NOTA DO CRÍTICO
Ele se lançou no mundo da música brasileira aos dois anos com o single Doomed Epilogue. Um ano depois, em 2023, o Insidious Nature decidiu ser a hora de dar mais um passo na carreira e anunciar seu primeiro material cheio. Intitulado A Prelude To The Endless, o trabalho consiste no álbum de estreia do quinteto e mostra que, do Maranhão, não sai somente o cacuriá.
Sons semelhantes ao de metralhadora servem como um primeiro susto a receber o ouvinte. Conferido ao bem acelerado golpear de bumbos da bateria de Lucas Mano, ele logo é acompanhado por um melódico voo consciente das guitarras de Rogers Rocha e André Urbano que insere uma ligeira imersão mista entre heavy metal e metal progressivo. Porém, quando um urro rasgado e gutural insurge das sombras, a configuração estética da canção muda. Com auxílio do vocal de Pitter Cutrim, que de maneira versátil transita entre o grave gutural e uma agudez rispidamente azeda, Beware ganha contornos de death metal em meio à sua base acelerada curiosamente melodiosa. Por vezes transparecendo um obsessor sínico e de veia perigosamente cômica, o timbre de Cutrim é que dá à canção um enredo tempestuoso e ao mesmo tempo introspectivo que apresenta um personagem em um intenso estado de depressão. A ausência da valorização e compreensão dos próprios sentimentos, bem como a falsa necessidade do enquadramento naquilo que as pessoas esperam do outro fazem do indivíduo uma peça sem vida por mentir para si mesmo sobre algo que não é. Beware é, então, uma canção que exalta a assumição da própria essência em simultâneo à desvalorização do julgamento alheio.
Não tem respiro nem uma leve introdução para que comunique ao ouvinte a perda de fôlego. A bateria vem com pressa, suada e com notáveis feições de desespero enquanto a levada desenhada por Mano transita entre o midtempo e um compasso bem acelerado de forma a, novamente, imitar o sonar de metralhadora. Posteriormente, ela é acompanhada por um uníssono macio que pende o choroso por meio das guitarras, que entre veludo e distorção, colocam o drama sob a acidez. Quando a voz entra, o gutural e o rasgado se confundem entre sobreposições vocais que propõem a mescla entre o azedume e o bruto em meio a uma base rítmica aceleradamente truncada. Enquanto a bateria segue sua intensidade viril, as guitarras seguem misturando melodia em algo de ritmo propositadamente descompensado que molda Hannya, a apresentação de um ser embebido em um remorso angustiante tão intenso que lhe tira qualquer lapso de consciência. Culpa, raiva e ira são outros instintos destrutivos que regem o personagem Hannya, um ser movido pelas próprias falhas e que se alimenta do caos. Esse indivíduo é representado através de um vocal surpreendentemente limpo e de teor adocicadamente fantasmagórico que surge na ponte por Mey Sales. Um grande e interessante contraponto de texturas presente em Hannya.
A paisagem que se monta é cinza. Abaixo da falésia seca e solitária, um mar calmo aparece com suas marolas que funcionam como transporte de entrega e descarte de lembranças, moldando um ecossistema melancólico. Sentado na beira do topo e observando o vaivém das ondas, está um personagem de olhos fixos no horizonte, mas de reflexos longínquos que enxergam somente as lembranças reintroduzidas pelo inconsciente. Esse é o cenário desenhado a partir dos dedilhares melódicos, solitários e dramáticos da guitarra. Crescendo em harmonia com rompantes distorcidos trazidos pela guitarra solo e pelo compasso acústico puxado pela bateria, a canção logo se transforma em algo acelerado e dramático regido por sobreposições vocais que misturam o agressivo em tom fantasmagórico com o azedume inquietante. Eis que, em determinados momentos um timbre aveludado e gutural sobrevoa a lama trevosa. É Selv Lopes propondo rompantes de suavidade nas profundezas sombrias e seguindo o mesmo feito de Mey em Hannya. É assim que Endless, uma canção que retrata a luta do personagem em vencer os próprios demônios que o sugam para ambientes depreciativos, se apresenta ao ouvinte. Uma canção que dialoga, acima de tudo, sobre insatisfação e insegurança.
A guitarra vem distorcida e suja como um fogo irrompendo as rochas do abismo. Eis então que, com um grito constante e rasgado, Cutrim surge como a personificação de um obsessor exalando ódio entre as paredes do submundo. Entre sonoridades graves e ácidas, Diseased discute sobre uma sociedade pré-fabricada, com comportamentos e emoções ensinados de maneira hipnótica. É assim que o Insidious Nature propõe a conversa sobre manipulação, censura, imposição e desrespeito. Uma análise que recai, de forma ácida, sob o ponto de vista que a falsidade é algo endêmico dentro da comunidade e que, nesse ambiente, os fracos de opinião são alvos fáceis ao ato de ludibriar.
