Lamartine - Retrato

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (2 Votos)

Em 2016 foi o nascimento. Como todo bebê, a insegurança paira. Por isso, para manter e criar mais confiança, aposta-se em covers. Depois, quando se tem mais capacidade de enfrentamento, vem a ousadia. As composições próprias surgiram em 2017 e, quatro anos mais tarde, o quarteto belo-horizontino Lamartine anuncia Retrato, seu segundo EP.


Apesar da garoa, o vento que banha os rostos é morno e de velocidade lenta. O Sol luta para que sua luz encontre brechas por entre as nuvens acumuladas, mas não densas. Essa paisagem melancólica se forma organicamente nos olhos do ouvinte a partir do riff tranquilo e singelo da união das guitarras de Thalys Henrique e Israel Bianchi. Os sopros lamentosos se amplificam com os dedilhares de notas tristes do piano de Vini Souza. É curioso, pois Dó Menor é de fato melancólica, mas ao mesmo tempo esse sofrimento acaba sendo estranhamente confortável e atraente aos ouvidos através do blend rítmico que se forma entre as escolas indie e blues. Quando entra o vocal, um tom amigavelmente grave, há toques sentimentais e profundos na interpretação de um lirismo que aborda não só a depressão, mas uma depressão causada pelo término de um relacionamento que luta para se extinguir. 


Sopros de MPB são recebidos com sorrisos a partir das linhas do violão. Com elas, os feixes de luz solares encontram forças para romper a grossa camada de névoa que ainda carregam resquícios daquela melancolia inebriante trazida em Dó Menor. Ainda assim, ondas de cores que transitam entre tons pastéis e frios parecem flutuar como uma aurora boreal por meio das notas do teclado. Tudo mostra que aquele sentimento forte de tristeza emanado na canção anterior encontrou um fim e A Praia, com sua sutileza e toques astrais, comunica a transição do triste para o reencontro do bem-estar. De repente, repiques de bateria invadem a atmosfera. É Dani Sullivan imprimindo uma levada de samba àquela estrutura anterior que exalava somente MPB. Junto ao groove de samba, porém, a guitarra traz riffs ao estilo havaiano não apenas imprimem uma ambientação praiana, mas amplifica uma noção de sossego e tranquilidade. Apresentando um turning point marcante, do aparente marasmo melódico, a canção ganha uma crescente animadora que exala alegria e contágio em uma harmonia cheia de groove que, no refrão, beira o ska e concretiza a mensagem metafórica do lirismo em que a praia é local onde as pessoas recobram suas autoestimas e valores.


Bateria, violão e baixo criam uma cama de intenso groove enquanto a guitarra perambula, com suas notas curtas e macias, pelo ar da introdução da faixa-título. Há uma mistura de sensações a partir da melodia em construção. Caos, suspense e até mesmo certo temor pairam pelos poros do ouvinte. Tudo imerso, assim como foi nas canções anteriores, na temática dos relacionamentos. Aqui, porém, no que tange o instrumental, o baixo de Leandro Augusto tem grande peso na construção da cadência rítmica, a qual se mostra, desde o início, mais atraente em relação àqueles das outras faixas. Para fechar a receita dessa que, definitivamente, é o single mais forte de Retrato, Souza surge novamente com uma transição entre um vocal introspectivo e outro banhado em drive, em tom rasgado. Ao mesmo tempo, a estrutura lírica construída no refrão é proferida em meio a falsetes, mostrando mais do potencial do cantor.


Sem sombra de dúvidas, Retrato é um trabalho que engrandece o time de lançamentos nacionais em 2021. Sua melodia, apesar de simples, exala uma harmonia que transmite bem a química existente entre os integrantes, fator muito bem capturado por Leonardo Marques em seus trabalhos de produção e mixagem.


Além disso, no quesito lírico, o EP é linear, pois ambas as três faixas caminham por entre o tema do relacionamento, mas apresentando diferentes facetas do mesmo. Claro que, ao olhar além da ponta do iceberg e nele se aprofundar, muito se enxerga, no conteúdo lírico, de crítica social e até mesmo lampejos de esperança pela evolução da sociedade como um corpo coletivo e movido única e exclusivamente por interesses comuns. 


De toda a forma, o principal tema lírico está bem representado até mesmo na arte de capa. Feita por Victor Máximo, ela traz, de fato, retratos em uma caixa de papelão, dando a ideia de mudança, de transformação energética e de pensamento. Ou seja, exatamente o que o desenvolvimento do EP comunica.


Melodicamente, Retrato foi um EP construído em uma trajetória musical simplista, mas com grande maestria. É fato que o indie rock prevalece, mas nessa mistura, há ainda flertes com o ska, com a música havaiana e, principalmente, uma imersão ao universo do samba ao estilo Mas Que Nada, single de Sergio Mendes.


Lançado em 14 de maio de 2021 de maneira independente, Retrato é um EP majoritariamente lamentoso e nostálgico. Os relacionamentos da vida dão graus intensos de depressão quando terminados, mas também proporcionam um caminho livre acesso ao processo de mudança. E Retrato é isso: o caminho da tristeza à transformação.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.