Funeral Sex - The Gods Put The Demons On Earth

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Ela vem do interior de São Paulo dos idos de 2013. Pouco depois, o power trio anunciou seu disco de estreia. Hoje, nove anos depois de seu nascimento, o rio-clarense Funeral Sex conta com uma discografia de dois trabalhos já lançados, que agora abre espaço para um novo material. The Gods Put The Demons On Earth é então o sucessor de Sex, Demons And Rock ‘N’ Roll na lista de álbuns de estúdio do trio.


Uma explosão melódica se evidencia. Dela, um aroma enigmático, mas de tons tensos e reflexivos, exala. Entre pausas dramáticas, a sonoridade vai se maturando em uma maciez hipnótica e de base precisa. Guiada por uma levada firme dominada por Baxos Rokiaa, Genesis surpreende por, no momento em que o ouvinte pensa já ter conhecido todo o ritmo, oferecer uma quebra narrativa e fluir para um ambiente mais metalizado e aquém do ambiente introspectivo anteriormente estruturado. Eis que uma voz metalizada de maneira a promover uma mistura entre os timbres de Jonathan Davis e Shaun Morgan entra em cena. É Vladmir Matheus dando peso ao contexto melódico post-grunge de Genesis, uma canção que, como o próprio nome sugere, aborda a gênese do mundo. Aqui, porém, a concepção de mundo é posta de maneira negativa e caótica e narrada a partir de um enredo folclórico e bíblico a respeito de um cenário abominável em que a Terra é regida pelo ódio e violência. 


Apesar de surgir com a impressão de um crescente trabalho no groove, o novo amanhecer acaba oferecendo um mergulho na roupagem doom a partir de compassos mais lentos. Assumindo o papel de trilha sonora de suspense, de tal maneira que simboliza o prelúdio da entrada de um personagem horripilante, The Most Demonic And Diabolic Creature Of The Face Of The Earth vem com uma melodia sinistra que chega a arrepiar os espectadores. Curiosamente, essa mesma sonoridade vai assumindo um caráter conotativamente melódico graças à forma como a guitarra baila na transição para o primeiro verso. Com uma base suja, mas precisa em sua levada 4x4, a canção acompanha um personagem hipnotizado por seus instintos mais vis e seus desejos mais sórdidos. Cheio de luxúria e lascividade, ele se encontra em um dilema entre o que é bom e o que é mau, entre o id e o ego. Aqui em The Most Demonic And Diabolic Creature Of The Face Of The Earth, porém, ele mostra o seu lado mais sincero, mostrando e evidenciando que todas as pessoas têm desejos e vontades, mas travados pelo preceito da moral.


A guitarra vem distorcida, solitária, mas com um riff melódico intrigante e contagiante. Na companhia da marcação do tempo a partir dos golpes certeiros no bumbo, ela vai mostrando seu groove e a sua desenvoltura excitante de maneira a flertar com a roupagem hard rock. Ainda assim, é possível notar influências melódico-estruturais vindas de nomes como Alice In Chains na forma como a harmonia de It’s Time To Die foi concebida. Misturando o soturno com elementos vindos até mesmo do post-grunge, a canção, assim como em The Most Demonic And Diabolic Creature Of The Face Of The Earth, oferece uma interação entre o indivíduo e os dois lados da moral. Contudo, na presente faixa esse diálogo se encontra de maneira não verbal e é baseado apenas na escolha de qual lado seguir no momento da morte. De sonoridade marcante,  It’s Time To Die se coloca como primeiro importante single de The Gods Put The Demons On Earth a ser apresentado.


