NOTA DO CRÍTICO
No meio do primeiro trimestre, um novo nome surge no circuito musical brasileiro. Vindo do nordeste, Cleyton Cézanne se lança nesse cenário Com Café, Cigarro E Poesia, seu EP de estreia que chega após o anúncio de três singles. O produto prepara o ouvinte para Monalisa Brasileira, seu primeiro álbum de estúdio.
É fresco. É macio. É contagiante. É sereno. Com uma suavidade estonteante, o nordeste aparece em peso como um personagem onipresente que reconforta toda e qualquer angústia. Na forma de um aveludado xote protagonizado pelo tilintar do triângulo de Eridan Lelis, a faixa-título tem ainda no assovio de Cleyton Cézanne o elemento que torna a melodia marcante. Ao lado do dulçor da sanfona, Cézanne apresenta seu timbre agridoce e singelo enquanto, entre harmonias de coros vocais, apresenta um enredo que soa não somente romântico, mas também uma declaração de amor. A faixa-título é uma experiência extrassensorial que faz com que o ouvinte sinta o frescor do mar, a textura da areia da praia e o perfume do amor em um entardecer de verão. É o exercício do destino fazendo com que duas pessoas se encontrem e enfim descubram a paixão sincera.
Um aroma doce, swingado e deliciosamente regionalista. É verdade que o que salta aos ouvidos é o tilintar do triângulo proporcionando a contagem do tempo da melodia, mas a maciez do xote vem firme também a partir do dulçor agudo da sanfona e do compasso rítmico do bumbo. Nessa mesma sintonia, Cézanne entra em cena com uma interpretação lírica delicada e quase introspectiva. Alegre, contagiante e dançante, Você Mel é uma faixa cheia de coloquialismos e informalidades que exalta a cultura festiva nacional. É o romance vivido sob um céu noturno estrelado, festeiro, sorridente e completamente ausente de qualquer tipo de preocupação. É o torpor da alegria.
Um swing macio, reconfortante, sereno e acolhedor como o amornar do Sol em um entardecer de outono. Tendo um aroma praiano que flerta com o hula, a melodia da canção possui uma base sonora que se assemelha àquela de Qualquer Questão, single de Maurício Manieri. Fora as semelhanças, a parceria entre Cézanne e Lelis surtiu em um efeito positivo. Com menos necessidade de provação e mostrando mais sensibilidade e leveza, Cézanne traz, em Te Amo Meu Bebê, um romantismo adocicado com inserções de pagode e samba que dão doçura a um produto que soa como uma declaração de amor apaixonada por outro alguém.
Um amanhecer cinzento, gélido e abraçado por um véu de garoa que espalha, por todos os cantos, uma melancolia incômoda. É engraçado como a entrada do soprar floral e adocicado do clarinete de Lelis consegue, de maneira quase impositiva, desvirtuar o ouvinte daquela embriagada sensação de tristeza trazido pelo mareante sonar do sintetizador. Nesse momento, um samba com silhuetas de MPB de nítidas influências de Djavan, com especial menção para a estrutura rítmica de Flor De Lis, single do alagoano, floresce no jardim da presente composição. Com o auxílio de uma voz agridoce e de fundo grave de Cézanne, a canção parece tomar a forma de uma onda, que hora volta com a melancolia introdutória e hora vem com uma alegria entorpecida. Trazendo também referências sonoras de uma MPB ao estilo Roberto Carlos, Samba De Seu Zé é um produto que, apesar de embebido em uma base melódica triste, traz uma mensagem lírica forte repleta de perseverança, senso de autoconfiança e, principalmente, esperança. É uma canção que traz um personagem que consegue romper a barreira da depressão e até mesmo da insegurança ao expor toda sua força emocional. E em um país em que a intolerância regeu de forma descarada as relações sociais nos últimos anos, o papel que Cézanne assume de representar a comunidade LGBT e quebrar o acrílico do medo, da represália moral e social de uma comunidade conservadora, surge mais do que necessário. Samba De Seu Zé é a descrição de uma comunidade forte e que, apesar de marginalizada pela intolerância social de um povo com medo das próprias diferenças, vem firme, imponente e, principalmente, sem medo de assumir sua própria identidade.
Delicado, perfumado, macio e swingado. Café, Cigarro E Poesia não é apenas um produto que contagia e atrai o ouvinte pela temática romantizada. Como EP de estreia de Cleyton Cézanne, é um material que encanta pela foma doce e simplista com que traz regionalismo em forma de nordeste.
Interessante perceber que o EP, assim como Gali Galó, foge do escopo apelativo e por vezes escrachado e agressivo, com que materiais LGBTs chegam ao mercado. Cheio de romance, o presente Extended Play é vendido pela forma singela em que entrega enredos autobiográficos que narram os desafios, os medos, as angústias, mas também o conforto e o amor que a vida pode trazer.
Para trazer esse enredo, Cézanne se aliou a Lelis no intuito de encontrar o melhor corpo sonoro para Café, Cigarro E Poesia. MPB, xote, pagode, samba e até mesmo hula são os gêneros encontrados no decorrer de suas quatro faixas de forma cristalinamente audível e equalizada.
Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Guiga Albuquerque, ela apresenta um quadro cru. Com fundo preto, a figura central, que é pousada sobre uma concha de pérola, tem total atenção do ouvinte. Uma figura formada em três camadas oferece a natureza representada pelo imponente cocar indígena, a suavidade do feminino, o classicismo e a delicadeza da pérola. A suave imponência da delicadeza. Esse é o pilar que transpira do EP.
Lançado em 28 de fevereiro de 2023 de forma independente, Café Cigarro E Poesia é um produto contagiante, macio, dançante e adocicadamente simples. Um trabalho que exala regionalismo e que transpira a ingenuidade de um indivíduo que, com grandiosa simplicidade, começa a engatinhar por espaços no universo musical brasileiro.