Guinebissau - Talvez Pode Ser Quem Sabe

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O Paraná tem se mostrado uma terra fértil para a música nacional durante o ano. Afinal, o estado foi berço de nomes como do trabalho conjunto entre Roseane SantosLuciano Faccini e de bandas como Abraskadabra e Evil Politicians, os quais lançaram produtos inéditos durante o segundo semestre. Desse mesmo território vem a Guinebissau, dupla que se anuncia no mercado fonográfico nacional com Talvez Pode Ser Quem Sabe, seu EP de estreia.


É com uma leveza partida de um groove swingado na temática do hard rock setentista que vem ao mundo a faixa-título. Com referência a um blues rock feito pelo icônico ZZ Top e repaginado na sonoridade de bandas como Dirty Honey e Heavy Water, a sonoridade trazida pela Guinebissau tem ainda um quê de retro em sua estrutura melódica que traz respingos de rockabilly. Quando a guitarra de Thiago Franzim entra suja e distorcida, o stoner entra em cena de maneira macia, mas ainda assim marcando um território sólido com uma performance homogeneamente explosiva da bateria de Douglas Labigalini. O coquinho presente na percussão é capaz de imprimir, ainda, um flerte com o samba, o que acaba trazendo uma malemolência propriamente brasileira à faixa. 


Ao fundo, um movimentar de escalas na guitarra sopra uma sonoridade mista de folk e country. Surpreendentemente, a mesma voz que entoava onomatopeias na canção anterior traz uma doçura a partir do timbre leve, agudo e afinado de Franzim. É curioso como, apesar de proporcionar essas influências rítmicas estadunidenses, Eu Sei Que Você Sabe traz consigo traços de uma melodia construída pela estética acústica de Tiago Iorc. De qualquer maneira, a suavidade, o swing e até mesmo o groove estão presentes nesta que é uma canção de arquitetura minimalista e contagiante que, além de também possuir referências melódicas ao Greta Van Fleet, guarda uma explosão repentina e áspera nas pontes entre versos.


Aqui, vem o diferente. Já não é mais o gradativo, o leve, o minimalista quem introduz o ouvinte. Uma levada suja, distorcida, mas com um swing hard rock que refresca a musicalidade de grupos como o Rival Sons preenche a atmosfera em formação. É curioso como O Que Sabe, Não Fala consegue trazer referências a uma banda primária como o Led Zeppelin e suas seguidoras transgeracionais, tal como a já citada Rival Sons. Ao mesmo tempo, a canção é capaz de recriar a ambiência mista de folk e country presente na canção Out Go The Lights, do Aerosmith


É um misto de MPB com soft rock. É como uma imersão em um universo partilhado entre Ana Carolina e Zélia Duncan. Esse é o ambiente proporcionado pelos melismas realizados pela guitarra introdutória. Com seu gingado mole e bluesado, ela dá passagem para algo que vai além do stoner e passa pelo solo de Seattle ao carregar elementos do grunge. Nada é uma música de sonoridade suja, mas mais branda que o stoner. Vem com distorção e uma leveza que permeia o rock noventista. Com groove latente, ela consegue ser atraente sem ser apelativa.


O soturno misturado com agressividade, acidez e pitadas de azedume se percebe nos primeiros sonares de Cambalacho. Com repiques bem executados na bateria, a música passa por uma ambiência grunge tal qual aquela experimentada em Nada. Porém, aqui já é possível notar flertes melódicos com as estruturas adotadas por grupos como Pearl Jam, Soundgarden e Audioslave. Com mais pressão e precisão, a música contém distorções em tons baixos e o executar de um protótipo da metranca, artifício tão comum em subgêneros como o death o doom e o black metal. 


Minimalismo. Essa é a palavra que melhor define Talvez Pode Ser Quem Sabe e mais ainda o Guinebissau. Se baseando na métrica guitarra-batreria e pontuais inserções de balbuciações vocais, o EP mostra uma capacidade notável dos paranaenses de, com poucos recursos, produzir sons potentes, energéticos e cheios de groove.


Com influências que transitam por setores distintos do rock, como o rockabilly, o blues rock, o folk, o country, o grunge e outros que estão no primeiro estágio do extremismo do heavy metal, como é o caso do stoner, o EP acaba por conquistar uma personalidade melódica singular.


Isso é possível graças também à parte técnica de produção. Assinada por Franzim, a produção e a mixagem capturam essa identidade soturna que flerta com a reciclagem de subgêneros cinquentista e sessentista e outros mais novos da década de 90. De outro lado, o trabalho feito pelo profissional promove um som nítido e bem lapidado, mas sem disfarçar a intensidade.


Por fim, a parte visual de Talvez Pode Ser Quem Sabe é aquele setor que ousa em escapar, mesmo que sorrateiramente, do minimalismo defendido pelo duo. Afinal, o que Gabe Lemes traz é uma arte que, dominada por um tom branco gélido, possui elementos distribuídos somente no lado esquerdo. Suas simbologias que beiram o psicodélico sugerem uma experiência de fazer o viajante ultrapassar a zona de conforto e descobrir novos horizontes usando somente os sentidos. E, de fato, é isso o que o EP faz.


Lançado em 12 de novembro de 2021 via Abraxas Records, Talvez Pode Ser Quem Sabe é um EP de essência soturna e recheado de um groove swingadamente bluesado. É um EP cujo minimalismo estrutural aguça os sentidos.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.