NOTA DO CRÍTICO
Com uma série de singles lançada desde 2021, o tecladista Henrique Portugal aproveita o término das atividades do Skank para enfim anunciar seu primeiro EP em carreira solo. Intitulado Impossível, material foi gravado entre três estúdios, o Studio HUB 337, em Belo Horizonte (MG), o Do Brow, no Rio de Janeiro (RJ) e o Estúdio 12 Dólares, em São Paulo (SP).
Groovado, floral, doce e fresco. A união entre a flauta de Josue Lopez, o baixo de Dudinha e o beat de Ruben Di Souza faz com que a introdução seja levemente primaveiresca e romanceada com sua melodia baseada na nova estética da MPB. Enquanto a voz grave de Henrique Portugal vai tomando formal, a acidez do wurlitzer vai soando como auxiliadora na designação do compasso rítmico de Laiaraiá, uma canção de base aveludada graças aos sobrevoos macios do rhodes de Marcos Valle. Com uma aura vanguardista e tropicalista, Laiaraiá, através dos sopros dançantes dos violinos de Diego Silva, é uma valsa sobre o diálogo, sobre a expressão por meio da melodia. O romance, a atração, a paixão. A comunicação impedindo o estreitar do relacionamento. Laiaraiá é uma canção de intensa suavidade e sensualidade que encanta o ouvinte com sua educada investida amorosa.
Misturando elementos do trap com uma MPB ultrarromântica ao estilo Arnaldo Antunes, o novo alvorecer mantém o viés vanguardista enquanto prioriza a sincronia entre o sonar do beat com o ácido do wurlitzer. Paixão é como se sentir no êxtase do prazer, aquele momento em que o corpo se contorce, afasta o travesseiro e umedece o lençol. Ainda que a melodia em si não consiga recriar esses sentimentos, a narrativa de Portugal serve como guia para tal experiência. Curiosamente, Paixão, com sua levada em 4x4, não se refere somente ao prazer carnal, mas sim ao máximo bem-estar para com a vida. De tilintares percussivos inseridos por Rogério Sam em momentos específicos da canção, Paixão tem um groove mais contido, mas ainda perceptível pelo dedilhar de Pj e uma maturação mista de new wave com synth-pop.
Amena, contagiante e reconfortante como um pôr-do-Sol presenciado com os pés na areia em um fim de tarde de verão. Organicamente melódica e com raspas dramáticas, o novo cenário traz uma bateria acústica que, dominada por Valmir Bessa, dá mais vida à base melódica. Entre a psicodelia contínua do hammond e o êxtase entorpecente que dele é oferecido ao ouvinte, A Chuva vem com uma harmonia serena, mas respeitosamente contagiante a partir da sincronia delicada construída entre o violão, o teclado, o piano e a bateria. Com a presença da voz de timbre grave de Frejat na construção das linhas líricas ao lado de Portugal, A Chuva é a canção que descreve o sofrer. É a melancolia do presente com perspectivas de um futuro calcado em um aprendizado rumo à cegueira da perfeição. É a culpa, é a saudade, o remorso. O diálogo do passado com um coração doído é a voz de um desespero sem trégua que quer, a todo custo, lavar a alma e, principalmente, suas próprias emoções.
Swingada e macia, a presente canção tem uma sensualidade latente empregada pelo baixo novamente empregado por Dudinha. Contagiante em sua estrutura radiofônica, Maior Que O Mar, além de ter seu compasso rítmico marcado pelo chacoalhar do pandeiro, reforça o caráter romântico já definitivo de Impossível. Falando sobre autoestima e confiança como subtópicos de um enredo que visa o estreitamento de laços afetivos, Maior Que O Mar é a busca pela aceitação do outro para ter a sensação de preenchimento emocional.
Com uma levada surpreendentemente reggae, a presente canção apresenta um cenário tropical repleto de texturas que vão desde a hipnótica psicodelia do hammond ao compasso rítmico vindo do sonar oco do coquinho e do xequerê. Sonhei Com Você é a lembrança sensorial da paixão vivenciada em um passado não muito distante. Com o auxílio do vocal de timbre agridoce de Marcelo Tofani, Sonhei Com Você é a saudade da sensação do prazer, do fogo da paixão.
Com a união contagiantemente gélida entre o beat e o piano, uma nítida influência beatleniana é percebida na melodia. Ao mesmo tempo, a conjuntura lírico-sonora dos instantes em que a paisagem cinza se forma refletida de forma madura nos olhos do ouvinte leva à lembrança da estética de Aonde Quer Que Eu Vá, d’Os Paralamas do Sucesso. Ainda que tenha uma tristeza quase visceral encrustada em suas linhas sonoras, a faixa-título apresenta uma mensagem motivacional comovente. Tal como as lágrimas que caem sem controle pelo seio da face, os violinos de Diego Barros surgem com uma valsa reconfortante que entrelaça a persistência e a dor em um elo firme que faz com que os dois fatores formem uma personalidade rígida que preza pela oportunidade de uma segunda chance. A faixa-título, com a presença da guitarra sem distorção de João Souza, é, além da única faixa sem viés romântico, uma lição que faz com que o ouvinte compreenda e respeite o destino.
Um produto sensorial. Impossível, primeiramente, começa a mostrar que, de uma só banda, existem vários talentos com suas próprias ânsias e influências. É certo de que ainda é possível notar elementos que lembrem o Skank, mas o que Henrique Portugal fez com o presente trabalho foi experimentar texturas e emoções com generosas pitadas de romantismo.
Entre as suas seis faixas, Impossível conseguiu ser socio-analítico, comercial e não apelativo, motivacional, educado, polido e sensível. É como se Portugal abrisse seu coração para um mundo sem limites de experimentação, cujo processo de composição fluiu para melodias emaranhadas por uma MPB vanguardista que, além de reciclar a tropicália e misturar o psicodélico com o reggae, o synth-pop, a new wave e o trap, fundiu o clássico com o novo.
E nesse processo, Portugal se aliou a um forte time de engenheiros de mixagem. Formado por nomes como Di Souza e Tiago D’Errico, ele proporcionou a Impossível um som limpo e cristalino que facilitou o trabalho do ouvinte na degustação das camadas melódico-sensoriais.
Já na produção, Di Souza esteve ao lado de Felipe Vassão na construção de um enredo leve, floral e fresco com grande viés romântico tal como fez o próprio Skank em várias de suas composições ou mesmo os conterrâneos do Jota Quest. Esse fator ajuda a atrair novos ouvintes a partir do tradicional ao mesmo tempo em que oferece o novo.
Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por VJ Bah, Marcos Paschoalin e Weber Pádua, ela, além de evidenciar um Henrique Portugal a partir de diversas facetas, representa, com seu fundo preto chapiscado, a chegada de um novo amanhã. Afinal, entre a base escura encontram-se feixes de luz que comunicam uma nova chance, um novo olhar, um novo dia.
Lançado em 19 de maio de 2023 via BMG, Impossível é um EP romanticamente fresco e floral embebido na nova MPB. Trazendo um tropicalismo contagiante, o trabalho mostra um músico com ares leves e libertos, aliviados para a arte da experimentação. E com ele, Henrique Portugal consegue sensualizar, romantizar e entristecer ao mesmo tempo.