Enzo Mastrangelo - Ritual

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Mais um nome começa a circular no circuito da música brasileira. Nascido e criado na capital fluminense, ele alçou novos voos em sua carreira e iniciou uma empreitada solo. Nela, Enzo Mastrangelo apresenta Ritual, seu EP de estreia, vendido como algo capaz de deixar o público em transe.


Sua paisagem tem um quê de misticismo. Em meio a um escampado nu em pleno crepúsculo do amanhecer, a grama segue úmida em virtude do sereno e o céu começa a criar um degrade de cores roxeadas que comunicam a chegada do Sol. Nesse ínterim, a neblina densa, que faz escapar a noção de profundidade do ambiente, começa a fazer um movimento de evaporação que, a olho nu, parece estar sendo sugada por uma espécie de corpo celeste. Aquém da cenografia sensitiva proporcionada pela introdução, a canção possui um início sonoro gradativo. Sintético, adocicado e com traços ásperos, conforme vai alcançando mais presença, o despertar melódico consegue, curiosamente, criar uma atmosfera transcendental. Entorpecente em sua essência graças ao hipnotismo imposto pelo sintetizador de Enzo Mastrangelo, a obra começa a recobrar a lucidez assim que Thiago Brandão entra em cena com uma bateria de postura amaciada, mas igualmente embriagante. O interessante é notar que, quanto mais a canção se desenvolve, mais astral, esotérica e até mesmo psicodélica ela se torna, graças à experimentação de texturas azedas, doces, aveludadas e alucinógenas que fornece a partir de sua conjuntura rítmico-melódica. Ainda assim, a faixa-título consegue, por meio da agudez da guitarra, incitar certo grau de enigmatismo que intriga o ouvinte o deixa com ligeiros sensos de uma insegurança enganosamente reconfortante.


Se a canção anterior era agraciada por traços de esoterismo, o novo ambiente tem esse detalhe como norteador de sua estética sonora. Fresca, macia e apaziguante, a atmosfera oferecida já na introdução sugere um senso de relaxamento tão profundo que chega a ser amorfinante. Conseguindo ser delicada, enquanto promove uma ambiência esperançosa e reenergizante, a canção tem, na união entre a agudez da guitarra e a combinação do ressoar dos pratos da bateria, o máximo de exortação de simplicidade e sensorialidade. Soando tal como se o ouvinte estivesse entrando em um cenário maravilhoso em sua conotação fantástica, a obra é quase como a sonorização do significado da palavra utopia. Afinal, por entre seus aromas florais, cenários imagéticos transcendentais e texturas aveludadas, Pulsar oferece um grau de êxtase que excede os limites do som e chega a ser, de fato, sentido pelo ouvinte, que se deixa levar pela brisa confortavelmente morna e alucinógena oferecida por ele.


Ele pode ser um EP curto, até porque, é composto por apenas duas composições. E o que o torna ainda mais intrigante é que essas duas canções são instrumentais, representando mais um desafio para Enzo Mastrangelo. Afinal, é difícil criar um elo forte com o ouvinte, mesmo quando existem linhas líricas. Porém, quando o som é bem trabalhado e a equipe técnica está em sintonia com a proposta do material, esse caminho fica mais fácil, o que acabou acontecendo com Ritual.


Por meio de uma sonoridade branda, o músico fez com que o EP caminhasse livremente por entre texturas macias, doces, frescas e ácidas, além de oferecer ao ouvinte ambiências transcendentais e astrais. Com a capacidade de ter requintes de psicodelia por meio de seus súbitos alucinógenos, o material não passa a ser agressivo ou mesmo impositivo nessa proposta sensorial. Ele apenas mostra que existe essa atmosfera e dá ao ouvinte a liberdade de por ela se aventurar da forma como achar que deve.


Ainda assim, Ritual acaba, mesmo que de maneira inconsciente, deixando o ouvinte se entorpecer por meio dessas ambiências, as quais chegam a ser profundamente místicas em sua essência. É a partir delas que o EP propõe não apenas um mergulho introspectivo, mas um contagiante senso de esperança e reenergização que vence outras súbitas sugestões sensoriais de insegurança e tensão.


Para fazer com que essas constatações de fato aconteçam, o EP acabou tendo, também na imagem de Mastrangelo, o responsável pelo escopo técnico. Da produção à mixagem, o profissional se utilizou de sua sensibilidade e participação ativa no âmbito criativo de Ritual para alcançar o som ideal para fazer com que todas as propostas melódico-sensoriais fossem adequadamente difundidas. É aí que o ouvinte pode se perder por entre a new age, a música ambiente e flertes com o rock alternativo.


Fechando essa área analítica, vem a arte de capa. Assinada também por Mastrangelo, ela consiste em uma obra abstrata baseada na união de tons que, não necessariamente, conversam harmonicamente entre si. Criando, a partir daí, certo grau de desconforto proposital, é como se o desenho comunique a escuridão dando lugar à luz, à vida. Afinal, existe, nela, veios de uma cor amarelo viva que rompe a melancolia e instiga a aquisição de uma energia vivaz.


Lançado em 29 de março de 2024 via DDS Lab, Ritual é um EP em que a simplicidade alcança a sensibilidade. Em que o minimalismo se funde à grandiosidade. Um trabalho capaz de fornecer insegurança, mas, também, oferecer um caminho de redenção por entre curvas de esperança, paz e uma energia tão transcendental que chega a beirar o utópico. A pura alucinação das armadilhas do destino dando lugar ao êxtase.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.