NOTA DO CRÍTICO
Aos 18 anos e com diversos singles já em sua bagagem, a texana Gayle assume uma postura audaciosa ao, no mesmo ano, lançar dois EPs, materiais que dão um início oficial em sua carreira. Sete meses depois de anunciar A Study Of The Human Experience Volume One, a batizada Taylor Gayle Rutherford divulga A Study Of The Human Experience Volume Two, seu segundo extended play e material mais recente.
Um som encorpado e bojudo do baixo surge protagonista acompanhado de burburinhos vocais ao fundo. É como se o instrumento estivesse negando, ou, ao menos, tentando não prestar atenção na conversa alheia. É então que uma voz de timbre rouco e levemente rasgado entra em cena. Gayle, com sua temática sisuda, muito lembra o tom vocal e a postura de Billie Eilish. Ganhando mais cadência com a inserção da batida da bateria e rispidez com as rajadas ásperas do sonar da guitarra, Indieedgycool é uma canção contagiante e repleta de deboche que, assim como Royals, single que estourou Lorde, discute os interesses da rádio enquanto reflete sobre a autoestima, as vontades e a essência dos personagens que fazem o sucesso da indústria radiofônica. A influência da moda e o comportamento de imitação que a publicidade causa é outro grande fator a ser discutido nessa que é uma faixa que mistura elementos barrocos com um tom soturno, o post-punk e um refrão monossilábico que deixa Indieedgycool ecoando na mente do ouvinte.
Folk com reggae e swing. Essa é a promessa inusitada de FMK, uma canção calcada majoritariamente na estética voz-violão. Reforçando o parentesco de timbres com o de Billie, a pronúncia serrada de Gayle dá um tempero que mistura rigidez com um curioso contraponto de maciez. Agraciada por uma harmonia levemente comovente proporcionada pelas sobreposições vocais durante o pré-refrão, FMK é uma canção romântica de narrativa jovial que relata o desejo pela entrega ao sentimento. Com auxílio de blackbear no primeiro verso da segunda metade, FMK assume ares pop punks com a união dos sonares de guitarra e bateria em uma levada 4x4 enquanto o ponto de vista masculino, ou seja, a outra parte do relacionamento, é representado. E assim, as dicotomias de personalidade dos dois personagens se fundem no interesse comum da atração, do tesão, do romance, da entrega.
A guitarra acústica de Louis Johnson insere, logo na introdução, uma energia melancólica que muito foge daquela alegria abobada de FMK. De certa forma, é curioso notar que o movimento das notas por ele executado recria a ambiência introdutória de 21 Guns, single do Green Day. Dramática e emocional, a interpretação de Gayle não apenas mostra mais de seu vocal a ponto de notar um parentesco inclusive com o de K.Flay, como também identificar nuances de semelhança da melodia com a de seu single I’m Afraid Of The Internet. Interessante notar que Alex é como se fosse a continuação, ou melhor, o ponto final do relacionamento iniciado em FMK. Com humor e até deboche, o enredo trata de um relacionamento não consistente. Um relacionamento de entrega unilateral em que o comportamento esnobe em relação das demonstrações de afeto do outro pautava a rotina evidenciou, inclusive, o tamanho da insegurança da personagem central. “I gotta break up with Alex”, decide certeira ao perceber o quão menosprezada a personagem estava sendo. Como um todo, Alex é uma canção que estimula o empoderamento e um senso de autoestima que visa fazer o público se perceber firme, forte e no controle de sua sensibilidade.
