Cristóbal Rey Band - Ainda Tem Índio Aí

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O meio do terceiro trimestre de 2023 foi o momento escolhido por Cristóbal Rey Band para se lançar oficialmente no mercado como artista solo. Dessa forma, o músico chileno radicado em Berlim anuncia Ainda Tem Índio Aí, seu primeiro EP solo e que é considerado por ele como seu trabalho de maior sucesso.


O som é crescente, mas tremulante. Um uníssono agridoce que mistura o regionalismo com o global. Entre a guitarra suave, o baixo encorpado e úmido na base, e o compasso leve da bateria, o charango barítono entrega notas de dulçor e aromas brevemente florais para a mistura de blues e folk desenhada pela melodia. No momento em que uma voz em ecos, banhada por um timbre agudo e afinado, entra em cena, a canção ganha a forma de cantiga lúdica cuja intenção é educar o ouvinte a ter respeito pela natureza. Por meio do sotaque espano-brasileiro de Cristóbal Rey, aquele regionalismo detectado inicialmente ganha um brilho estonteante. Eis que a faixa-título é um simples, forte e direto protesto sobre o pouco cuidado e o menosprezo com que, nas palavras do próprio Rey, o homem branco lida com a terra. Na presente canção, ainda, o cantor vislumbra que apenas uma grande catástrofe seria capaz de fazer com que as pessoas lidem com educação e respeito para com a natureza. Não por menos que a faixa traz um verso vocálico ritmado por uma marcha protagonizada pela bateria de David Guy que soa como um canto de adoração e até mesmo proteção de tudo aquilo que é natural.


Um ambiente místico, mas curiosamente calmo, começa a se evidenciar a partir de um horizonte brando. Enquanto isso, o vento que sopra faz as folhas das árvores e o gramado valsarem em uma delicadeza sincrônica que logo ganha fios de racionalidade oferecidos pelo bojudo groove do baixo de Tomás Peralta. Surpreendentemente, entre sua voz agora de tom mais grave, Rey apresenta sua vertente lírico melódica através de falsetes bem executados que dão sustentação para o enredo de Volta A Crescer, uma canção que dialoga metaforicamente sobre renascimento. Também abordando a possibilidade de segunda chance apoiada em esperança, a faixa tem na bateria o elemento crucial para, além de trazer o movimento rítmico, ampliar a suavidade de sua mensagem.


É chuvoso, mas não é torrencial. O céu, ao contrário, não se encontra encoberto por densas camadas de nuvem. Claro e límpido, ele, dando liberdade para a fina queda d’água, faz surgir um senso reconfortante de melancolia. E o principal elemento que faz isso acontecer é o eco agudo e delicadamente repetitivo da guitarra de Giacomo Cantarini. Apesar disso, porém, o protagonista absoluto, ao menos durante a introdução, é a valsa rebolante do baixo. Com frescor e maciez, Rey reinsere seu falsete no contexto lírico, conferindo à estética sonora uma suavidade aconchegante. Fugindo do critério de crítica social latente presente na faixa-título, Brisa Do Sol é a narrativa do reencontro de duas pessoas que, antes, formavam um par. É a segunda chance para o amor. O retrospecto do fim em busca de uma resposta para justificar o rompimento, algo nunca encontrado. Brisa Do Sol é a prova de que o amor, quando intenso e verdadeiro, pode romper as barreiras do tempo e se manter aceso com intensa vivacidade, mesmo refém de idas e vindas.


É leve e suave. De temática tão serena que chega a soar como um mantra transcendental graças à sutileza com que as notas do charango são pronunciadas, a canção, com sua introdução intimista, convida o ouvinte a uma pausa para a introspecção. E os sopros agudos da guitarra são como portais para a abertura da mente em prol desse processo. Se maturando cada vez mais como, de fato, um produto de abertura espiritual, As Above So Below, sob o idioma inglês, vai ganhando tons mais orgânicos e racionais conforme o baixo e a bateria se unem na criação de um compasso rítmico brando, mas encorpado. Dando ênfase nas pronúncias das vogais, Rey faz da canção uma obra que fala, agora verbalmente, sobre o se encontrar e o se conectar. É uma música, sobretudo, sobre autoconhecimento no sentido mais puro da palavra. 


Um folk animado a ponto de rememorar algumas trilhas sonoras feitas por Eddie Vedder ao longa-metragem Na Natureza Selvagem, a melodia criada pelo charango é, por si só, sorridente. Com o auxílio do chimbal seco dando o compasso rítmico, a canção ganha uma esfera convidativa inegavelmente contagiante. Narrada na língua mãe de Rey, Comiendo Nueces, tal como As Above So Below é sobre autoconhecimento, surge como sendo uma obra a respeito da qualidade da gratidão. É uma valorização, uma festa que venera a figura e a força feminina na função do criar, do educar e, principalmente, do cuidar.


Ele foge de qualquer estereótipo ou padrão rítmico preestabelecido. Ainda Tem Índio Aí é um EP lúdico, educativo e de texturas que exaltam o natural e a beleza mística da natureza. Nas mãos de Cristóbal Rey Band, o EP é narrado em três línguas na intensão de fazer seus ensinamentos compreendidos e disseminados para todos os povos.


No decorrer de suas cinco faixas, o extended play caminha com o ouvinte perante a exaltação da natureza. Abraçada por tons dramáticas e visões apocalípticas, logo na primeira faixa existe uma chamada de atenção para que aprendamos a lidar e a respeitar a terra, a natureza.


Com um viés positivo e esperançoso, o material segue comunicando que sempre é possível recomeçar. Fazer do novo amanhecer um começo inédito e cheio de esperança. E da esperança, vem o amor, uma qualidade emotiva adquirida pelo homem que supera as barreiras do tempo.


Mas o amor não é apenas existente entre pares. Ele está presente na forma como nos olhamos e nos conhecemos, bem como na gratidão por tudo aquilo que nos é dado: o conhecimento, o carinho e a gratidão. É assim que Ainda Tem Índio Aí se mostra um material sensível, mas, principalmente, consciente, empático, humano e respeitoso.


Para dar ênfase a essas texturas plurais, Cristóbal Rey Band deu a Peralta também a função da mixagem. Por fazer parte também na área criativa, o profissional soube como destacar as estéticas rítmicas a ponto de ilustrar um material multicultural. Entre o português, o inglês e o espanhol, o EP caminha pelo regionalismo da América do Sul, ao mesmo tempo em que funde o folk, o blues e o espiritualismo.


Lançado em 25 de agosto de 2023 de maneira independente, Ainda Tem Índio Aí tem o intuito de estimular e disseminar a consciência perante uma relação de educação e gratidão para com a natureza. A vida é uma obra a ser escrita individualmente. E o que a Cristóbal Rey Band faz é indicar o caminho para que esses enredos sejam criados com o maior senso de respeito, maturidade, amor e carinho.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.