Ablan Namur - Verdades Malditas

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Ele nasceu por volta de 2013. O mergulho em carreira solo do produtor paulistano Ablan Namur, porém, foi encontrar a oportunidade de divulgar um trabalho cheio somente anos mais tarde. Intitulado Verdades Malditas, o material não é somente o primeiro EP, mas também o material de estreia do projeto individual de Namur.


É como a primeira fase das trevas. Ainda é possível ver a luz do Sol iluminando o céu de um azul quase translúcido, mas a profundidade é tamanha que a pureza do ar já não é mais captada pelos pulmões. O oxigênio passa a ficar rarefeito. Olhos avermelhados pincelam as rochas, enquanto seus corpos, ainda humanos, mas já em fase de ovoidização, tentam se esquivar dos olhares do indivíduo recém-chegado. Na forma de um nu metal flertando com avant-garde metal em uma mesma receita seguida pelo System Of A Down, a melodia vem em punchs sujos e ásperos. Sua aspereza é sensitiva desde o timbre rasgado de Ablan Namur até o riff da guitarra. Entre súplicas, desesperos e agonia, Fantasmas consegue trazer, em sua receita melódica já efervescente, uma mistura interessante entre o metal alternativo e o hardcore se instaura perante um enredo aflitivo que traz um personagem tentando romper as barreiras de sua própria introspecção maléfica. Mais que isso. Fantasmas traz a rotina de um morto-vivo consumido pela descrença, alguém em um avançado estado de loucura cuja alucinação se tornou tão tátil que um perigo antes imagético agora é real.


Mantendo a base suja e áspera, a nova atmosfera amadurece o chiado como um elemento importante na construção da textura estética, fazendo, assim, com que o lo-fi entre na soma de ingredientes sonoros. De veia propositadamente atordoante envolvida por uma interpretação lírica caótica e insana, Cacoetes E Fantasias é a exorcização da saudade. Um luto por um ontem refletido no espelho. A simplicidade, a pureza, a delicadeza e a ingenuidade como adereços de uma venda que só enxerga e faz o bem. “Nada mais é como antes”, grita agoniado o personagem lírico em sua clara tristeza visceral perante os ponteiros de um relógio que, sádica e incansavelmente, não para de tiquetatear.


Melodramático é um adjetivo que, apesar de comportar duas outras características, tira o peso e a individualidade das mesmas. Portanto, o ambiente que se constrói é de uma melancolia dramática e demasiadamente chorosa em seu curioso emocore. Melódica em suas explosões lancinantemente dolorosas, Tô De Mal é uma canção que traz a antítese da persistência e da superação com o comodismo e o exagerado senso de satisfação, uma receita que consome a essência do indivíduo e o mantém em um falso estado de torpor.


Prosseguindo com a mesma veia emocore, mas sem a dramaticidade latente de Tô De Mal, uma melodia de base melancólica é extravasada. Com a mistura do rock alternativo em um ambiente sombrio que comunica uma sonoridade semelhante àquela feita pelo Charlie Brown Jr., Lobisomem é inquietante, visceral e pungente em sua busca pelo autoconhecimento. Entre montanhas rochosas, valas de uma profundidade abissal e o solavanco para a superfície, o personagem se vê entre a consciência e a manipulação da dor de um coração ausente de pertencimento. Ainda assim, a dor e as lágrimas, em Lobisomem, foram vencidas pela superação e a persistência pela vida e pela gratidão da própria identidade na busca pela plenitude da felicidade.


É curioso como, mesmo com a guitarra em distorção suja e o compasso do chimbal, a sonoridade consegue disseminar a sensação de nostalgia ao ouvinte. Crescendo em pressão já na terceira frase, a canção ganha estridência a partir do baixo no corpo sonoro e uma sobreposição melódica vinda da guitarra solo. Com a mistura de emocore e hardcore, Duas Leoas tem uma estética que muito lembra os tempos áureos dos anos 2000, em que nomes como Autopilot Off, Yellowcard, Rise Against e Sugarcult figuravam entre as notoriedades. Na forma de uma curiosa trilha sonora teen, a canção é o relato da relação de Ablan Namur com o álcool. É onde o cantor admite que é esse sacrilégio que o faz ter mais vivacidade, interesse e, principalmente, segurança. Duas Leoas é o perfeito recorte entre a dupla personalidade de um indivíduo quando são e quando entorpecido. O suspiro agudo e áspero pela busca pela autoconfiança.


Com poucas palavras espalhadas em poucas faixas, Ablan Namur se dilacera. Ele espreme cada canto de seu interior numa clara tentativa de se sentir leve e no caminho de uma espécie de autorredenção. Não por menos, Verdades Malditas, é a sonorização de um interior inquietante que precisa gritar para exorcizar seus alicerces de fragilidade e periculosidade.


Como em um espelho, Namur faz do EP seu devaneio perante seus vícios, seu vazio existencial, sua falta de autoconfiança e suas relações com o tempo e com o senso de persistência. Mesmo sendo dramático, lancinante, pungente, choroso e sofrido como forma de expressar suas fraquezas e forças, Verdades Malditas consegue ter uma melodia marcante.


Suja, áspera, intensa, mas melodramática, a sonoridade foi dirigida por Roberto Kremer. Com ele, o EP conseguiu caminhar pelos terrenos do emocore, hardcore, avant-garde metal, lo-fi e rock alternativo com bastante versatilidade e consistência. Tudo transpirado em um produto final felizmente bem equalizado.


Fechando o corpo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Patrick Ribeiro, ela traz uma sensação mórbida em seus traços de grande influência de Salvador Dalí. Afinal, a figura central parece uma alma em estado avançado de ovoidização. Toda disforme, ela se encontra na companhia de um cigarro, único artifício entorpecente terreno, comprovando, assim, a máxima instabilidade de um indivíduo aflito e agoniado em sua busca por pertencer e se conhecer.


Lançado em 30 de agosto de 2023 de maneira independente, Verdades Malditas é o espelho mais cristalino de um indivíduo dilacerado em suas fissuras emocionais. Escavando cada ponto de sofrimento, o EP mostra que Ablan Namur, mesmo em meio à dor, à nostalgia e ao vazio, consegue ter lapsos de sanidade para adquirir força e persistir pela vida.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.