Trend Kill Ghosts - Until The Sun Rise Again

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Pouco mais de dois anos desde o lançamento de seu disco de estreia, os paulistas do Trend Kill Ghosts anunciam a continuidade de seu trabalho. Intitulado Until The Sun Rise Again, o novo disco do grupo foi masterizado e mixado no Flight Studio, em Guarulhos (SP).


Um coro catedrálico surge trazendo um ar gótico de toques obscuros estranhamente angelicais. Há no movimento vocálico certa dose de dramaticidade que captura o ouvinte, que se vê involuntariamente fisgado pelo bailar das frases de violinos que, além de entregar aromas florais, traz consigo sentimentos de esperança emaranhados por entre melancolias e nostalgias que abraçam confortavelmente o ouvinte. Eis Marching To The Light.


Direto e reto. A guitarra de Rogério Oliveira já surge afiada em seu caminhar de escalas de maneira a já apresentar a melodia tão característica do power metal. Ao mesmo tempo, um ar de suspense acompanha sua trajetória ao lado da bateria de Leandro Tristane. Acelerada, enérgica e cadenciada, a atmosfera sonora criada oferece em seu DNA flertes com o speed metal que dão uma originalidade a Puppets Of Faith. É então que um vocal de timbre limpo, mas sem veludo, entra em cena. É Diogo Nunes fazendo com que a canção ganhe contornos estilísticos que evidenciam a influência do DragonForce em sua sonoridade. Repleta de momentos épicos e usos de pedal duplo para aumentar a pressão, Puppets Of Faith ainda guarda momentos repentinos de protagonismo do baixo de Fábio Carito, o qual, na ponte para a segunda estrofe, dá um tempero que enaltece o sabor melódico proposto na canção.


A atmosfera é mais densa e metalizada. Com a guitarra assumindo riffs de distorções mais graves, existe aqui um flerte com roupagens mais sombrias como o death metal e o thrash metal. Visivelmente mais agressiva, mas ainda com uma base melódica macia, a canção oferece uma superfície sonora rápida e azeda tal como a estética rítmica do death metal. De refrão dramático e sensitivo, Rebellion possui uma ponte formada por uma melodia bruta cujo vocal apresentado beira o gutural.


Crescente e melódica, a sonoridade explosiva que puxa a introdução carrega uma emoção diferenciada das canções anteriores. Apesar de trazer o mesmo compasso rodeado de pedais duplos, a guitarra pronuncia riffs de afinações capazes de arrancar arrepios e lágrimas inconscientes do ouvinte tamanha a sensibilidade sincrônica emanada pelos músicos. Trazendo um misto de heavy metal e hard rock tal como o criado pelo Iron Maiden, o que o Trend Kill Ghosts traz em Phoenix é uma mensagem de pura fé. A perseverança, a esperança de dias melhores, a força em seguir lutando e vivendo mesmo em períodos em que parece que a Terra está dominada pelas trevas. Acreditar que os sonhos podem se tornar realidade a partir do propósito da vida é o resultado de se olhar no espelho e ver o brilho dos olhos e o orgulho da alma.


A temperatura é quente como o fogo e a sensualidade, apesar de sutil, possui grande importância na criação de uma sonoridade mais maleável e sincopada. Quando o primeiro verso se apresenta, a melodia assume um caráter mais metalizado e, surpreendentemente, oferece outro ingrediente à conjuntura rítmica. Um vocal feminino e aberto oferece uma amplitude no compasso preciso da sonoridade de When The Sun Rise Again. Elisa C. Martin rompe a ideia de delicadeza e fragilidade vocal feminina ao trazer um timbre grave e encorpado que casa bem com a proposta metalizada de forte melodia distorcida. Sem esconder seu sotaque espanhol, Elisa consegue pincelar na estrutura rítmica um tom miscigenado e plural. Ao lado de Nunes, a cantora participa de duetos que trazem consigo a dramaticidade e a grandeza da música clássica. 


As notas agudas, aveludadas e de rastros ácidos do teclado trazem um alvorecer diferenciado. Uma melodia que ressignifica o que é beleza melódica ao trazer, além de perfumes florais, uma textura que mistura veludo e rispidez de maneira a concretizar uma atmosfera energicamente sensitiva e macia. Como uma explosão de cores quentes tal qual o escorrer celeste das tonalidades de fogos de artifício, Land Of Hope vem como a primeira balada radiofônica de Until The Sun Rise Again. Se em Puppets Of Faith Carito teve presença indiscutível, mesmo que pontual, aqui sua presença é não menos que necessária desde o início. Afinal, o grave, o swing e a corpulência dos riffs do baixo são peças fundamentais para trazer um compasso enérgico que bebe da aurora swingada do hard rock. 


A introdução explosiva de Poisoned Soul traz consigo um caldeirão de influências. Pelo baixo, podem ser percebidos traços da sonoridade de bandas como Judas Priest e Iron Maiden. O combo teclado-bateria oferece uma levada que remete a Deep Purple e Whitesnake. Isso tudo se funde e escorre por uma abertura que dá vazão para uma melodia macia, épica, veloz e enérgica que abraça um lirismo de narrativa desamparada. Poisoned Soul é o enredo de um personagem inseguro, ludibriado e inocente que busca um apoio, uma ajuda protetora de esperança para continuar caminhando em um ambiente repleto de mentiras, interesses e amores enrijecidos. O interessante aqui é que o vocal singelo e doce de Marina La Torraca funciona como um personagem onipresente que tenta situar o eu-lírico a respeito da realidade na qual ele está inserido. A mensagem é tão profunda que a faz ser um complemento de Phoenix.


