K.Flay - Outside Voices

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Lançada no universo fonográfico a partir da mixtape Suburban Rap Queen, muita coisa mudou nos 16 anos seguintes na vida de K.Flay. Três novas mixtapes foram divulgadas, assim como três discos de estúdio, duas colaborações, uma série de singles e cinco EPs. Agora, dando continuidade ao Extended Play Inside Voices lançado no início deste ano, a cantora chega agora com Outside Voices, seu mais recente trabalho.


É como o bailar do vento. Uma valsa livre no horizonte carregando folhas que flutuam cintilantes sob um olhar marejado cuja lágrima cria um brilho reluzente sobre o globo ocular. Esse é o universo criado sensitivamente por uma melodia de estética mista de indie e um alternativo noventista. Uma voz doce e com toques graves ao fundo que dão ares aveludadamente roucos ao final da pronúncia das palavras preenche o ambiente com o desenrolar de uma história que guarda grandes doses de lamentação. É K.Flay trazendo uma melancolia sofrida em seu tom vocal que carrega uma tristeza latente que transcende o que é dito. De súbito, a melodia evolui para algo imerso no universo do hip-hop. Subgraves e um beat preciso e presente criam uma cadência quase estridente que indica o caminho a ser seguido pelo vocal, o qual se arrisca em falsetes pontuais. Nothing Can Kill Us se mostra, portanto, uma canção que carrega saudade e ao mesmo tempo uma superação perante o rompimento de um relacionamento.


As onomatopeias acompanhadas de uma guitarra de riffs pausados causam a impressão de uma canção imersa em uma estética suave tal como a surf music ou, ainda, o soft rock de maneira a remeter as melodias criadas por Jason Mraz. “I’m afraid of the internet” é a primeira frase dita e seguida de um som estridente que simula uma buzina ou, no caso, um sinal de alerta. Em verdade, o achismo inicial de um ritmo suave de fato se concretiza a partir do momento em que o violão é acompanhado de uma levada em 4x4 da bateria. Cativante, a sonoridade acompanha K.Flay em seu monólogo de desabafo sobre o universo da internet. Claramente trazendo referências às falsas realidades de uma vida perfeita propagandeada pelas redes sociais, a cantora lança luz sobre o fato da invisível desproteção a que os usuários estão sujeitos no ambiente virtual.  Ao mesmo tempo, a cantora destrincha, ainda, sobre a fortaleza invisível que a internet representa aos usuários, como se fosse um lugar onde ninguém pode ser atingido fisicamente, mas onde as palavras importam e machucam. Ganhando traços dramáticos, I’m Afraid Of The Internet se mostra realmente um alerta dos malefícios do ambiente virtual. Toda a malícia e os perigos nele existentes destroem a inocência e despertam sentimentos autodestrutivos. Essa é a mensagem implícita na clemência “God, it's hard to be innocent when the world keeps showing you its dick”.


A guitarra cria uma sonoridade quase tão acalentadora como a de uma canção de ninar. A maciez melódica esconde a dramaticidade, o sofrimento e a tristeza carregados pela personagem. Aqui, diferente de I’m Afraid Of The Internet, a depressão é a causa e não a consequência. No entanto, Maybe There’s A Way traz uma dicotomia construtiva. A melodia funciona como uma figura ambivalente de maternidade e paternidade que oferece o apoio, a ajuda e a proteção a todas as lamúrias sentidas pelo filho em processo depressivo. O fato de a morte não ser alcançada perante atos extremos é trazido aqui como uma metáfora pacificadora de uma segunda chance, do ânimo em recomeçar e buscar novos horizontes. 


A sonoridade é áspera e com toques soturnos de maneira a causar estranheza e sutis desconfortos ao ouvinte. Narrada sob a perspectiva de uma garota que sofre bullying, Weirdo é uma canção que simplesmente defende as diferenças e questiona aqueles responsáveis pelas zombarias e discriminações sobre aqueles mais frágeis. De outro lado, a canção tem o intuito de mostrar que, muitas vezes, aqueles tidos como ‘estranhos’ são aqueles que possuem maior identidade e originalidade por não seguirem as prerrogativas comportamentais de sociedades conservadoras. A liberdade é o apoio para mostrar o que realmente se é. 


De início crescente e levemente dramático sob uma ótica clássica, a presente faixa recria a energia e a melodia introdutórias de I Want To Break Free, single do Queen. Essa mesma melodia dá passagem para uma estrutura em que é o ritmo do canto que designa a cadência da canção em construção. Ao lado do sintetizador, Caramel and Symphonies acaba imergindo em um ambiente pop até então inexplorado em Outside Voices. Mesclando com uma ambiência mista de indie e alternativa, a canção funciona como uma continuação desproposital do conteúdo lírico de Nothing Can Kill Us. Afinal, ela segue a energia atmosférica de um sofrer perante o rompimento de um relacionamento, sobre o que nele foi feito, dito, experimentado. 


Sensitivo e dramático. Outside Voices é como um monólogo em que K.Flay divaga sobre diferentes esferas de seu sofrer. Apresentando ao ouvinte uma sequência de cinco canções cujo conteúdo lírico cheira como pequenos capítulos de uma autobiografia, a cantora extravasa sentimentos represados de não pertencimento, desmotivação, desproteção e uma consequente insegurança.


Entre classicismos e dramas, na melodia de Outside Voices existem notas de um barroco que tangencia o ultrarromantismo graças ao exercício de Jason Suwito, responsável por capturar os sentimentos da cantora e imprimi-los em sonoridades igualmente sensitivas. 


É essa ambiência melancólica e mórbida que faz com que a atmosfera construída no EP assuma grandes parentescos estilísticos com o drama soturno proporcionado pelas canções de Lana Del Rey. No entanto, o trabalho da dupla K.Flay e Suwito consegue romper a barreira do pop melancólico, trazer elementos do hip-hop e do indie e acomodá-los em uma estética alternativa típica da segunda metade dos anos 90.


No aspecto visual, a capa do EP traduz a ideia da clausura, do socialmente desejável. Com K.Flay posicionada dentro de uma caixa de vidro, o que se tem é um misto de sensações claustrofóbicas e desesperadas por liberdade. É sobre esses diferentes estados do sentir que as músicas de Outside Voices transitam. É sobre a pressão social. É sobre a prisão do inconsciente que, muitas vezes sem se dar conta, a cantora se encontra.


Lançado em 19 de novembro de 2021 via BMG, Outside Voices é um EP de melodia alternativo-indie pop rappeada de ambiência soturna e melancólica. Um monólogo de cheiro autobiográfico que extravasa os mais diferentes descontentamentos sentidos pela batizada Kristine Meredith Flaherty.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.