NOTA DO CRÍTICO
Gravado em apenas duas sessões no fim de 2020, aquele que viria a ser o segundo disco de estúdio de Zola Star foi ver a luz do dia apenas três anos mais tarde. Intitulado Loyembo, que na língua lingala significa cântico, marca mais um passo na carreira solo do congolês após sua estreia com o álbum 60 Graus.
Tão suave quanto a brisa do amanhecer. Tão tranquilizante quanto a textura do gramado tocando a superfície dos pés descalços. A forma com que o violão promove sua valsa é de uma maciez tão reconfortante quanto um sorriso recíproco durante um simples café da manhã em família. É quase como a sonorização do olhar carinhoso e compassivo de uma mãe para com seu filho. É também a possibilidade de o ouvinte vivenciar uma cena imagética em que um pai, colocando seus braços sobre os ombros de seu filho, se posiciona na sacada de sua casa e conta histórias de sua vida de forma lúdica para ilustrar o que o mundo pode proporcionar. Não à toa que, por meio da voz suave e levemente rouca de Zola Star, Muana apresenta um material quase mântrico que traz uma mensagem sobre aprendizado e confiança nos dizeres e nos conselhos que os pais passam aos filhos. É a pureza e a ingenuidade da criança ganhando, pouco a pouco, maturidade para aprender a como viver no mundo.
Com notas levemente mais aceleradas, o violão acompanha Star em uma canção que é como o vislumbre de uma estrada longa no meio de uma paisagem natural. Aqui não é apenas o senso de liberdade que a união instrumento-vocal oferece ao ouvinte, mas sim uma noção de confiança e predestinação. Curiosamente, o lirismo de Vou Seguir traz um enredo sofrido e choroso. O término de um relacionamento seguido pelas dúvidas incessantes do motivo disso acontecer. A dor do amor ferido e da decepção. Vou Seguir é simplesmente a canção de um amor sem destino ou continuidade. É unilateralidade do sentimento e a inquietante busca do porquê.
De cadência semelhante à da canção anterior, o presente enredo da faixa-título funciona como uma continuação linear da história narrada em Vou Seguir. Aqui, Star presenteia o ouvinte com um cântico de melodia que sonoriza, novamente, o sofrimento de um amor não correspondido.
É muito interessante como as melodias criadas por Zola transpassam uma ideia de sorriso e festividade ao passo que seu enredo lírico passe outro tipo de mensagem. Isso segue acontecendo em Nostalgie, uma canção que soa alegre, mas que traz uma inquietação sobre a vida e o que ela traz de infelicidade para aqueles que lutam por condições melhores. É aqui que, inclusive, o cantor comprova sua boa alma com o verso “algumas pessoas do mundo têm o coração ruim” e dá conselhos de escolher bem as companhias para ter uma vida alegre.
Surpreendentemente, o novo ambiente amanhece com algo inédito. Um swing precedido por uma ambiência fresca e praiana que acompanha Star em um canto majoritariamente em português que, em Minha Inspiração, retoma a temática do amor. Aqui, no entanto, o amor é trazido como a fonte de inspiração e força para seguir a vida.
Conseguindo misturar maciez e ânimo, Makino é uma canção que mostra a força de espírito e a persistência de um povo que, mesmo imerso em sofrimento, consegue sorrir e ser grato pelo que possui e pela vida que leva. Como uma ode à África, Makino é simplesmente um cântico de pertencimento, nacionalização e, claro, gratitude.
Macia e contagiante em sua suavidade, Nzambe Apona segue a trilha do amor. A figura de Talu Sedi é aquela que oferece força, persistência e resistência. Uma imagem onipresente que soa até mesmo religiosa, uma crença para onde se apoiar e de onde retirar alegria e felicidade.
Curioso perceber que, enfim, o violão consegue oferecer uma sintonia emocional com os vocais. Mais denso e até mesmo melancólico, ele acompanha Star em Yonde, cujo enredo choroso que, assim como Vou Seguir e a faixa-título, dialoga sobre a dor do término e o fim lancinante do relacionamento.
Animada, mas de um jeito reconfortante e de olhar até mesmo cuidadoso, Não Chora é um ensinamento e um estímulo para se ter fé. Mais do que isso, com doçura, a canção mostra que está nas mãos do próprio indivíduo a possibilidade de resolver os problemas e de saber conviver com os desafios da vida.
Que simplicidade. Que doçura. Que leveza. Um novo tipo de alegria extravasa da melodia proeminente da união do violão de Star e de João Werneck, seu convidado. Não bastasse essa novidade, A voz rouca e já padronizada do cantor ganha, também, uma parceria. De timbre agudo e doce, Sara Hana coloca um encorpamento que sugere uma harmonia resplandescente. Mais uma vez, porém, Zola Star insere um diálogo de amor ferido, dando embasamento e ainda mais corpo para a trinca Vou Seguir-faixa-título-Yonde. Em Naza Yayo, o que acontece é a vontade de arrumar as imperfeições que causaram desgosto. Uma reflexão sobre as dores do amor e sobre o efeito da enganação.
De melodia linear, Nasuke Se Boye é a canção de enredo mais ácido de todo Loyembo. Afinal, ela traz, pela primeira vez, um lado desesperançoso, desolado e até mesmo descrente. É uma canção em que o personagem lírico admite e verbaliza que afoga, na melodia, as mágoas, as lágrimas e a tristeza de um amor não correspondido.
Existe um aroma árabe na forma como o violão se movimenta na nova introdução. Tal ingrediente, inédito, dá ao ouvinte um misto de sensações que vai desde o suspense a uma tristeza quase embrionária. Em Yaya, finalmente Star dialoga sobre um luto de forma denotativa. É a dor da perda em sua estrutura mais visceral. Um confrontamento entre passado e um futuro repleto de planos nunca executados por uma fatalidade.
É a história de um indivíduo que, criado por Deus, é regido por intenso sentimentalismo, paixão e pureza. Uma pessoa desenhada para amar da forma mais sincera e intensa que o outro possa desejar ou, ao menos, precisar. Loyembo é um alegre aprendizado de como conviver e superar a rejeição.
Nesses diálogos, Zola Star transita entre os idiomas lingala, kilkongo, francês e até mesmo um português engessado que já se pronuncia com sotaque carioca. É com essa miscelânea idiomática que o congo-angolano fornece enredos lineares e, curiosamente, inexpressivos, pois se utiliza do mesmo tom de voz em todas as composições.
O mesmo acontece com o violão, instrumento que, por vezes, rompe essa falta de expressão com surpreendentes texturas que conseguem comunicar desde melancolia à sensualidade. Algo alcançado muito provavelmente pela experiência de Angelo Wolf no comando da mixagem. Afinal, é por meio dele, associado com o produtor Gus Levy como uma espécie de mentor espiritual designando o melhor caminho, que o ouvinte consegue degustar melancolia, tristeza, dor e, principalmente, alegria em Loyembo.
Encerrando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Pablo Meijueiro, ela traz uma figura central que, visivelmente, representa o Sol. Em volta dele, uma espécie de metáfora às constelações se firma por meio de círculos com pontos em seu decorrer. É assim que se comunica o ciclo da vida e a nutrição do espírito.
Lançado em 22 de março de 2023 via Mondé Musical, Loyembo é a história de uma boa alma que enche o planeta de ternura mesmo não sendo compreendido ou mesmo valorizado por tal iniciativa. É a busca de um ser intenso pelo carinho de uma terra que o receba de braços abertos, coração pulsante e um largo sorriso no rosto.