NOTA DO CRÍTICO
Desde 2018, quando Tom The Mail Man se lançou no mercado fonográfico mundial com Schizo, o estado estadunidense da Geórgia não corresponde mais a um limite. Três anos depois, o músico contabiliza mais dois álbuns em sua discografia, sendo Sometimes Sorry Isn’t Enough seu mais recente e recém-lançado disco de estúdio.
Gravação caseira. Clima íntimo. Diversas vozes nitidamente felizes e desconcertadas são ouvidas. Todas, sem exceção, comemoram a gravação do álbum e fazem, em uníssono, uma contagem regressiva para o verdadeiro despertar do disco. Essa é Intro, uma faixa que consegue arrancar sorrisos do ouvinte tamanha espontaneidade das vozes nela presentes.
Um chiado. Um pedido de silêncio. Bumbo e guitarra se unem em uma contagem de tempo crescente que leva o ouvinte para o primeiro verso de Stop Playing Victim. Se apoiando numa mistura melódica de pop com traços singelos de soft rock, uma voz harmônica, afinada e agridoce invade a cena. É Tom The Mail Man introduzindo uma narrativa sobre um homem que expõe seu descontentamento com as constantes atitudes de vítima feitas pelo seu par. Como um todo, união da letra com a melodia tornam a faixa um produto amistoso e cativante.
Uma transformação melódica e rítmica emerge. Daquela mistura pop-soft rock ocorre um salto para algo mais falado. Em Taking Over, o rap e suas frases cantadas bem marcadas e cadenciadas se apresentam com destreza. É interessante notar que, mesmo no rap, existe um groove, existe uma sedução, existe um grau de atração. A falta, ou melhor, a vontade de ter alguém para compartilhar feitos é ao mesmo tempo o tema lírico, mas também algo vivido por pessoas das mais diferentes idades.
Rimas perfeitas. Frases e palavras sendo destacadas a partir de uma interpretação enfática. Cadência rítmica e cantada. Stay Down segue de forma harmônica a mesma proposta rap de Taking Over. Aqui, diferente da temática lírica da faixa anterior, acontece uma divisão de personagens. Ora é a mulher explicando seus motivos de não querer mais o relacionamento. Ora é o homem explicando seus atos. Claro que, apesar de ser calcada na relação de casal, a letra aborda temas delicados, como pobreza, impunidade, mas também uma vontade de redenção pelos atos contra o próximo.
O rap vai perdendo as forças, mas ainda se torna o gênero base em Forever. A interpretação lírica se torna mais pausada, sem velocidade, mas mantendo a cadência típica do estilo musical. Para alguns, o que é retratado na faixa é um relato autobiográfico sobre o desejo de fazer algo grande e do que esse projeto, que logo viria a ser Sometimes Sorry Isn’t Enough, pode proporcionar. Para outros, é apenas mais um conteúdo sobre amadurecimento.
Outra roupagem. A forma como Tom The Mail Man apresenta sua voz já sugere outro universo, um ambiente bem distante do rap. Gingado, swing, malemolência. Faceless é uma música que exala afrobeat de forma sutil, mas com um poder de atração reluzente. No que tange o conteúdo lírico, é como uma história, uma narração de um homem tentando achar explicações para o término de relacionamento. A companhia dos amigos e os mais diversos conselhos e opiniões pautam a realidade do personagem central.
Um ambiente sombrio. A sobreposição vocal editada exacerbadamente para o grave faz parecer que existe um obsessor, uma voz enigmática que exala um ar malévolo. My Enemy é uma música que sugere uma conversa e uma reflexão do personagem para com seu próprio sonho, um sonho em que pessoas lhe diziam coisas desagradáveis, mostrando um cenário inimaginável.
O som de uma guitarra trazendo notas aveludadas e calmas assume a dianteira. Existem nesse pequeno instante detalhes latinos e africanos na melodia em criação. Em Nightmare, o personagem lírico se vê frente a um pesadelo que lhe mostrou a realidade do suicídio, da morte voluntária. E como ele mesmo diz, “I was right there up in hell, I know. And it hurts me!”.
