Cleyton Cézanne - Café, Cigarro E Poesia

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 4.8 (20 Votos)

No meio do primeiro trimestre, um novo nome surge no circuito musical brasileiro. Vindo do nordeste, Cleyton Cézanne se lança nesse cenário Com Café, Cigarro E Poesia, seu EP de estreia que chega após o anúncio de três singles. O produto prepara o ouvinte para Monalisa Brasileira, seu primeiro álbum de estúdio.


É fresco. É macio. É contagiante. É sereno. Com uma suavidade estonteante, o nordeste aparece em peso como um personagem onipresente que reconforta toda e qualquer angústia. Na forma de um aveludado xote protagonizado pelo tilintar do triângulo de Eridan Lelis, a faixa-título tem ainda no assovio de Cleyton Cézanne o elemento que torna a melodia marcante. Ao lado do dulçor da sanfona, Cézanne apresenta seu timbre agridoce e singelo enquanto, entre harmonias de coros vocais, apresenta um enredo que soa não somente romântico, mas também uma declaração de amor. A faixa-título é uma experiência extrassensorial que faz com que o ouvinte sinta o frescor do mar, a textura da areia da praia e o perfume do amor em um entardecer de verão. É o exercício do destino fazendo com que duas pessoas se encontrem e enfim descubram a paixão sincera.


Um aroma doce, swingado e deliciosamente regionalista. É verdade que o que salta aos ouvidos é o tilintar do triângulo proporcionando a contagem do tempo da melodia, mas a maciez do xote vem firme também a partir do dulçor agudo da sanfona e do compasso rítmico do bumbo. Nessa mesma sintonia, Cézanne entra em cena com uma interpretação lírica delicada e quase introspectiva. Alegre, contagiante e dançante, Você Mel é uma faixa cheia de coloquialismos e informalidades que exalta a cultura festiva nacional. É o romance vivido sob um céu noturno estrelado, festeiro, sorridente e completamente ausente de qualquer tipo de preocupação. É o torpor da alegria.


Um swing macio, reconfortante, sereno e acolhedor como o amornar do Sol em um entardecer de outono. Tendo um aroma praiano que flerta com o hula, a melodia da canção possui uma base sonora que se assemelha àquela de Qualquer Questão, single de Maurício Manieri. Fora as semelhanças, a parceria entre Cézanne e Lelis surtiu em um efeito positivo. Com menos necessidade de provação e mostrando mais sensibilidade e leveza, Cézanne traz, em Te Amo Meu Bebê, um romantismo adocicado com inserções de pagode e samba que dão doçura a um produto que soa como uma declaração de amor apaixonada por outro alguém.


Um amanhecer cinzento, gélido e abraçado por um véu de garoa que espalha, por todos os cantos, uma melancolia incômoda. É engraçado como a entrada do soprar floral e adocicado do clarinete de Lelis consegue, de maneira quase impositiva, desvirtuar o ouvinte daquela embriagada sensação de tristeza trazido pelo mareante sonar do sintetizador. Nesse momento, um samba com silhuetas de MPB de nítidas influências de Djavan, com especial menção para a estrutura rítmica de Flor De Lis, single do alagoano, floresce no jardim da presente composição. Com o auxílio de uma voz agridoce e de fundo grave de Cézanne, a canção parece tomar a forma de uma onda, que hora volta com a melancolia introdutória e hora vem com uma alegria entorpecida. Trazendo também referências sonoras de uma MPB ao estilo Roberto Carlos, Samba De Seu Zé é um produto que, apesar de embebido em uma base melódica triste, traz uma mensagem lírica forte repleta de perseverança, senso de autoconfiança e, principalmente, esperança. É uma canção que traz um personagem que consegue romper a barreira da depressão e até mesmo da insegurança ao expor toda sua força emocional. E em um país em que a intolerância regeu de forma descarada as relações sociais nos últimos anos, o papel que Cézanne assume de representar a comunidade LGBT e quebrar o acrílico do medo, da represália moral e social de uma comunidade conservadora, surge mais do que necessário. Samba De Seu Zé é a descrição de uma comunidade forte e que, apesar de marginalizada pela intolerância social de um povo com medo das próprias diferenças, vem firme, imponente e, principalmente, sem medo de assumir sua própria identidade.


Delicado, perfumado, macio e swingado. Café, Cigarro E Poesia não é apenas um produto que contagia e atrai o ouvinte pela temática romantizada. Como EP de estreia de Cleyton Cézanne, é um material que encanta pela foma doce e simplista com que traz regionalismo em forma de nordeste. 


Interessante perceber que o EP, assim como Gali Galó, foge do escopo apelativo e por vezes escrachado e agressivo, com que materiais LGBTs chegam ao mercado. Cheio de romance, o presente Extended Play é vendido pela forma singela em que entrega enredos autobiográficos que narram os desafios, os medos, as angústias, mas também o conforto e o amor que a vida pode trazer.


Para trazer esse enredo, Cézanne se aliou a Lelis no intuito de encontrar o melhor corpo sonoro para Café, Cigarro E Poesia. MPB, xote, pagode, samba e até mesmo hula são os gêneros encontrados no decorrer de suas quatro faixas de forma cristalinamente audível e equalizada.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Guiga Albuquerque, ela apresenta um quadro cru. Com fundo preto, a figura central, que é pousada sobre uma concha de pérola, tem total atenção do ouvinte. Uma figura formada em três camadas oferece a natureza representada pelo imponente cocar indígena, a suavidade do feminino, o classicismo e a delicadeza da pérola. A suave imponência da delicadeza. Esse é o pilar que transpira do EP.


Lançado em 28 de fevereiro de 2023 de forma independente, Café Cigarro E Poesia é um produto contagiante, macio, dançante e adocicadamente simples. Um trabalho que exala regionalismo e que transpira a ingenuidade de um indivíduo que, com grandiosa simplicidade, começa a engatinhar por espaços no universo musical brasileiro.










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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.