Colina - Lar

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Nascido em Diadema (SP) e durante o período pandêmico. Superado o confronto global de saúde pública, o quinteto Colina escolheu o meio do terceiro trimestre do ano para, oficialmente, se lançar no mercado. E o responsável por isso é Lar, EP de estreia do grupo paulista gravado durante os meses de setembro de 2022 e fevereiro deste ano.


Não existe janela, acrílico, vidro ou qualquer outra estrutura que crie um senso de distância entre a paisagem natural e a proteção do lar. Ao relento, a chuva que cai como névoa cria uma textura em meio ao céu densamente cinza que esconde qualquer possibilidade de enxergar o horizonte. Como lágrimas ácidas escorrendo por uma face cansada, a guitarra de Caio Ferreira surge solitária dando representatividade a uma espécie de tristeza reprimida até que, como uma explosão de ressentimentos, a melodia explode em um uníssono agoniante. Trazendo um tom de agonia e angústia, o instrumental que segue é sujo, mas soa como se o personagem enfim tivesse encontrado o conforto para soltar todo descontentamento e deixar que os filetes de água que saiam de seus olhos se transformassem em grandes córregos de desabafo mudo, mas reenergizante. Ao lado da guitarra base de Giovanni Oliveira e da bateria explosiva de João Paulo, Nó(s) ainda não-verbal comunica uma bojuda sensibilidade melancólica. Eis então que um vocal agudo, floral e de caráter aveludado surge a partir de Carlos Alves, que oferece uma curiosa mistura entre conforto e intensidade ao evidenciar um conflito de caráter incurável no relacionamento. Desgastado e já com veia de ignorância recíproca, as partes envolvidas no contexto possuem igual parcela de culpa, a culpa por não ter percebido quando tudo ruiu. E as lamentações expressas pelo personagem lírico de Nó(s) trazem a percepção de que o reparar já não condiz com a realidade.


Desesperada, mas mantendo em sua sujeira carnal e cabisbaixa o mesmo senso melancólico de Nó(s), a nova roupagem traz mais groove e precisão às suas lágrimas. Evidenciando falsetes bem efetuados por Alves, que também reforçam a influência do estilo vocal de Lucas Silveira, Mentiroso caminha entre explosões lancinantes e versos de ar entorpecidos em uma libertação de um id que não consegue discernir o bem do mal. Afinal, o que acontece em Mentiroso é a exploração do ato do engano, do ludibriar, do usar. O egoísmo consciente surge com força e, mesmo entre os rompantes de consciência dos erros constantemente cometidos e de um embrionário senso de culpa, ele consegue fazer com que a essência malévola retome o controle do inconsciente e dê seguimento às atitudes negligentes.


Entre chiados de um desproposital lo-fi, o baixo de Paulo Sepúlveda vem com um grave ácido regidos por uma cadência acelerada que imprime noções punks na base rítmica. Entrando em sintonia com essa roupagem, até mesmo o vocal de Alves surge mais visceral com uma interpretação rasgada em seus primeiros versos. Trazendo um rock alternativo que flerta com a sonoridade do Foo Fighters, 4-4-6 traz angústia e uma necessidade inabalável de mostrar que os sentimentos são importantes e que não devem ser menosprezados. Melodramática, 4-4-6 mistura o apagão de consciência e um incômodo autojulgamento que, além de revelar a insegurança, traz a fragilidade de um indivíduo que grita por atenção.


De voz mais encorpada, Alves entra em sintonia com guitarras mais contidas, mas ainda com uma essência lacrimal. De caráter emotivo e comovente, a melodia, mesmo em seu estado inicial de formulação, já consegue captar a atenção do ouvinte a partir de metáforas sonoras como aquela feita pelo bumbo, que entre golpes duplos, leves e espaçados, imitam os batimentos do coração. Com certa linearidade, Subtrair surge como uma mensagem de superação, de perseverança. É a fé que o destino reserva capítulos harmoniosos para um indivíduo merecedor de benfeitorias. 


Não demora muito para que a canção exale intensidade e melodrama a partir de uma sonoridade suja e melancólica. Surpreendendo ao apresentar o refrão logo após singelos versos introdutórios, Laço tem um caráter motivacional e construtivista harmonicamente penetrantes que se misturam em meio ao emocore. É assim que a faixa propõe um diálogo sobre o destino, sobre a imprevisibilidade e a inconstância da vida. O peso das escolhas na construção do amanhã. Porém, Laço traz consigo algo mais profundo que condiz com a transformação assimilada à superação de um momento emocional conturbado. Mais uma lição de força interna e do amadurecimento do coração.


O coração é o órgão que tudo vê, mesmo sem enxergar. É aquele que tudo ouve sem escutar. E Lar surge como sendo a sua voz. O vociferar, os suspiros, os sussurros, os cochichos. As lágrimas. O EP então surge como sendo a representação de tudo aquilo que se configura como emoção.


Melodramático e sofredor, o trabalho de estreia do Colina é cortante e, ao mesmo tempo, de um torpor intenso. Tratando das doenças do coração motivadas por instabilidades no relacionamento, Lar aborda a culpa, o ressentimento, a decepção, a agonia a angústia, o desespero e, principalmente, a tristeza que circundam as brigas, as discussões e o término de uma história um dia promissora.


Dando embasamento a esse montante de sentimentos, Diego Rocha surge com uma mixagem afiada que auxilia o ouvinte a identificar as melodias formadas pela fusão de emocore, rock alternativo e post-grunge. Exalando melancolia, ela combina sofrimento e uma vontade desesperada por cura, e essa dualidade é o que dá um interessante contraponto no enredo proposto pelo Colina.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Sepúlveda, ela é banhada por um tom preto carvão tão denso que é difícil não interpretar algo diferente do fim. Porém, cortando uma pequena colina, está um caminho rumo ao além-cume. É assim que o Colina comunica que, mesmo quando aparentemente não há saída para um sofrimento dilacerante, a vida sempre encontra o caminho da superação.


Lançado em 04 de maio de 2023 de maneira independente, Lar é a voz de um coração emocionalmente adoecido. Ao mesmo tempo, porém, é um EP que tenta ensinar ao ouvinte a arte da perseverança, da superação e da persistência a partir da confiança de que, mesmo nos momentos em que não existe saída, a vida sempre irá oferecer o caminho do novo amanhecer.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.