Institution - O Grande Vazio

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (2 Votos)

O grupo contabiliza 10 anos de história. Em 2014, ocorreu o anúncio de Uncritical Receiver​, seu material de estreia. Desse ano em diante, o Institution manteve certa frequência, lançando produtos relevantes, pelo menos, a cada dois anos. Agora, ele chega com uma novidade, O Grande Vazio. Sucessor do álbum Ruptura Do Invisível, o EP consiste no segundo extended play da banda.


O silêncio absoluto pé rompido por um som áspero, raivoso e sinistro. Como um predador caminhando à espreita pela escuridão pronto para dar o bote fatal em sua presa, a guitarra de Fábio Pereira vem perigosa em sua distorção ácida. Cooperando para essa paisagem agressiva, Hélio Siqueira não demora a se mostrar e a inserir seu vocal gutural de interpretação quase desesperada em sua agonia imediata. Após a pronúncia do primeiro verso, a qual é acompanhada por generosos chiados que inserem pitadas nítidas de lo-fi à ambiência melódica ainda em elaboração, a canção se transforma. Como uma explosão inevitável, um ódio há muito reprimido, esse sentimento extrapola os limites da mente e do coração e saltam para o mundo exterior com admirável imponência sufocante. Na forma de um death metal e seu azedume típico, Assimetria ganha cadência rítmica através da bateria de Lucas Melo. Aflitiva em sua aceleração desmedida, ela faz com que o ouvinte mergulhe em um estado de atordoamento quase visceral. Não à toa que, em Assimetria, o Institution, surpreendentemente sob o idioma português-natal, dialoga sobre a liberdade sob os pontos de vista da manipulação e da coerção. Até mesmo a fé e a figura santificada de um ser maior é posta em xeque pelo falso discurso neoliberal e pela esfera econômica regida pelo capitalismo, pelo lucro. Pelo resultado. 


O ambiente nasce com um misto de sensações que se fundem a uma espécie de alma mater. A melancolia é o que une o sombrio, o denso e o drama. Por meio da guitarra, solitária em seu riff de tomada grave, a melodia se mostra ligeiramente intimista, mas sem esconder aquela raiva obtida em Assimetria. A única diferença é que aqui, ao menos na introdução, ela se encontra mais contida, mas não menos notada. No cerne de uma escuridão abissal, ambiente em que os golpes pontuais da bateria intensificam certo grau de sofrimento, uma voz surge como um personagem onipresente trazendo suas lamúrias. De interpretação lírica inicialmente falada, uma estratégia capaz de ampliar o momento de introspecção em busca de respostas para os sofrimentos sentidos, Jair Naves é o convidado que passa a narrar o enredo verbal. Com um grave tamanho que quase soa como um sussurro, principalmente pelas pronúncias pausadas e espaçadas, ele faz, de Eulogia A Um Futuro Esquecido, um interlúdio introspectivo que explora o vazio estrutural associado à falta de propósito e ao medo de encarar uma realidade sem futuro. Sem estímulo. Sem vida.


Modificando sua estrutura melódica, o Institution passa, agora, a caminhar por uma mistura de metalcore e emocore. De ambiência, consequentemente, sofrida, melancólica e dramática graças à afinação da guitarra e à forma como a bateria se movimenta, como se em uma espécie de ardência interna incontrolável e lancinante, Autofagia é a primeira faixa de O Grande Vazio em que o baixo de Rodolfo Duarte pode ser melhor degustado e melhor percebido. Na forma de outro interlúdio, a canção possui uma ponte melódica em que o instrumento se torna protagonista por oferecer corpo, densidade e precisão por meio de seu groove encorpado e ligeiramente grave. Com essa estrutura, Autofagia é onde o grupo, até mesmo pelo seu conteúdo lírico, oferece uma continuidade linear em relação à Eulogia A Um Futuro Esquecido. Afinal, na presente canção o grupo segue dialogando sobre a falta de perspectiva e motivação, bem como à sensação de escravidão e anulação frente à cultura do capital. Uma verdadeira elucidação frente uma realidade forçosamente acobertada, mas que, para aqueles atentos e com boa capacidade de observação e reflexão, não deixam escapar o fato de serem apenas mais uma engrenagem no maquinário sedento pelo lucro.