A guitarra novamente assume o protagonismo. A introdução de Short Lived Love Song é macia, tranquila e amena. Traços de melancolia podem ser percebidos através de uma solidão instrumental proposital para criar um clima dramático e triste. Mas a verdade é que esses sentimentos não pautam a canção, afinal, ela se mostra pop. Como uma balada romântica, ela foi construída de tal maneira a atrair a audiência, a convidar o ouvinte a participar do canto. As repetições cadenciadas de algumas palavras, ainda, fazem com que os versos da música sejam facilmente decorados. Por essas razões, é possível dizer que Short Lived Love Song é um bom single de Sometimes Sorry Isn’t Enough.
O som da bateria cria cadência. Se fosse trazido através de samples, seria muito possível afirmar que o groove foi retirado da introdução de Billy Jean, single de Michael Jackson, tamanha a semelhança. Em Sober, porém, o pop se funde ao funk em uma melodia contagiante e alegre que serve de cama para um lirismo que aborda outro âmbito do relacionamento, que é a negação e a falta de espaço de fala para uma das partes de um casal.
Uma melodia contagiante se instaura de forma linear. Porém, o teor lírico de Bad Hoe é, no mínimo, decepcionante. Retratando uma relação pobre, machista e calcada apenas na atração sexual, ela relata a história de um homem que é frequentemente procurado por uma mulher que, em sua inocência, quer encontrar um amor. O homem, por sua vez, quer apenas sexo. Tal cenário pode muito bem ser notado em frases como “I’m here to fuck. I’m not your friend, I'm not your lover. Not your man!” e “So don’t come here searching for love again”.
Assim como aconteceu em Sober, Last Night também possui um trecho de grande semelhança com outra música. A sonoridade da guitarra criada na sua introdução possui a mesma linha daquela empregada no início de Everlong, single do Foo Fighters. Por essa razão, a presente faixa se mostra um rock alternativo em sua melodia e, em seu lirismo, seriedade extasiante. Cheia de frases impactantes, tais como “I gave up my soul to the demons calling, now life feels awesome” e “I don't wanna live this life sober”, a letra sugere impulsividade, mas, principalmente, é o relato da realidade imagética do presente e do pós uso de drogas. Ou seja, tudo aquilo que um entorpecente pode proporcionar: o imaginário parecer real.
Sometimes Sorry Isn’t Enough é um disco que transita entre gêneros que não possuem absolutamente nada em comum. O rap se une ao afrobeat. O pop se une ao soft rock. O rock alternativo se une ao funk. É uma completa miscigenação rítmica distribuída por entre 12 faixas.
Deitadas sobre essa cama de melodia mista estão letras que abordam majoritariamente o escopo do relacionamento entre pares. Despedidas, descontentamentos, infelicidades e união. Tudo o que todos os casais espalhados pelo mundo viveram ou um dia irão viver. Mas para criar um elo entre a música e o público, Tom The Mail Man mesclou narrativas em primeira pessoa com letras em que se apresenta na terceira pessoa.
É verdade que, infelizmente, possuem momentos descontentes devido ao teor lírico, mas esses mesmos momentos expõem uma realidade em que essa linguagem e essa atitude ainda são vistas em demasia.
Produzido por Rome in Silver, Sometimes Sorry Isn’t Enough é um disco completo no que tange as melodias e um produto que, devido à inserção de outros temas líricos em algumas de suas faixas, não pode ser chamado de álbum conceitual. De toda a forma, o conceito de relacionamento é o que, definitivamente, fica registrado na memória do ouvinte.
Lançado em 16 de abril de 2021 via BMG, Sometimes Sorry Isn’t Enough é um disco que exala sofrência em roupagens nada ortodoxas. O que Tom The Mail Man quer dizer com o álbum é que, em um relacionamento, de fato às vezes desculpas não são suficientes.