Julian Lennon - Jude

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Depois de consecutivos lançamentos de singles que, futuramente, comporiam o tracklist de seu novo trabalho, o inglês Julian Lennon enfim terminou a provocação com sua base de fãs e lançou oficialmente seu sétimo disco de estúdio. Intitulado Jude, o álbum dá sequência a Everything Changes e acaba sendo o primeiro álbum de inéditas em nove anos.


Denso, tenso, melancólico. Dolorido. O piano de Gregory Darling, em suas notas graves, faz nascer um ambiente triste, sofrido e intensamente lancinante. Eis então que uma voz agridoce e com fundo áspero entra em cena. É Julian Lennon inserindo uma interpretação lírica entorpecida na sua angústia. A partir do choro exalado pelos violinos da Orquestra Sinfônica da Bulgária arranjados por Brian Byrne e das súplicas emitidas pelo som da guitarra, Save Me acaba amadurecendo em uma sonoridade que representa o estado depressivo do personagem, um personagem que, imerso em sua dor, dialoga diretamente com uma figura suprema da fé pedindo ajuda para se desvincilhar da escuridão. E nesse processo, o bojudo corpo do baixo de Michael League encorpora os olhares de clamor viscerais por ajuda. Harmonicamente bem construída, Save Me faz Jude amanhecer com a promessa de grandes melodias.


O tiquetaquear do relógio é acompanhado por uma crescente presença do violão, que com suas notas adocicadas e de fundo melancólico, desenha um despertar enigmático ao novo cenário. Ao som aveludadamente agudo semelhante ao trombone trazido pelo teclado de Tim Ellis, Lennon entra em cena com um timbre mais estridente e levemente nasal. Em meio ao ambiente exotérico maturado pela melodia, um cenário angelicamente transcendental começa a emergir enquanto Freedom dialoga sobre fé e a sua forte influência no personagem, que vê na liberdade a construção da lei de causa e efeito. Nesse sentido, pode até parecer que Freedom seja continuação de Save Me, afinal, enquanto na primeira o interlocutor pede ajuda para sair da escuridão, a segunda avalia as consequências dos atos, uma provável explicação para o mergulho nas energias depreciativas vivenciadas na primeira canção do álbum. É por isso que até mesmo a guitarra de Grant Ransom soa tão suavemente acolhedora.


É como o despertar de um sonho. A guitarra de Justin Clayton, em seu riff agudo, ecoa pelo ambiente de maneira serena como se fosse um chamado. Junto do teclado de notas aveludadas trazido por Bill Laurance, o instrumento acaba cooperando para a criação de um ambiente exotericamente intimista. Contudo, a voz firme, presente e levemente áspera de Lennon rompe esse cenário de calmaria como se comunicasse uma transformação na estética melódica. É então que, depois de pronunciar o verso questionador “can’t you see the war is over?”, a sonoridade é preenchida por um encorpado e swingado baixo que transforma por completo o ritmo, o tornando contagiantemente sensual. Junto da bateria de Ash Soan, que regimenta uma base macia na estrutura 4x4, a conjuntura sonora de Every Little Moment assume um caráter que mistura brilhantemente o soul e o R&B. Atraente em sua maciez, a canção é de uma visão pacifista tão intensa que, mais ainda do que o legado de Woodstock, tenta trazer a cultura da bondade, do perdão e mostrar que ninguém, é perfeito, mas que todos podem se conscientizar disso e buscar se melhorar. Every Little Moment é simplesmente uma ode ao senso de humanidade e humildade.


Macio e nostálgico, a guitarra acústica de Mark Spiro funciona como uma brisa fresca banhando o rosto ainda úmido do personagem, que se encontra admirando a maré sentado em um rochedo durante um entardecer de outono. Amadurecendo como uma verdadeira balada que funciona como um abraço aquecido e reconfortante, Not One Night é um devaneio do personagem sobre a saudade que sente daquele outro alguém por quem alimentou amor e afeto. O romance definitivamente está no ar, assim como a antítese da dor e da felicidade das emoções recíprocas anteriormente sentidas pelo par. Engrandecendo em harmonia em sua segunda metade graças à entrada uníssona do violoncelo de Vanessa Freebairn-Smith e do duo de violinos formado por Ben Jacobsen e Neel Hammond, Not One Night se transforma em algo visceralmente emocional e choroso pelo luto do término do relacionamento e pela dor da necessidade do esquecimento como forma de superação. Uma grande faixa de Jude.


Triste e gélido, o som do piano vem acompanhado de um beat eletrônico que cria uma noção pop dramática, o que é aumentada pelo sonar do violão unido às graves e pontuais notas do piano. Apesar do ambiente melancólico, Lennon surge consciente da mensagem lírica da canção, o que torna sua interpretação delicada, serena e até mesmo educada. Entre brisas lamentosas vindas do adocicado sobrevoo da viola de Zach Dellinger, Love Don’t Let Me Down flui para um refrão reconfortante em sua maciez estruturada principalmente graças ao ondulante lap steel, que causa uma ambiência tipicamente havaiana. De temática semelhante à de Save Me, mas longe do teor dramático-sombrio, Love Don’t Let Me Down é de um lirismo motivacional forte e penetrante que auxilia o ouvinte a confiar e acreditar em si próprio, a não temer as mudanças e a não dar voz à dúvida, o que extingue a possibilidade de arrependimento. 


