Counting Crows - Butter Miracle, Suite One

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Sete anos depois de Somewhere Under Wonderland, o trabalho de composição é retomado pelo Counting Crows. Feito em uma fazenda no interior do Reino Unido, a tarefa gerou um fruto. Dois anos mais tarde, o nascimento. Butter Miracle, Suite One enfim é lançado no cenário musical.


Um ar folclórico, diga-se de passagem, se forma na atmosfera a partir das notas eletrônicas que, aqui, funcionam como contagem de tempo. Porém, uma coisa curiosa acontece em seguida. O único riff, tocado de maneira pausada e lenta a partir do violão de David Bryson, faz com que o ouvinte acesse em sua mente aquela sonoridade criada por Brian Vander Ark em Colorful, single do The Verve Pipe e trilha sonora do longa-metragem Rockstar. Com o decorrer do instrumental da faixa, não há dúvida de que The Tall Grass é uma pura experimentação de texturas sonoras. Seus diversos sons pairam pelo ar em uma sincronia capaz de criar diversos horizontes por segundo bem em frente aos olhos do ouvinte, o qual se vê estaticamente atento a cada palavra dita por Adam Duritz em sua narrativa sobre a fragilidade e maleabilidade da vida. Mas mais do que isso, esta é uma canção sobre culpa que encarna uma crescente melódica que chega a arrepiar os pelos que cobrem a nuca devido ao amplo instrumental e a bela harmonia criada pela união de elementos distintos como mellotron, piano, o violão 12 cordas de Dan Vickrey e bateria. Uma linda canção.


Charlie Gillingham e Bryson, por meio da união sonora de seus instrumentos, tais como piano e violão, respectivamente, dão o despertar de Elevator Boots. De início, essa união cria uma sonoridade que transmite uma energia mista de melancolia e nostalgia, mas quando a bateria de Jim Bogios entra em cena, acontece um turning point. De melancolia nostálgica, Elevator Boots passa para algo verdadeiramente blues, uma sonoridade que de tão crua beira até mesmo o universo folk. E nesse aspecto, o baixo de Millard Powers assume um groove encorpado e de linhas marcantes que aumentam a cadência da faixa. No que se refere ao lirismo, ele é rodeado de rimas perfeitas, as quais são usadas como um artifício para criar um elo entre o personagem Bobby em sua trajetória de descobrimento do mundo à la Pequeno Príncipe e o ouvinte.


De maneira decrescente a melodia se apresenta, mas com o auxílio da bateria e do mellotron, ela recobra sua consciência e assume novamente o embalo. E que embalo contagiante é esse criado em Angel of the 14th Street. Assim como aconteceu em The Tall Grass, aqui o blues impera, mas com menos força. Há aqui, ainda, um trompete que apimenta o solo. É Curtis Watson imprimindo notas gritantes que transitam entre os campos do próprio blues e do jazz. Além delas, claro, pode ser notado um leve flerte com a temática sonora mexicana no despertar do solo. Em todo o caso, a faixa representa, até o momento, a força comercial de Butter Miracle, Suite One. Um single de peso.


De melodia alegre e animada, Bobby and The Rat-Kings começa com estrutura baseada em uma mescla da sonoridade pop punk com flertes na country, mas que pela estrutura vocal ao mesmo tempo se assemelha com a cadência projetada por Greg Graffin em New America, single do Bad Religion. Mais do que todas as canções, a presente faixa apresenta o conteúdo lírico mais atual cuja crítica social recai sobre o consumismo, o vício em tecnologia e a inveja mesclada com o medo de assumir a própria personalidade. Por essa razão, a música é cheia de frases de impacto, tais como “But tonight in the dark I can be myself”. Uma música bem humorada, mas cuja mensagem fica encrustada na mente do ouvinte muito além do tempo de execução da música.


Butter Miracle, Suite One é um disco inteligente. Afinal, cada uma das quatro faixas possuem personagens que relatam suas realidades e seus devaneios a partir de críticas sociais metafóricas que, de música em música, vai criando um diálogo linear e coeso. Por essa razão, o álbum soa até mesmo como um livro musicado.


O mais interessante no álbum é, além da construção lírica, a melodia. E nesse aspecto, a voz de Duritz muito coopera para a construção de uma sonoridade única. Seu tom, por sinal, hora lembra o de Eddie Vedder, hora lembra o de Roo Panes e hora, ainda, remete ao de Greg Gaffin. Mas seu timbre levemente anasalado consegue imprimir uma estranha originalidade ao canto.


Transitando por gêneros que vão do blues, folk e country para chegar aos extremos do pop punk, Butter Miracle, Suite One é um álbum que, pela sua sonoridade e conteúdo lírico se enquadraria perfeitamente como trilha sonora para Into the Wild, longa-metragem dirigido por Sean Penn.


E Brian Deck, como produtor, conseguiu capturar essa essência sonora majoritariamente western do álbum e combiná-la com outros subgêneros do rock sem criar uma desarmonia. Afinal, o disco soa como um produto único cuja sonoridade mostra entrosamento e, acima de tudo, competência dos músicos. Porém, é inevitável não dar os maiores créditos a Duritz, pois além de emprestar a voz, todas as composições no trabalho são de sua autoria.


Lançado em 21 de maio de 2021 via BMG, Butter Miracle, Suite One é um disco indiscutivelmente conceitual. Além de ser estruturado linearmente, de maneira que a história narrada nas faixas se completa de alguma maneira, o álbum exala qualidade melódica e mostra um Counting Crows em plena forma.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.