NOTA DO CRÍTICO
Um novo nome surge no mercado musical global. Com uma proposta inusitada de fazer do mundo um lugar menos sério, levando entretenimento e riso onde for possível alcançar, o Cash U, banda de um homem só, anuncia seu material de estreia. Intitulado Best Shit, o produto foi composto inteiramente por Alexander Kuzin.
Os sonares iniciais imitam os de metais, como os oboés. Rapidamente, aquilo que pareceu ser o início de uma introdução padrão passa a romper qualquer conceito de racionalidade e lucidez. Gritos abobalhados e debiloides passam a preencher o cenário em uma mistura de dissonância proposital que se mistura com edições tecnológicas para deixar as vozes mais finas e os sons tilintantes, mais estridentes. De versos incompreensíveis e, como tais, hilários em sua própria incapacidade de interpretação, Hip So Hop (Cappuccino) surpreende por, no meio de tanta alucinação, haver, de fato, algo a se dizer. Na forma de um rap absurdamente acelerado, a canção vem coim o propósito de incitar no ouvinte a vontade e a necessidade de viver cada momento, de aproveitar as oportunidades, de ser quem se é. A importância da família e dos amigos é outro quesito salientado, de forma a destacar a posição da canção como um produto que ensina os alicerces de uma vida sabiamente vivida, com respeito e gratidão.
A voz que se apresenta pé de uma aparência de balbuciar de babuínos. Aguda, quase estridente e ligeiramente ondulante. Rapidamente, esse primeiro contato vocal passa a ser regido pelo uso massivo de subgraves como forma de salientar o ritmo de uma canção quase monossilábica. Narrada por uma voz estridente em seu tom agudo, My Ass Is The Best segue a receita temática da canção anterior ao imprimir o rap como norteador rítmico.
O som acústico e gradativo dos golpes certeiros na caixa cria certo grau de expectativa no ouvinte por querer saber o que o aguarda em seguida. Quando, aparentemente, as apunhaladas atingem seu ápice, uma voz surge em falsete e, como uma espécie de grito debochado e libertador, entoa “I don’t give a damn!”. A partir daí, o que o espectador vê é a transformação estética para um ambiente misto de funk e disco music com direito a frases melódicas groovadas, dançantes e swingada. E o deboche, o imaturo e o desleixado passam a ser a marca registrada de I Don’t Give A Funk, uma canção contagiante, convidativa e atraente.
Novos balbuciares são ouvidos como uma espécie de abre-alas. Ao seu lado, o mugir de uma vaca é ouvido ao longe em uma perfeita sintonia de sons dissincrônicos. Rapidamente, This Is So Dumb, But I Like It cresce com a entrada de subgraves que passam a moldar sua base rítmica de uma forma curiosamente contagiante.
Em um claro deboche da estética do blues, guitarra e baixo passam a reproduzir a cadência melódica em 4x4 típica do gênero, enquanto o vocal entra grave explorando suas extensões de alcance de afinação. Com um curioso e contagiante swing rudimentar, Beautiful World talvez seja a primeira canção de Best Shit com um caráter mais orgânico e realista, o qual se apoia no estalar de dedos como elemento a inserir uma diferente textura no escopo rítmico.
Assim como em I Don’t Give A Funk, a presente canção tem um início crescente e gradativo. Marcado por um beat contagiante vindo, surpreendente, de uma bateria acústica, a canção transpira certo grau de sensualidade que engrandece o seu contexto rítmico. Hipnótico e ao mesmo tempo dançante, I Don’t Like It é uma faixa groovada, com direito à guitarra elétrica em riff ligeiramente azedo e um baixo de linhas encorpadas que enriquece a base melódica.
O novo ambiente começa melódico em uma afinação aguda e interessantemente macia. Rapidamente, o ambiente se transforma e é tomado por uma essência rappeada dominada por subgraves. Sintética, Super Epic (Feel It) não esconde sua influência estética sci-fi, detalhe que é responsável por dar certo grau de um charme peculiar ao seu enredo melódico.
É uma canção monossilábica preenchida apenas pela reprodução ritmada de miados. O que chama a atenção em Kitty Cat (Meow Meow) é, na verdade, as texturas percussivas usadas para dar pressão e consistência ao ritmo. Surpreendentemente, esses mesmos elementos conseguem fazer com que a canção soe macia, contagiante e, junto com o sintetizador, tenha densos flertes com as temáticas tanto do chiptune como do trip hop.
A batida é de reggaeton, mas o que preenche o contexto vocal são latidos ecoantes e hipnóticos. Abraçada por uma energia curiosamente entorpecente, Doja Dog (Woof Woof) é um interlúdio contagiante, swingado e, interessantemente, reconfortante em seu sonar tilintante e adocicado.
Enérgica e estimulante, A Song To Cheer You Up é mais um interlúdio de Best Shit, mas de veia curiosamente motivacional em sua energia interessantemente positiva e entusiasmada. Uma tomada capaz de fazer o ouvinte até mesmo se levantar da cadeira e partir para ação.
Seu enredo é surpreendentemente melancólico e entristecido. Regida por um piano de notas chorosas e uma voz cuja interpretação vem dolorosa e sofrida, I Feel Good I’m OK é de um cunho cômico e, simultaneamente, dramático. Serena, esvoaçante e delicada, a faixa apenas evidencia um personagem no ápice da plenitude, no ápice de seu bem-estar.
Best Shit é um EP audacioso e peculiar. Por algumas vezes, sendo até mesmo petulante em sua máxima ousadia estrutural, o material mostra e escancara a despreocupação e o desleixo de Alexander Kuzin em seguir padrões pre-estabelecidos.
Focando no máximo do experimentalismo e mostrando que o dissincrônico pode ser uma textura a casar com certas propostas estruturais, o músico faz com que o EP funcione como um material não apenas para despreocupar, mas para fazer do mundo um lugar menos sério e aberto ao novo.
E o interessante é que, mesmo soando por diversas vezes dissonante, Best Shit guarda importantes lições e fusões estéticas, como trazer o chiptune no mesmo campo do trip hop, ou como trazer o funk junto com a disco music. Ou, ainda, chocar ao trazer um rap cantado à sua quinta potência de velocidade ao ponto de soar propositadamente incompreensível.
Encerrando o escopo técnico, vem a arte de capa. Reconhecendo que para muitos o seu trabalho será visto de forma depreciativa e se apoiando na ideia de que ele consiste em uma coletânea de músicas sem sentido, Kuzin utilizou, para tal, a imagem sorridente de um cocô. É a perfeita autoironização.
Lançado em 14 de fevereiro de 2024 de maneira independente, Best Shit é para desvirtuar o ouvinte da seriedade do mundo e fazê-lo rir com algumas experimentações inusitadas. A incompreensão, aqui, é apenas mais um artifício que faz do EP um material icônico em sua proposta de chocar a partir da determinação de ser peculiar e escancaradamente fora do padrão.