie de doma, que retira qualquer imperfeição sensorial. Curiosamente, enquanto ocorre uma crescente nauseante, Pele Olho Coração enaltece a emoção, a pureza da capacidade do sentir, do amar, do gostar. Trazendo a proeza do corpo em poder enxergar e sentir, Laya tem a função de provocar uma visão de privilegiar a função do coração no campo do sentimentalismo. É o convite para se despir da racionalidade e ser mais aberto ao subjetivo.


É como a luz morna do Sol rompendo o sereno da noite. Seu calor nascente e reconfortante promove o aconchego e a proteção. É ele o protagonista de uma paisagem bucólica que recebe um novo dia. O sertão evidencia suas silhuetas simples através do sonar da sanfona trazido pelo sintetizador. De harmonia resplandescente e intensamente emotiva em sua humilde simplicidade, Há De Se Entregar é uma faixa que traz no chegar de uma nova manhã a possibilidade de viver novos começos e de enfrentar os desafios da vida com mais sabedoria. De interpretação serena e uma melodia sincrônica em que cada instrumento cria, a seu modo, essa mesma noção de amenidade, Há De Se Enxergar é a máxima experiência do extrassensorial. Uma música que cria lágrimas escorridas livremente pelo seio da face e que deixa o corpo tão leve que deixam o inconsciente ser a realidade racional. É a delicadeza em sua máxima atuação.


Não é um EP criado apenas para ouvir e, menos ainda, degustar sem a devida atenção. Dorme Sonha Acorda é um material extrassensorial feito para se sentir, se emocionar, se comover e, principalmente, se conectar. Se conectar com a transcendentalidade, com a natureza, com os astros. Consigo mesmo.


Com apenas três músicas, Laya convida o ouvinte a caminhar pelo inconsciente, pelo subconsciente e pela realidade com grande versatilidade. Entre torpores amaciados e uma ideia de venerar a vida em sua pureza mais simples e honesta, a cantora propõe uma valorização do ato de sentir.


Desde o medo até a alegria mais incontrolável, cada emoção faz parte do instinto humano de captar as energias que vêm de cada situação vivida. E esse é o intuito de Dorme Sonha Acorda: dar voz, sentido, vazão e, principalmente, compreensão às sensações antagônicas que a vida pode proporcionar.


Através de sua atuação ao lado de Castelo na mixagem, o EP conseguiu ter uma melodia cristalina e aveludada capaz de soar transcendental, exotérico, delicado e sensitivo tal como um mantra. Um mantra que, a partir da produção a três mãos por Pessoa e também por Castelo e Laya, ensinar a viver de forma leve.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Tuan Fernandes e Diego Maia, ela é a perfeita ilustração dos dois mundos: o terreno e o espiritual. A partir da dupla face de Laya, o ouvinte capta a ideia das duas existências e da fluidez da vida representada pela captura invisível do vento. E o verde ao fundo representa a natureza, o ciclo da existência.


Lançado em 19 de maio de 2023 via YB Music, Dorme Sonha Acorda é um folk espiritual que oferece a experiência da extrassensorialidade sem limite. Uma aula zen sobre a valorização da vida e do sentimento por meio da delicadeza do minimalismo melódico capaz de, com grandes harmonias, abrir espaços no subconsciente para facilitar o acesso à plenitude do espírito e à fuga das tensões terrenas.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.