Warshipper - Essential Morphine

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Ele surge pouco menos de três anos após o anúncio de Barren…. Gravado no Casagrande Studio, em São Paulo (SP), Essential Morphine é o décimo álbum de estúdio do Warshipper e chega em um importante momento para a carreira do quarteto. Banda se apresentará, ainda este ano, em três festivais nacionais, sendo dois no norte e um no sudeste.


Um groove é ouvido atrás das montanhas. Seus batuques ocos e em uma cadência que sugere um princípio enérgico são oferecidos por Theo Queiroz enquanto um baixo grave e de sutil estridência é inserido por Rodolfo Nekathor de maneira a criar, rapidamente, uma estrutura rítmica que rememora aquela da introdução de My Hero, single do Foo Fighters. Conforme o som da distorção das guitarras de Renan Roveran e Rafael Oliveira vão rompendo o breu com luzes flamejantes e quentes, uma atmosfera grave e lenta cujo desenho melódico apresenta uma imersão no doom metal é presenciada. Se tornando acelerada e precisa a partir da fusão entre bumbos duplos e uma afinação de guitarra que beira o azedo, existe um princípio de caos em meio ao sombrio enigmático que deixa a cenografia com ar de tensão. Emergindo para um desenho melódico que caminha na tênue divisa entre hardcore e o thrash metal, Religious Metastasis possui uma longa introdução que, por si só, caminha pelos terrenos do doom, hardcore e thrash ao mesmo tempo em que flerta com o death metal até fluir para um primeiro verso de cunho metalizado em que Roveran mostra seu vocal de timbre levemente grave e gutural enquanto, em alguns momentos, divide espaço com o rasgado, agressivo e agudo tom de Oliveira. Em tom de crítica, rechaço, questionamento e até mesmo nojo, Religious Metastasis é uma faixa que, de maneira crua e afiada, critica a forma como a religião e a religiosidade transformam, manipulam e consomem a sociedade com um senso falso de pureza movido apenas pela ganância de se mostrar superior. Religious Metastasis, porém, não é uma canção contra a religião ou a prática religiosa, mas, sim, da maneira como seus difundidores atraem fiéis.


Enquanto a primeira canção começou gradativa, com uma longa e ampla introdução, a presente faixa tem seu despertar num susto. Rápida, intensa e agressiva em seu hardcore quase insano, ela recobre o doom metal com notas de azedume sem demora. Misturando noções de um metal progressivo, Migrating Through Personality Spectra tem sua essência trotante e azeda em cuja narração é feita unicamente por um timbre gutural que se divide entre devaneios dialogantes e urros trevosos. Quase como a descrição do surto existente durante a crise de ansiedade, a faixa mostra como às vezes podemos ser reféns de nossos próprios instintos de insanidade. Também favorecendo a interpretação do processo de morrência como metáfora à transformação da identidade, Migrating Through Personality Spectra ilustra a força das emoções tanto sobre nossas escolhas quanto ao êxito delas.


Enquanto a guitarra solo oferece acidez e um indício de agudez ríspida, a guitarra base entra com seu tom grave de forma a representar o gutural vindo de Roveran. Densa, enigmática e oferecendo uma incômoda expectativa, a música apresenta uma perfeita antítese entre sua cadência e a proferida em Migrating Through Personality Spectra. De despertar basicamente metalizado, mas ainda mantendo o uso de pedais duplos, Perfect Pattern Watcher fica indo e vindo entre impulsos death metals e o cru metal. Em tom de súplica, a canção dialoga sobre a imperfeição social e a necessidade de nela estar pertencente. Porém, mesmo sob esse viés, Perfect Pattern Watcher lamenta que, mesmo com o passar do tempo, as mesmas impurezas sociais tenham sido multiplicadas, transmitidas e inconscientemente reproduzidas por uma sequência infindável de novos seres humanos. 


É como se sentir largado em uma maca, uma cama, uma cadeira ou mesmo deitado no chão. Sedado e entorpecido em seu inconsciente de imagens fantásticas, o indivíduo esquecer a dor, esquece a realidade e, por alguns instantes, esquece até mesmo de quem é. Com uma maciez embriagante, dramática e promovendo curiosos aromas de um folk céltico, Morphine é uma canção lenta tanto em melodia quanto em cadência lírica que dialoga sobre um profundo processo de imersão no inconsciente rumo ao autoconhecimento. A compreensão da dor, do sofrimento e da fragilidade emocional é, para o personagem, algo tão necessário que, enquanto se autodisseca, convida o ouvinte a, ao vê-lo por dentro, dizer o que vê. Que cores, emoções, comportamentos e padrões estão presentes dentro de um ser que busca simplesmente pela compreensão de suas próprias angústias. 


Depois de um groove de bateria, a melodia se apresenta de maneira azeda e intensa retomando a virilidade do death metal. Entre o grave e o azedume, os bumbos duplos aparecem mais uma vez incessantes sob uma base curiosamente macia, mas não tanto quanto aquela de Morphine. Com direito aos tilintares da cúpula do prato de condução inserindo novas texturas ao ambiente, o punk e o hardcore se confundem em uma levada linearmente grave possibilitada entre a fusão das guitarras e do baixo. The Night Of The Unholy Archangel é uma faixa que soa mórbida através das sobreposições vocais, mas ao mesmo tempo em que existe um caos inquestionável no enredo, o personagem está simplesmente buscando por salvação em um mundo onde a fé foi extirpada. 