Uma sonoridade metalizada que segue para um death metal mais cadenciado surge no novo ambiente. Apesar de a bateria manter o senso desesperado, a canção tem um compasso mais ameno cuja proposta estética é semelhante àquela de Diseased. Mantendo um vocal gutural que soa como um porco agonizando, Cutrim faz de Uncovered uma análise sobre a capacidade e a coragem de conviver com a verdade, mesmo que ela seja desfavorável ou desarmônica aos interesses do indivíduo. Como um caos anunciado, Uncovered é também a primeira música em que o ouvinte consegue ouvir e sentir claramente a presença do baixo de Lucas Abreu dando o corpo da melodia. Uncovered é, enfim, como um jogo de verdade ou desafio ao propor a preferência da mentira, ou da verdade.
Um suspense surge a partir da forma como a guitarra solo se movimenta. Introduzindo influências do flamenco em suas frases que beiram um metal alternativo ao estilo Alter Bridge, ela logo é acompanhada pela guitarra base e por tilintares vindos da cúpula do prato de condução, ingredientes esses que aumentam a percepção do enigmático. Para aqueles já acostumados com os rompantes brutos-melódicos do Insidious Nature, ele não demora a chegar. Com uma estrutura explosivo melódica, as novas frases instrumentais, mais que aquelas de Uncovered, trazem um espaço evidente para que o baixo mostre sua cooperação na construção das harmonias. Com um riff que mistura o grave e o azedo, ele é audível até mesmo para os ouvidos mais desavisados, que sem demora podem perdê-lo por conta da aceleração metralhante que Doomed Epilogue oferece em seguida. Durante essa transformação no enredo rítmico-melódico, a faixa traz um personagem vivendo a cina de um destino inevitável. Um destino que, independente dos caminhos a escolher, leva a um único lugar: o do infortúnio. Dramática, portanto, em seu conteúdo lírico, a música comunica a simples mensagem de que independente do que seja feito, o amanhã será regido por desgraça.
Ele surpreende por fugir bruscamente do viés rítmico-melódico regional de sua banda. Oferecendo uma base obscura, intensa e quase mórbida para um ambiente que respira experimentações mais alegres e melodiosos, A Prelude To The Endless, com sua agressividade inquietante, é uma análise social e também individual sobre o comportamento humano.
Ainda que ele soe desconexo do Maranhão, terra do Insidious Nature, o álbum se familiariza com o contexto cultural do estado de forma bastante curiosa. O território é conhecido por residir e espalhar o festejo do bumba-meu-boi, uma manifestação cultural de origem preta e indígena que remonta os tempos da escravidão e que se sustenta até hoje na forma de lendas. E é justamente o teor fabulesco de A Prelude To The Endless que o torna condizente com seu local de nascimento.
É verdade que o viés de fábula pode ser algo bem tímido, mas ele está presente nos ingredientes líricos como uma forma de contar histórias para conscientizar sobre boas atitudes e a ter perseverança no destino, ou ainda, a não menosprezar os próprios sofrimentos. Essa é a proposta que, de fato, chama a atenção no álbum.
Ainda assim, o gênero musical pode afastar a massa popular. O death metal, base de sua melodia, é azedo, ácido e, para muitos, soa como um barulho incômodo. Porém, nas mãos da mixagem de Ruan Cruz, A Prelude To The Endless apresenta fatores que tentam suavizar essa densidade de azedume. E isso se deve à mistura de metal progressivo, heavy metal, metal alternativo e flamenco, gêneros que entregam frases melódicas que assumem a forma de oásis em meio ao caos. O único ponto que a tarefa de Cruz deixa a desejar é que na maior parte do álbum o baixo é um instrumento quase imperceptível, sempre estando nas esquinas de cada frase sonora.
Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Eron Araújo, ela apresenta um ser solitário observando um grande centro urbano. Banhado por uma noite espectral, o ambiente é iluminado por uma admirável Lua cheia que entrega um caráter mítico ao ecossistema. Uma boa alusão que dá margem ao contexto social avaliado no trabalho.
Lançado em 05 de junho de 2023 de maneira independente, A Prelude To The Endless é trevosamente dramático e asquerosamente azedo. Brutal, ele metralha, incomoda e apavora com seus teores fantasmagóricos, saídas encontradas para discutir o senso de comunidade e como lidamos com nossas emoções.