Ajuliacosta - Aju

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 4.67 (3 Votos)

Ela vem de São Paulo. Com apenas dois pares de singles lançados, a cantora já fez presença no 2K22, festival de trap e rap ocorrido na Arena Anhembi, em São Paulo (SP), no mês de junho. Essa é Ajuliacosta que, aos 24 anos, integra a nova cena do rap nacional com o anúncio de Aju, seu EP de estreia.


É como o crepúsculo nascente do próximo dia. Como a luz do Sol começando a banhar o escampado verde lhe entregando vida. De sonar linear em sua ondulância, a melodia vai crescendo de maneira gradativa até que, ao som da água escorrendo, dos pássaros cantando e da agudez da flauta entregando suavidade, um silêncio súbito se instaura. Como os pratos de bateria sendo ricocheteados, um som esvoaçante serve de entrada para um vocal de timbre grave. É Ajuliacosta entregando um misto de sensualidade, provocação e deboche em meio a uma melodia rappeada e surpreendentemente sem uso de subgraves. Entre cacofonias e rimas, A faixa-título é uma canção que serve como um enaltecimento à figura da rapper, mas que evidencia comportamentos predatórios vindos de terceiros que vão desde, medo e admiração até a inveja. Tal como uma autoanálise, A faixa-título traz em si o objetivo de responder questões sobre merecimento, identidade e pertencimento. É a dualidade entre a vontade de se mostrar, de ter uma personalidade que diferencie Ajuliacosta da maioria dos indivíduos e do desejo de simplesmente levar uma vida tranquila e comum. A faixa-título é, portanto, uma conversa da rapper com seu próprio inconsciente. 


O som do violão vem suave, amornado, reconfortante. Ao fundo, uma voz ecoante e onipresente recepciona e apresenta MAT, o responsável pelo beat na presente faixa. Com base rítmica reggaeton, a cadência lírica vem mais compassada enquanto insere um enredo que paira sobre ciúmes, menosprezo, autovalorização e autoestima em meio a um lirismo repleto de coloquialidades. Não Foi Do Nada é a história de um relacionamento que terminou por traição, mas que evidenciou a diferença de mentalidade e maturidade entre as partes que um dia se amaram. Uma canção que o recado final é a autovalorização e o autorrespeito. 


Trazendo um sonar levemente aveludado e com influência das melodias anteriormente apresentadas pela Anitta, a canção tem um ritmo sutilmente acelerado. Tal como Não Foi Do Nada, aqui o coloquialismo se une à informalidade, ingredientes que surtem em rimas sonoras criadas que dão base a um enredo de paquera, de provocação. Homens Como Você traz um cenário atual que, imerso no conceito da hiperconectividade, traz à tona a modalidade do stalkeamento como atalho para conhecer alguém pelas redes sociais. Contudo, esse é apenas aquilo de mais saliente que a música tem a dizer. Em verdade, Homens Como Você, em meio a uma roupagem sutilmente ostensiva, traz a descrição de uma mulher autoconfiante, madura, consciente de seus atos e prematuramente adultecida. Uma mulher cuja imponência consegue transformar e desmontar até aqueles que se dizem inabaláveis.


Com um sample lento da introdução de Fala Mal De Mim, single de Ludmilla, a canção tem seu despertar. Tensa, densa e levemente sombria, sua primeira paisagem é nebulosa de forma a fazer da canção a mais crua e bruta de Aju. Com um ritmo rappeado agressivo e abraçada pela presença de subgraves trazendo pressão, a melodia da canção é pincelada por notas agudas e gélidas de piano que criam um singelo parentesco com as teclas executadas por Alanis Morissette em seu single Uninvited. Marido De Bandida é uma canção que mistura disputa, empoderamento, pertencimento e noções relacionadas à posse sob um ponto de vista feminista. Enquanto Homens Como Você veio com a ostentação, Marido De Bandida veio com uma espécie de proibidão sensual.


Som de dial sendo sintonizado no rádio. Troca de frequência, ruído branco. Silêncio. É então que um swing de flerte com o R&B começa a eclodir da melodia enquanto a sonoridade vai assumindo aspectos de uma densidade azeda e compassiva. Tendo no beat o instrumento que desenha o movimento rítmico, O Suficiente traz gírias, rimas e, assim como em Marido De Bandida, uma forte noção de empoderamento e autoestima. Uma canção que, além de tratar da inveja alheia, traz a cantora dialogando sobre seu ganha-pão em tom enigmático e ambíguo. O interessante é que, em meio ao lirismo de enaltecimento da figura e da postura imponente e confiante de Ajuliacosta, uma voz grave e de canto falado entra em cena a partir da segunda metade de O Suficiente. É N.I.N.A trazendo um senso de parceria e brotheragem e um reforço no conceito de imponência e autoconfiança que circunda, inclusive, com uma noção exacerbada de independência.


Dramática, a canção vem na forma de trap a partir da imitação do som de cordas clássicas e sombrias que pairam entre bumbos duplos e tempos rápidos de chimbal. Densa, 7 Ruas é uma canção que apresenta Ajuliacosta como a dona do pedaço. Quem comanda as leis das ruas da redondeza. Quem é seguida, admirada, temida. Cultuada. 


Um EP que mistura ostentação e proibidão. Que combina rap, trap, R&B e reggaeto. Que fala a língua das ruas. Aju é um trabalho que beira a autoanálise ao trazer um conteúdo que enaltece a imagem de Ajuliacosta tal como a tentativa de criação de uma adoração quase mitológica.


Cheio de coloquialismos, informalidades, rimas, subgraves, chimbais rápidos e samples, o EP comunica uma rapper imponente, confiante, destemida, forte e independente. Alguém que sabe as leis e a linguagem das ruas. Alguém que esnoba antes de ser esnobada. Alguém que se defende antes que outros a atinjam. Uma pessoa consciente e prematuramente madura.


Com produção feita por um vasto time de produtores cujos nomes vão desde Mat, DJ Victor, IAMLOPE$$ até Ykymani, Aju é um EP de ritmo plural que apresenta boa equalização sonora em cada uma de suas seis faixas. Isso também graças aos engenheiros de mixagem DJ LN, Deck 9 e DJ Victor. Essa equipe técnica foi o grande talismã para o sucesso do Extended Play.


Lançado em 07 de julho de 2022 de maneira independente, Aju é um EP imponente. Um trabalho que dialoga com a linguagem das ruas de maneira a fazer sua mensagem ser ouvida e entendida. Um produto que exala um aroma feminista e empoderado que estimula as mulheres a lutarem pelo seu espaço e pelo seu senso de independência.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.