Macia, embriagante e nauseante. Tensa e densa. Sínica e sorrateira, a melodia introdutória vai caminhando como os olhos de uma figura acompanhando, à espreita, seu alvo caminhar despretensiosamente. Com auxílio do lap steel, a guitarra acaba produzindo um sonar ainda mais inquietante e sinistro que ecoa pelo ambiente inóspito. Entre rompantes robustos e chocantes de doom metal, uma conotação dramática acaba sendo construída de maneira que o ouvinte entra em um estado entorpecido como uma proteção psíquica contra o cenário desarmônico que ser estrutura de forma paulatina. Comprovando tal máxima, Matheus entra em cena com um timbre rasgado que flerta com o gutural, o que introduz noções de insegurança ainda maiores. A faixa-título é como uma história de terror de aroma mitológico que narra a chegada de seres malignos na Terra, cujo intuito é espalhar o terror, a crueldade e os prazeres mais bárbaros. Trazendo o drama como ingrediente auxiliador na ampliação do inegável caos que o enredo comunica, o violino de Kassyo Tonello e o violoncelo de Francisco Paes sonorizam a súplica e a conformação de que, do pandemônio, não há mais escapatória.


Cheio de groove e frases bojudas, a canção já surge com uma inquietação singular. A sonoridade não é explosiva e não existem virtuosismos. É apenas a energia que dela emana que comunica o ouvinte uma energia de desolamento e desmotivação, como se forçasse o espectador a afundar nos sentimentos mais internos que incitam a introspecção. The Last And Only Flight se apresenta como a música da morte, um mantra que apresenta um personagem perdido no desejo de liberdade e ingênuo demais para perceber não haver mais chance de se ver apto a voar. The Last And Only Flight é a representação da mesmice da dor e do sofrimento como um impulso que entorpece o indivíduo e o engana na visão de que haverá um quadro de melhora.


Grave estruturando a melodia doom. Pausas dramáticas. O lap steel novamente se apresenta e insere noções pontiagudas de suspense. E nesse suspense, existe um cenário que se constrói afrente do ouvinte em que uma mão se estende para além da porta para sentir a água cair de uma chuva torrencial. Apesar da força das gotas, a pessoa vai inclinando mais seu corpo para fora daquilo que simboliza proteção e se lança ao relento. De vestido surrado e cabisbaixa, a menina se alça sem rumo e a passos curtos no horizonte. Suas mãos estão serradas e seus olhos preenchidos de lágrimas irrequietas. No entorno não há sinal de vida ou companhia, mas ela segue focada no torpor de um destino inexistente. Enquanto isso, suas memórias revivem momentos que inspiram raiva, ódio e saudade. A dicotomia de emoções mais perigosa para quem se encontra em estado de vulnerabilidade. Não demorou muito e aquela mesma menina que pareceu consciente, se ajoelha no gramado encharcado e dá vasão para todos os sentimentos represados em um choro de dor e desolamento. Esse é o cenário proporcionado por Like Tears In Rain, uma música de cunho romântico que dialoga não apenas sobre o fim de relacionamento, mas também dá voz à saudade e ao arrependimento. A lembrança de um passado bom, mas que foi brutalmente interrompido. Nesse aspecto, inclusive, Like Tears In Rain parece abordar até mesmo o suicídio sob a ótica daqueles que ficaram e possuem, na memória, a única forma de reviver as emoções que outrora foram sentidas. Dando mais fluidez a esse tom nostálgico-melancólico, o baixo de Thaís Pancheri é audível de maneira firme e que se perde entre a sisudez e o sentimento enquanto dá voz à disparidade da racionalidade e da emoção.