Suspense, densidade, traços de obscurantismo e raspas de uma brutalidade adormecida. Assim como Rebellion, Prisioners In Our Minds traz em sua estrutura rítmica elementos do death metal que fazem com que a sonoridade seja azeda, rápida e de distorções amplamente graves. Ao mesmo tempo, a canção também bebe da fonte do metalcore durante os momentos de uma melodia metalizada e de doçura áspera. Com direito a falsetes que recriam o timbre de Axl Rose durante as sessões de Chinese Democracy, o convidado Roland Graspow evoca um desespero cuja desesperança é contagiantemente reflexiva.


Mais do que Phoenix e Land Of Hope, Puzzle Piece é explicitamente o ponto fora da curva em Until The Sun Rise Again. De melodia limpa, alegre, aveludada e indiscutivelmente swingada, a energia dela emanada vem diretamente de uma base rítmica hard rock setentista calcada no compasso em 4x4 e em uma estrutura sonora que recria a ambiência de Separate Ways, single do Journey. Ao mesmo tempo, a selvageria e o sexismo nela apresentadas são nitidamente de uma Los Angeles dos anos 80. Ao lado de Land Of Hope, Puzzle Piece é outro forte single do álbum.


Uma dramaticidade estranhamente acalentadora e reconfortante é desenhada na introdução de Dead Society. As notas do violino acabam funcionando como lágrimas tímidas, mas intensamente sensitivas, escorrendo pelo rosto da face melódica como se ela estivesse em um cortejo fúnebre. Subitamente, a tristeza e a melancolia dão espaço para uma explosiva, enérgica e excitante sonoridade que parece se rebelar contra todos os sentimentos depreciativos. Trazendo elementos do thrash metal a partir dos riffs trêmulos da guitarra, a canção tem consigo um quê de agressividade que não destoa da melodia majoritariamente aveludada e rápida tal como o speed metal sugere. Ao mesmo tempo, a batida trotante da bateria evidencia a influência de Nicko McBrain sobre Tristane. 


Grave, densa e com pinceladas de brutalidade. Com as notas do teclado em uma sequência linear, a canção tem em seu início um caráter de metal gótico que soa como uma continuação em medley de Marching To The Light. Trazendo um vocal mais rasgado, Nunes proporciona ao ouvinte um refrão épico e macio que contagia o ouvinte apesar do suspense nele existente. Mirror Mirror é uma canção de lirismo questionador que traz consigo uma desilusão decepcionante com direito a uma ponte emotiva e crescente.


É difícil perceber e encontrar produções de power metal pelo território brasileiro. Afinal, são raros os grupos que defendem esse subgênero do heavy metal. A felicidade vem em dobro quando o Trend Kill Ghosts dá continuidade ao seu trabalho e lança Until The Sun Rise Again, outro produto autoral de exímia qualidade.


Pode parecer pleonasmo ao notar que o álbum é regado em melodias alegres, até porque essa é uma das características que preenche o DNA do power metal. Porém, o que foi feito no disco é notável, pois ao mesmo tempo em que através das sobreposições de guitarras e explosivos instrumentais existem alegrias, veludo, maciez e energia, há também brutalidade, densidade e azedume que são trazidos da outra vertente do heavy metal, mais obscura e agressiva.


Por isso, ao mesmo tempo em que o ouvinte consegue notar a presença de subgêneros como hard rock, speed metal, o metalcore e até mesmo o blues, é possível que o death metal e o thrash metal também sejam percebidos. Nesse sentido, a sonoridade presente em Until The Sun Rise Again deixa nítida a influência que o grupo tem de nomes como Helloween, Avantasia e Gamma Ray.  


Não à toa que, em especial se tratando de Nunes, no seu canto inglês bem apresentado, mas de sotaque tipicamente brasileiro, se percebe a semelhança de timbre com o de cantores renomados do subgênero como Ralf Scheepers, Tobias Sammet e, do Brasil, André Matos.


Fora do campo do power metal, porém, o Trend Kill Ghosts não teme em mostrar a influência que tem de nomes como Iron Maiden, Judas Priest, Journey, Rush e Deep Purple. Essa pluralidade foi bem capturada pela produção de Rogério Oliveira, que, também responsável pela mixagem, construiu um produto sonoro final lapidado de maneira a soar como um perfeito disco nórdico.


Partindo para o visual, Until The Sun Rise Again possui uma arte de capa que, de tão reflexiva, é intrigante. Feita por Daniela Owergoor, ela traz a imagem de uma mulher de caráter quase celestial caminhando por um rochedo reverencia o alvorecer de um novo dia como a esperança dando mais fôlego ao desamparo das pessoas inseguras. Essa fatia é representada na imagem como almas pedintes por misericórdia. Isso faz da obra de Daniela o perfeito retrato de como a perseverança, força e resiliência – e a falta destas – age no ser humano.


Lançado em 19 de novembro de 2021 via Heavy Metal Rock, Until The Sun Rise Again é um power metal que experiencia o lado sombrio do heavy metal ao mesmo tempo em que traz luz, conforto e proteção. Sua melodia é mais do que um remédio para os males da modernidade, é um alento para a alma.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.