Arlindinho - Meu Lugar EP01

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Pouco menos de um mês depois do lançamento do DVD Meu Lugar, o cantor carioca Arlindinho anuncia um novo capítulo em sua trajetória musical. Intitulado Meu Lugar EP01, o trabalho é o primeiro EP da carreira do batizado Arlindo Domingos da Cruz Neto, a qual conta ainda com um disco de estúdio e outro ao vivo.


Uma doçura de extrema maciez e suavidade abraça o ouvinte ao sonar dos primeiros sopros vindos da flauta de Heber Poggy. O compasso por traz do instrumento já apresenta um misto de samba e pagode sem rodeios. No momento em que Arlindinho entra em cena com sua voz de timbre agridoce, o violão de Danilo Rodrigues fornece a base pura do samba carioca. Com pinceladas de um veludo adocicadamente crepuscular vindas do teclado de Nélio Junior, a canção começa a assumir tons nostálgico-melancólicos conforme o vocalista exibe um lirismo em que o eu-lírico quer entender os motivos elencados por seu par que justificam a vontade da separação. Onde A Gente Se Perdeu é uma canção que, a partir da sonoridade do surdo de Flavinho Miúdo, dos tamborins de Azeitona e Mestre Junior, e das baterias de Edgar Lima, Paulo Bonfim e Henrique Arcanjo, possui um refrão contagiante, fluido e macio que se mostra nas métricas do pagode. 


Saindo da maciez entristecida vinda da melodia da faixa anterior, SPC / Tá Na Hora De Ir / Quanto Tempo Se Perdeu se anuncia rápida, swingada e cadenciada. Curiosa e surpreendentemente, a camada lírica não é puxada pelo Arlindinho e sim por uma voz grave e de língua presa. É Julio César agradecendo o convite de participar do medley. Para a primeira parte, um enredo tragicômico em que o eu-lírico se endividou e ficou com nome sujo no SPC. São as notas swingadas, doces e aceleradas do cavaco de Juninho Rezende que puxam para Tá Na Hora de Ir, a segunda parte do medley. Alegre, com evidente sincronia e ar de improviso, a canção mostra um olhar perante a rotina do trabalhador, que precisa se despedir dos eventos de lazer para descansar e voltar ao trabalho. Não fosse pelo silêncio brusco proporcionado pela bateria, seria difícil de reconhecer a entrada de Quanto Tempo Se Perdeu, pois sua cadência e melodia são semelhantes às de Tá Na Hora De Ir. Por outro lado, o lirismo foge bem daquela alegria entrosada entre lirismo e melodia, pois aqui existe a descrição do sentir depressão em virtude da ausência do par romântico ocasionada por brigas passadas.


É William Pereira que, por meio do baixo de nota encorpada e repentina, puxa a introdução de Princípio, Meio E Fim / O Bem, outro medley. Doce, macia e contagiante, a primeira parte da faixa é um samba que, logo nos primeiros versos líricos, distorce a ideia da supremacia de raças ao mesmo tempo em que destrói o preconceito. Com importante participação do coro de backing vocals formado por Marquinho Nunes, Eddy, Débora Cruz e Lima, Princípio, Meio E Fim se apoia na fé para fugir de empecilhos da vida e ter boa saúde. É por meio de um improviso lírico juntando versos de uma com o nome de outra que Arlindinho puxa a introdução de O Bem, última parte do medley. Como outra música com lirismo baseado na fé, a faixa possui melodia aveludada e um lirismo que mostra os benefícios do fazer o bem ante o mal. 


Os elementos percussivos trazem o gingado tropical. Os trovões vindos da união da bateria seca e da flauta dão efeito de passagem para o primeiro verso, momento em que a faixa evidencia seu samba pagodeado que, apesar da contagiante melodia, traz um tema lírico delicado à mesa. Assim como Princípio, Meio E Fim, Vidas Negras Importam é uma canção que discute abertamente o preconceito, mas aqui, existe uma avaliação à sua origem ao mesmo tempo em que trata da evidência de pessoas que negam de sua existência. É como o próprio Arlindinho entoa: “nego pode ser professor, doutor, jogador, pode ter um amor, ser o que quiser, cientista, artista, jornalista, um líder de fé. Negro pode ter o que quiser. Negro deve ser o que quiser”. 


O calor do Sol, o frescor das ondas do mar, a areia morna sob os pés. A alegria, o swing, o tropical. Meu Lugar EP01 é um EP que traz a perfeita união do samba e do pagode através de músicas que tratam de relacionamentos, questões tragicômicas envolvendo questões inerentes ao cenário econômico-social construído pela democracia e fé.


Existem, porém, dois grandes feitos de Arlindinho na composição do EP. O primeiro é proporcionar melodias contagiantes, propriamente melódicas e macias capazes de atrair o ouvinte. O segundo é a sua capacidade em inserir, nesse ritmo, questões fortes, importantes e de grandes discussões intermináveis que são inerentes ao preconceito racial. E nisso, o hino de igualdade Vidas Negras Importam fala por si, sem nem precisar do apoio de Princípio, Meio E Fim.


No mais, Meu Lugar EP01 é um EP que traz dois medleys seguidos bem estruturados. A dinâmica presente neles faz com que sejam produtos fluidos capazes de não incomodar o ouvinte na passagem de uma música à outra. Nesse processo conta também o conhecimento e competência dos músicos com relação ao tempo e à métrica de cada composição. Muito disso se deve também ao exercício da mixagem que, feito por Gabriel Vasconcelos, fez com que a sonoridade soasse limpa, nítida e aveludada tal qual a proposta do EP.


Lançado em 10 de dezembro de 2021 via BMG, Meu Lugar EP01 é um trabalho macio, harmônico e com um swing típico do Rio de Janeiro. É um trabalho que, entre alegrias, discute, com seriedade e delicadeza, questões imersas na cultura social do Brasil. É um EP que, ao unir samba e pagode, deixa a mensagem de que somos todos iguais.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.