Porta batendo. Som de passos em um chão de piso frio. Uma respiração profunda.que devolve a calma. É então que a guitarra acústica de Chris Condom não traz melancolia, mas um tom entristecido que, de sua dor latente, assume um caráter generosamente sombrio. Ainda que a melodia estruturada entre voz-guitarra soe levemente contagiante, o que 15 traz é um enredo de transparente repugnância. É o relato mais autobiográfico de A Study Of The Human Experience Volume Two, um relato de dor, de ódio, de nojo, de decepção. De saudade da pureza e da ingenuidade. 15 é simplesmente um recorte de um evento traumático de uma experiência sexual indesejada, insensível e egoísta. Tocar em um assunto tão delicado pede muito mais que uma superação, pede maturidade e coragem. E é por isso que 15 leva o título de single não comercial do EP. Com auxílio do bumbo da bateria orgânica de Jake Fich, a canção toma uma grandeza melancólica que se segue até seu encerramento.
Aos assobios do pássaro ao fundo, Gayle logo introduz um lirismo que, de imediato, constrói aromas nostálgicos, mas não reconfortantes. Estruturada entre voz e o som do piano, God Has A Sense Of Humor discute a relação da personagem com a fé associada à perda. É a constatação da imprevisibilidade da vida e da instabilidade emocional do indivíduo. É a busca por algo em que acreditar, algo que motive ao mesmo tempo que alente as aflições e as incertezas. Um dilema visivelmente vivido pela cantora.
Um pop que mistura influências nítidas de Katy Perry e Taylor Swift se inicia com uma cadência amaciada. Linear em sua estética melódica, a canção tem na cadência vocal o detalhe que representa o movimento rítmico. Calcada em melismas e com um refrão repleto de sobreposições vocais estridentes, Snow Angels relata a relação com o tempo, com o amadurecimento e com a assumição de responsabilidades. É a metáfora da saudade da infância, do descompromisso e da ingenuidade. Em verdade, Snow Angels é algo mais que a nostalgia do descompromisso, é a necessidade ávida por viver o presente com medo da chegada do amanhã.
Não há como não ir direto ao ponto. A Study Of The Human Experience Volume Two é um trabalho de estética barroca, suja, intimista e soturna que, com muita coragem e sensibilidade, relata as insanas experiências vividas por uma cantora que mal chegou aos 18 anos.
Muito se engana aquele que acha que por se tratar de um trabalho vindo de uma adolescente, a melodia que nele se constrói é juvenil, alegre e contagiante. O que o EP chama a atenção nesse aspecto é que ele consegue ser atrativo mesmo sendo forte, melancólico e experimental.
Falando também de romance, A Study Of The Human Experience Volume Two fica marcado pelos pontos de vista maduros e conscientes de Gayle sobre relacionamento, amadurecimento e, principalmente, autoconhecimento e compreensão de suas próprias emoções. A relação com o tempo e uma espécie de autopunição dolorosa também deixam uma notável marca no legado do EP.
Mixado por Pedro Calloni, A Study Of The Human Experience Volume Two evidencia a referência musical de Gayle de forma a transitar entre os campos do folk, reggae, pop, do pop rock e do pop punk com muita versatilidade. Promovendo uma sonoridade consistente, Calloni deixa visível para o ouvinte, além das semelhanças vocais de Gayle com Billie Eilish e K.Flay, o parentesco também com o timbre de Taylor Momsen.
Com produção assinada por nomes como Noah Conrad, Ryan Linvill, Reed Berin, Pete Nappi e Jonny Shorr, o caminho lírico foi linear e se ligou entre todas as seis canções, o tornando uma espécie de monólogo sobre as vivências e pensamentos da cantora. No que tange às melodias, o quinteto de produtores conseguiu deixar o material o mais fiel possível às dicotomias emocionais experimentadas entre os enredos.
Lançado em 07 de outubro de 2022 via Atlantic Records, A Study Of The Human Experience Volume Two é, de fato, uma análise sobre as experiências humanas. Experiências essas repletas de antagonismos emocionais que pediram muita maturidade para serem dilacerados em capítulos musicados de extrema comoção pela visceralidade com que foram relatados. É um EP sobre superação e amadurecimento que dialoga sobre amor, tempo, saudade, dor e superação.