The Ogre - Aeon Zero

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 0.00 (0 Votos)

O Locus Horrendus, o segundo e derradeiro álbum do Faces Of Madness fez nascer um curioso senso criativo em Diogo Martins que ia além da zona de conforto representada pela banda paulistana. Daí em diante, o multi-instrumentista mergulhou nesse universo desconhecido para fundar a The Ogre, banda de um homem só que agora anuncia Aeon Zero, seu quarto álbum de estúdio.


É como entrar em uma catedral inóspita, vazia, mas com aquela energia gótico-sombria que chega a arrepiar a espinha. Seu chão e suas paredes são de pedra e suas abóbadas são pontiagudas e iluminadas com candelabros estrategicamente posicionados de maneira a criar um cenário repleto de penumbras. Com insegurança latente, é possível caminhar pelo ambiente e, de súbito, levar um susto que faz o coração ir à boca. Isso acontece graças à brusca entrada de um punch sonoro com misturas de elementos do hard rock, power metal e speed metal, o que lhe confere a classificação de canção death ‘n’ roll. Regimentada por incessantes golpes de bumbo duplo, a melodia assume um caráter trotante atordoante. Eis então que uma voz áspera entra em cena. É Diogo Martins mostrando seu potencial vocal gutural ao entregar, em We Ride With Demons, uma interpretação lírica agressiva, agoniante, áspera e até mesmo com raspas de azedume. Inserindo inclusive frases melódicas do death metal, Martins consegue ampliar a densidade, o temor e a brutalidade lasciva de We Ride With Demons, uma música que descreve, tal como Santa Ceia, uma obra plástica de forte apelo religioso, o pandemônio regido pelo senso anárquico. Tudo em um tom estranhamente poético. 


Don’t worry, be happy!”, é uma espécie de mantra repetido, separadamente, por um duo de vozes feminina e masculina. Nesse ínterim, a guitarra entra como um ingrediente a criar uma atmosfera folk-céltico-medieval, que entre notas entristecidas vai derramando feixes de melancolia que vão forrando o terreno melódico. Instrumental, Ploybius é uma faixa que, apesar de trazer, como única faixa lírica, uma mensagem que pede para ser feliz, vem carregada de uma falsa fé em tal frase, como se ela não fosse real. Existe, inclusive, um ar entorpecido que se confunde entre a vontade de nela acreditar e a consciência de sua inverdade. Ploybius é quase como uma mãe dizendo ao seu filho acolhido em seus braços, em meio ao caos destrutivo e iminente, que tudo vai ficar bem.


Depois do respiro inquietante deixado por Ploybius, o ouvinte é obrigado a entrar em estado de efervescência a partir de uma introdução que já começa poderosa, bruta e áspera, tal como pede o black metal. Repleta de guitarras ásperas e embebida em elétricos e esquizofrênicos golpes no pedal duplo, algo que já se mostra uma marca da sonoridade de The Ogre, a canção ainda deixa em evidência o baixo de notas rápidas e secas em sua acidez corrosiva. Combinando com tal cenário caótico, Martins entra como se fosse a voz peçonhenta de seres da escuridão. Cheio de aspereza e um fundo arrasadoramente azedo, ele faz com que Crawling Chaos Underground seja a perfeita sonorização do mais intenso desconforto ao representar um povo decadente respaldado por um senso de falsidade regido por pedidos de ajuda respondidos com inverdade, desconsideração e desleixo.


Andamentos lentos, guitarras puxadas para uma afinação áspera e grave, mas com fundos melódicos. Bateria entrando em um compasso 4x4 que se torna a grande novidade de Aeon Zero. É com um mergulho insano no doom metal que The Horrible faz se apresenta ao ouvinte. Sofrida e chorosa, sua melodia é impregnada por uma dor lancinante que comove o ouvinte, algo que logo se dissipa quando a canção retoma os mesmos ares azedos e desarmônicos das canções anteriores. Sendo como uma estratégia para fugir da dor ou não, tal transformação melódica de The Horrible acompanha o ouvinte em seu devaneio caótico e sombrio sobre a responsabilidade de distorcer o perfeccionismo conservador. Talvez a canção até então mais crítica do álbum, The Horrible dialoga sobre hipocrisia, o senso personalista e, subliminarmente, sobre a insegurança de alguns em assumir suas imperfeições, o que os leva a assumir um comportamento regido pelo julgamento e a chacota de terceiros. Os horríveis, na verdade, não são aqueles que merecem atenção e cuidado, mas sim aqueles que negam tal existência.


Ficção científica se funde a um fundo new wave. Se apoiando nessa estética inimaginável que se une ao rechaçante lirismo de The Horrible no time de ingredientes surpreendentes de Aeon Zero, Miranda cria, em Datadeity, uma fusão entre o death ‘n’ roll, o metalcore e a new wave. Agressiva em sua demonstração de agonia, a faixa surge curiosamente com uma melodia metalizada mais digerível de maneira a flertar com a estética de Suicide Redemption, single do Metallica. Trazendo ainda menções ao clássico heavy metal ao estilo Iron Maiden, Datadeity traz um Miranda com vocal mais limpo mesmo com seu drive em evidência. É com esse cenário que o The Ogre escolhe dialogar sobre a realidade de intensa imersão tecnológica. A falta de liberdade, a necessidade por atenção e pertencimento, a insegurança. Detalhes que formam a cultura de uma sociedade cibernética carente de afeto. Essa é a reflexão proposta em Datadeity.