O classicismo, o gótico e o orquestral se encontram nessa introdução multissensorial. Mesmo com o uso dos pedais duplos criando densidade e precisão, a melodia introdutória é embebida em uma latente dramaticidade que se dissipa como vapor assim que as guitarras se conversam e introduzem o death metal de volta à receita estética. Com um urro, Roveran dá passagem a um intenso hardcore que acompanha o personagem de The Twin Of Icon no divagar sobre a união da ciência e religião na busca por um novo Cristo. Uma espécie de gêmeo do Todo Poderoso embebido em falsidade e loucura.


Após um breve momento de incômodo silêncio, as guitarras surgem em riffs uníssonos em sua gravidade trotante enquanto a bateria vem suja e cadenciada em seus golpes de pedal duplo. Mesmo com tamanha densidade, a canção, em sua introdução, soa como a aparição de uma bela, esverdeada, fresca e florida paisagem em meio aos trevosos e cinzentos rochedos. Ainda assim, a base de Magnificent Insignificance é bruta, azeda e cujo vocal retoma a interpretação rasgada e agressiva. Caótica, a faixa dialoga sobre a igualdade de todos perante a arte de viver e também sobre a necessidade de união para prevalecer a força do senso de comunidade.


Surpreendente, melódica e swingada. O gosto do sertão é intenso, assim como a textura da terra seca sob os pés descalços, o calor transpirante sobre as cabeças e a secura dos olhos em virtude da poeira. Eis a verdadeira melodia folk encarnada em um embrionário country desenhado pela sintonia sincrônica dos violões. Conseguindo criar uma atmosfera que lembre tanto Iron Maiden em seu single The Writing On  The Wall, quanto Creed e Ugly Kid Joe com especial menção à sua faixa Mirror Of The Man, Guilt Trip traz um Roveran ousando em um vocal de timbre mais limpo, possibilitando ao ouvinte degustar seus agudos e falsetes. Aqui, o personagem se vê na iminência da liberdade de um outro alguém que suga, manipula e distorce ideias, pensamentos e comportamentos. É assim que a sensação da culpa não é compartilhada, mas sim endereçada aos verdadeiros indivíduos para que estes com ela convivam. Com direito a um solo heavy metal com presença de uma sensualidade contagiante entre gritos agudos da guitarra, Guilt Trip consegue ainda abraçar a estrutura do metal alternativo em um instrumental grave, compassivo e enérgico. Apesar de faixa bônus, Guilt Trip é o verdadeiro ponto alto de Essential Morphione por trazer uma melodia mais bem trabalhada. A faixa que mostra toda a musicalidade do Warshipper e retira a falsa ideia de que a banda se mantém apenas na sua zona de conforto brutalizada.


Não há como não comparar Essential Morphine com Barren…. Em fração de três anos, o Warshipper deu um surpreendente salto rumo à sua maturidade musical. Mantendo sua brutalidade, mas com uma musicalidade bem mais aflorada, o quarteto sorocabano fez de seu novo material uma reflexão social que envolve religião, comportamento e autoconhecimento. 


Mais atento inclusive referente às questões psicológicas, Essenthial Morphine apresenta um Warshipper mais sensível em suas abordagens líricas. E para aqueles que acham que sensibilidade não é algo viril, o quarteto une as duas faces em uma única receita melódica, pois ao mesmo tempo em que os temas são mais ligados às emoções e à forma como regemos a vida, a sonoridade mantém seu estado de brutalidade, aspereza, azedume e agressividade.


Foi assim que, aliado a Rafael Augusto Lopes na mixagem, o quarteto conseguiu fundir os já padrões thrash metal, death metal, metal, doom metal e heavy metal com surpreendentes novos ingredientes na receita melódica de seu novo material: o hardcore, o punk, o folk e o country. 


Não à toa que justamente por fugir completamente do viés viril típico de um death metal, a faixa Guilt Trip se mostra como a verdadeira obra de arte dentro de Essential Morphine. Afinal, ela é sensível em sua levada acústica, mas também melódica e ousada por trazer, em sua sonoridade, referências de bandas que não se conversam, mas que na conjuntura da música surtiu em um perfeito blend.


Vale ressaltar, porém, que o trabalho de Lopes falhou na equalização do volume final das canções. Ao serem ouvidas, as faixas se encontram em um padrão de altitude bastante baixo, fazendo com que o ouvinte aumente manualmente à altura máxima do som nos players de reprodução para poder degustar devidamente de toda a conjuntura melódica.


Fechando o escopo técnico vem a arte de capa. Consistindo em uma pintura a óleo sobre tela de Gabriel Augusto com design de Felipe Zilbra, ela traz um busto em primeiro plano. De menções de agressividade através de sua boca, o personagem chama atenção pelo destaque em branco no centro de sua cabeça, como se comunicasse a metáfora de mente vazia. E é justamente aí que mora o recado: a busca do verdadeiro eu, uma empreitada frequente entre os lirismos do material.


Lançado em 26 de maio de 2023 via Heavy Metal Rock, Essential Morphine apresenta um Warshipper mais sensível e aberto às questões da mente e das emoções. Um álbum denso, bruto e azedo, mas também amplo em suas propostas melódicas a ponto de mostrar uma rápida e evidente maturidade do quarteto de Sorocaba.
















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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.