Existe um suspense enigmaticamente sombrio exalando do riff agudo e melódico da guitarra. Seguida por uma valsa vocálica onipresente, ela acaba auxiliando na construção de um ambiente quase fantasmagórico que tem, no baixo de linhas estridentes e levemente azedas, o elemento que propaga o teor dramático e até mesmo enigmático disseminado até então. Bruta em sua gravidade pincelada por rompantes de pedais duplos, In Memory é uma canção que surpreende em não tratar nostalgicamente da memória de alguém, mas ela vem acompanhada de uma embrionária visão romântica da nostalgia da pureza e da bondade do homem, uma figura que pode desempenhar orgulho e ódio em frações de segundo. In Memory é a sonorização do estado refém daquilo em que acreditar, uma vez que a sociedade caminha para um irrevogável retrocesso evolutivo ao repetir os mesmos erros e não enxergá-los com clareza. Em tempos de pré-eleição, esta canção funciona como a voz da ausência da representatividade que o brasileiro vivencia. Não há em quê ou o quê acreditar. E, por tratar desse anseio, In Memory acaba se associando com o lirismo de Singelos Votos, faixa do Fibonattis.


Com explosivo e grave caos, a introdução caminha por ondulantes e ásperos sonares que, combinados, deságuam no puro doom metal. Lento, mas rígido e ríspido, o ritmo da vasão ao suspense, à agressão e ao perigo. Com toques dramáticos que soam como choros entorpecidos vindos de uma angústia enlouquecedora, Hell é uma canção que imagina um cenário canibalizante do corpo luciferino como metáfora para a realidade de um mundo rude e apodrecido.


De melodia semelhante àquela estruturada na canção anterior, o novo capítulo inicia seu contexto lírico sem delongas. The Apocalypse soa como a chegada do fim, o momento da diversão dos demônios, que esperam ansiosos para tocar as últimas trombetas antes do Armagedom. Não à toa que The Apocalypse tem como mote do enredo fazer o ouvinte refletir sobre qual seria o julgamento do ser supremo perante as atitudes tomadas até o momento. 


Denso, bruto e soturno. The Gods Put The Demons On Earth é um material que consegue combinar perfeitamente elementos do heavy metal com uma base folk enquanto dialoga de maneira a relacionar conceitos religiosos com o ato de filosofar sobre a vida e sobre as próprias atitudes perpetradas pela humanidade.


Com direito a enredos de narrativas penetrantes e conotativamente folclóricas, o álbum tem como principal e mais marcante ponto evidenciar o fato de que todos os indivíduos têm o poder da escolha de qual lado seguir: o bom e o mau. E nesse aspecto, o Funeral Sex mostra que às vezes o que é mais prazeroso vence, ou seja, o instinto. Contudo, a sociedade entra como outro balizador na identificação da preferência por evocar a moral, o que muitas vezes trava o id.


Para dar peso a essa mensagem costumeiramente escondida nos enredos líricos,  The Gods Put The Demons On Earth  vem acompanhado de mergulhos nos campos melódicos do doom metal e do hard rock, setores que auxiliam tanto na suavidade quanto na ampliação da brutalidade. Até porque, o trio mistura constantemente o mórbido com uma curiosa conformação entorpecente da realidade.


Para auxiliar no processo de maturação rítmica, Ricardo Biancarelli foi recrutado para fazer a mixagem do álbum. Surtindo então em uma finalização robusta, equalizada e forte, Biancarelli mostrou ter entendido bem o viés soturno e sórdido que o Funeral Sex quis imprimir no álbum. 


Encerrando o contexto técnico, vem a arte de capa. Assinada por Fabrício Moraes, ela traz os três integrantes do Funeral Sex estrategicamente posicionados ao centro de uma trilha envolta por árvores majestosas e semi-nuas. Trazendo uma atmosfera sinistra, a julgar pelo céu acinzentado e as feições rígidas dos integrantes, a arte defende bem o título do álbum e capta, inclusive, o teor folclórico nórdico desejado e intrinsecamente defendido no disco.


Lançado em 28 de março de 2022 via Heavy Metal Rock, The Gods Put The Demons On Earth é a evidência de uma sociedade que vive seguindo seus próprios instintos e impulsos, mas que, por isso, coleciona uma série de consequências ríspidas. Mórbido, soturno e folcloricamente sinistro, ele é um disco que mostra o caminho trilhado por uma comunidade sem fé, sem motivação e sem representatividade.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.