Sexy, perigosa, ejaculante e provocante, a guitarra surge com rompantes típicos de um hard rock oitentista. Imergindo, porém, para uma atmosfera mais densa e até mesmo tenebrosa, o instrumento consegue, sozinho, transformar o prazer em medo, desconforto e insegurança. Com auxílio de sobreposições vocais que se dividem entre tons guturais e limpos, Forgotten Mills, por meio de seu death ‘n’ roll, oferece o melhor enredo lírico de todo Aeon Zero. Penetrante, cativante, denso e estimulante na criação de enigmáticas expectativas, ele narra uma passagem de um personagem que teve a chance de ser agraciado tanto pela bondade dos céus quanto pelos desejos do inferno. Ao optar pela ganância e pela riqueza, o personagem escancara a verdadeira mensagem de Forgotten Mills: ninguém consegue fugir de suas particulares essências. Se algo extremamente sedutor surgir e a índole der voz ao desejo e não à razão, a moral estará corrompida. E no caso do personagem, o preço a ser pago é se tornar um espantalho, a perfeita metáfora para o fato de estar agraciado pela grandeza do mundo e, em estado imóvel, não poder dela aproveitar.


É como uma noite clara banhada por uma gélida luz emanada pela grandiosa Lua cheia. Entre brisas frias e nuvens enegrecidas pincelando a grandeza do céu soturno, um contexto tenebroso e horripilante começa a preencher a atmosfera. Ao fundo, as notas álgidas do hammond criam um ecossistema fantasmagórica que estimula inúmeros e involuntários arrepios cortantes. Essa energia é, inclusive, estimulada pelo uníssono baile estruturado pelos riffs graves do baixo e da guitarra. Assim como Forgotten Mills, Neon Sun é narrada por entre sobreposições vocais graves e limpos que descrevem um sonho solitário, e transcendental que representam a necessidade de redenção do personagem. Não à toa que Neon Sun tem um quê dramático-reflexivo que chega a emocionar o ouvinte de forma a promover flertes melódicos com a energia excessivamente sentimental de Tears Of A Dragon, single de Bruce Dickinson.


Fugindo drasticamente da melancolia visceral de Neon Sun, The Mountain Of Cannibal God já tem um início explosivo, áspero e ao mesmo tempo com pitadas de uma sexualidade intrigante e provocante que remetem ao glam metal. Ainda assim, sua maturação a torna um produto vendido como um produto de base rítmica que mistura elementos do thrash metal ao estilo Metallica. É então que uma voz demoníaca e ondulante em seu tom gutural invade o cenário para inserir um enredo que remonta as áureas eras em que imperadores governavam a Terra com suas crenças e mitologias disseminantes. E no caso de The Mountain Of Cannibal God, a história trazida tem o Deus Canibal como centro de uma oferenda aos obsessores infernais.


Ele consegue ser bruto e azedo ao mesmo tempo em que tem a capacidade de ser melódico e dramático. Consegue ser ácido e agressivo, mas também tem cacife de assumir um caráter crítico e reflexivo. Aeon Zero é um trabalho de base mórbida que ilustra o caos, o pandemônio e a ausência de fé perante uma sociedade falsa e manipuladora.


Energicamente elaborado por um homem só, o disco é um material de sonoridade crua que consegue transitar livremente entre os campos mais extremos do heavy metal com aqueles mais melódicos. Não à toa que entre suas oito faixas o ouvinte pode se deparar com o black metal, o death metal, o death ‘n’ roll, o hard rock, o power metal, o metalcore, o doom metal, o heavy metal, o thrash metal e, inclusive, o folk e a new wave.


Nesse aspecto, o leque de influências que agiram sobre a essência criativa de Diogo Martins vai desde nomes clássicos da cena do rock como Iron Maiden e Matallica até os nacionalmente undergrounds como Dr. Sin. Tudo bem capturado e encaminhado pela produção do próprio Martins na tentativa de criar um som forte, penetrante, resistente e, principalmente, autêntico.


Pode se dizer que tal objetivo foi alcançado e, nesse sentido, duas músicas tiveram grande peso. A instrumental Polybius traz um contexto lírico-enigmático atraente em sua amplitude de caminhos interpretativos. The Horrible vem com o enredo lírico mais crítico e analítico sobre a sociedade. Datadeity por fundir os extremos do heavy metal com a acidez da new wave. E por fim, Forgotten Mills surge como aquela de enredo denotativamente literária que prende o ouvinte em uma emergente expectativa de saber mais sobre a história do tal espantalho e o homem rural.


Fechando o escopo técnico de Aeon Zero vem a arte de capa. Assinada também por Martins, ela assume visivelmente o contexto mórbido e tenebroso que preenche as melodias do disco. Trazendo em evidência três figuras que representam anjos da morte em um deserto que encobre as ruínas daquilo que um dia foi um templo, ela tem em si um clima soturno que comunica que a maldade, mesmo após considerável tempo, continua, à espreita, seu reinado e seu recrutamento de novos membros para a disseminação de seus ideais.


Lançado em 01 de julho de 2021 de maneira independente, Aeon Zero é a sonorização do caos, a representação do medo e o suor da angústia. Trazendo consigo um contexto bruto e pandemônico, o álbum acaba defendendo a máxima de que a sociedade atual não consegue esconder sua essência gananciosa, consumista e egoísta quando exposta a possibilidades que ofereçam um caminho rápido aos seus mais variados desejos. E aí é onde The Ogre transforma o álbum em algo frio, sofrido e melancólico tal como as lágrimas da decepção.















Compartilhe:

Cadastre-se e recebe as novidades!

* campo obrigatório
Seja o primeiro a comentar
Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.