O sampler inserido na introdução do novo cenário faz com que o ambiente se torne enigmático, mas também de caráter fantástico e, portanto, fantasioso em certo aspecto. Misturando ligeiros elementos do sci-fi com o já presente lo-fi, a canção continua a fomentar o crescimento imagético daquele horizonte sombrio, enegrecido e aquém de redenção já vivenciado e explorado nos capítulos anteriores. Entre rochas e lamas, o indivíduo se vê imerso em sua própria consciência desmotivada, solitária. Nem mesmo os pontos de explosões de fogo, com sua iluminação viva, quente e hipnótica, consegue trazer o personagem de volta à sua capacidade lúcida. Deixando o céu sem vida repleto de fumaça enquanto as fagulhas se unem em um incêndio incontrolável, Lapso promove, esteticamente, a fusão entre o metalcore e o metal alternativo. Agonizante, agoniante e aflitivo, o novo cenário faz com que o indivíduo se perceba órfão de respaldo ou mesmo de compaixão. Ainda que exista raiva e certo grau de imponência na forma como os instrumentos se posicionam em uma espécie de coletividade viril, a fraqueza, a insegurança, a melancolia e a tristeza ainda formam a base emocional de uma desesperança incentivada por um contexto econômico capaz de sugar o ânimo e a essência do indivíduo, ao mesmo tempo em que incita a depressão com sua rotina trabalhista hipinótica e carniceira que pensa apenas no crescimento de suas próprias poupanças e se esquece de olhar para o lado humano do trabalhador.


É verdade que ele se configura como um produto ruidoso, raivoso, agressivo, inconstante e lancinante. Porém, por de trás de tanta imposição, imponência e ódio, existe um indivíduo desesperado, angustiado por ser ouvido, percebido e ajudado. O Grande Vazio reflete a falta de representatividade e a agonia de um povo manipulado por uma economia escravocrata travestida por um ideal de belas palavras, mas de ações egocêntricas e manipulativas.


Não é de se espantar, portanto, que, por meio do EP, o Institution esteja alfinetando e despejando todo o seu próprio descontentamento frente à lógica capitalista. No material, o grupo se posiciona indiretamente, defendendo e, mesmo, salientando o socialismo como outra opção viável de sistema econômico.  


A questão explorada em O Grande Vazio não é apenas alfinetar o capitalismo e o ponto de vista de ser um regime opressor. Ela envolve também a forma como o indivíduo é visto pela lógica do lucro, a lógica do mercado. E aqui, não é difícil de se perceber que o grupo tem aquele mesmo posicionamento explorado pelo M’Z em La Civilisation De La Graine, quanto pelo The Diogènes em Qui Pourrait Craindre Le Bien?. Afinal, ambos enxergam, também o capitalismo, como uma economia que esquece o lado humano para dar vazão e razão apenas pelo olhar da máquina fabricante do crescimento, da competitividade e, claro, do lucro.


Para sintetizar todos esses ideais contestadores associados ao máximo sentimentalismo, o Institution recrutou Duarte também para as funções técnicas da produção e mixagem. Estando dentro também do lado criativo, o profissional teve mais facilidade em compreender quais as texturas e os estilos que deveriam ser encaixados para dar vida aos lirismos. E assim, O Grande Vazio se tornou um expoente de gêneros como death metal, metalcore, metal alternativo, emocore, lo-fi e sci-fi, os quais foram facilmente identificados pela mixagem empregada. 


No entanto, na mixagem, Duarte quase fez com que seu próprio instrumento, o baixo, fosse engolido pela grande imponência extraída pelo restante dos músicos. Não à toa que foi apenas em um trecho de Autofagia que ele pôde ser observado. Já na produção, ele soube sintetizar bem as emoções e os elos líricos para que cada faixa pudesse completar a outra de alguma forma, dando, ao EP, um enredo linear.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Marcos Rodrigues e Siqueira, a obra consiste em algo que parece um buraco negro consumindo um indivíduo. Tal imagem vem com uma metáfora que representa e internaliza todo o senso de orfandade, falta de amparo, compaixão, incentivo e companheirismo sentido pela população frente a uma economia mercantilista.


Lançado em 28 de junho de 2024 de maneira independente, O Grande Vazio é um EP que representa toda a angústia, a desesperança e a orfandade estrutural de uma população que vive sob um ecossistema mercantil hipnótico em sua falsa realidade libertadora. Aqui, é onde o Institution saliente a ambivalência entre a necessidade emocional e a realidade escravocrata travestida de independência.

Compartilhe:

Cadastre-se e recebe as novidades!

* campo obrigatório
Seja o primeiro a comentar
Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.