É possível sentir a maresia fresca sendo soprada pelo vaivém das ondas que, junto à chuva e os trovões, formam o som ambiente introdutório. Um misto de nostalgia e melancolia, então, passa a dominar o emocional do ouvinte. Eis que o riff gelidamente adocicado do violão se mistura ao amaciado compasso rítmico conduzido pelo caxixi de Felix Higginbottom. Porém, Round And Round Again surpreende o ouvinte ao ter sua melodia bruscamente transformada em algo intensamente denso e melancólico graças ao riff entristecido da guitarra. Sem romance, mas ao mesmo tempo tal como Love Don’t Let Me Down, Round And Round Again mostra um personagem sedento pela superação do sofrimento. Aqui, o sofrer recai sobre a culpa e o arrependimento em torno da dificuldade de alguns em relação ao enfrentamento da dor. Contudo, tal como Jude vem mostrando, o amor é um grande, se não principal aliado no caminho rumo à redenção e à evolução do indivíduo.


O piano de Tony Moore amanhece grave e reflexivo em sua energia nostálgica. Seguido por um sobrevoo de cordas clássicas que emanam um reconfortante aconchego, cuja grandiosa harmonia construída a partir dos arranjos de Rosabella Gregory, oferece a noção de segunda chance, o renascimento. Um novo nascer do Sol. Fluindo para um primeiro verso resistente e consistente em sua precisão melódica reenergizante, Love Never Dies, que ainda recebe um vulto vindo das guitarras acústicsa de John McCurry e Charlie Corrie de maneira a aumentar a densidade melódica, surge como a companhia onipresente, aquela figura invisível que afasta a negatividade e oferece a ajuda necessária para se levantar e seguir. Essa figura onipresente é o sentimento do amor, aquele que mostra e escancara a verdadeira identidade do indivíduo e aquela que nunca abandona, independente de quem seja. É apenas necessário ter a devida sensibilidade para saber que o amor nunca morre.


Tocante em seu sobrevoo preciso e entristecido, o teclado de John Vettese entra solitário despejando doses generosas de uma melancolia contagiante. Com um primeiro verso minimalista calcado na estética voz e teclas, a canção assume uma evidente crescente na dramaticidade ao passar para a segunda estrofe a partir das feições cabisbaixas, mas sérias e céticas, dos instrumentos de corda clássicos. Breathe é uma canção que dialoga sobre a perda da fé em meio ao profundo estado de desolamento do personagem lírico. Sedento por um recomeço, um amanhecer que possa romper o vazio existencial que o assola, o interlocutor se percebe na tarefa de se desvincilhar da manipulação e do ato ludibriante. De todas as canções de Jude, Breathe é a única em que escancaradamente Lennon evidencia sua descrença no amor. É como o extravasar da tristeza perante uma sociedade global isenta de um senso comunitário e, principalmente, humanitário.


De início doce e trazendo uma indireta menção à qualidade da esperança, o teclado surge solitário em uma crescente harmonia proporcionada pela união da guitarra que, trazida por Martijn Garritsen, se mostra em processo de despertar. Ainda assim, o instrumento tem participação necessária para a ampliação da noção britpop que emana timidamente do ambiente. Com voz em tom estridente, Lennon vai convidando o ouvinte para caminhar pelo topo da canção, um momento repleto de positividade, capacidade reenergizante e até mesmo de causar um senso de empoderamento no íntimo do ouvinte. Não à toa que Lucky Ones, contagiante e marcante entre seus versos rimados, mostra que é possível encontrar a solução de qualquer problema no mundo real, uma forma de não se apoiar na má-fé e lutar arduamente para encontrar resoluções. Graças aos uuhs que banham a melodia do refrão, Lucky Ones pode ser considerada a canção de maior caráter radiofônico de todo Jude


É como uma tristeza que mistura decepção e súplica. O piano é o instrumento que puxa a introdução com feição chorosa e cabisbaixa. Mesmo com a união de elementos percussivos imputando texturas mais ásperas à melodia, a sonoridade é maturada de maneira a exalar intensa dramaticidade. Entre sobrevoos lancinantes dos violinos, Stay é uma música que, apesar de trazer um enredo que descreve a realidade de alguém que vive em um grande senso depreciativo, em que a escuridão é a mais perfeita zona de conforto, traz consigo um dever motivacional que instiga a personagem a romper esse estigma deprimente. “Don’t go, please stay”, diz o narrador como última súplica para que o personagem de Stay lute pela vida e não a venda para a desistência.


Entre um piano adocicado, uma voz aguda, de ares despropositadamente românticos e serenos, surge em cena. É Elissa Lauper entregando um diferente tipo de dulçor à canção através de seu monólogo falado em francês. Após uma estrofe cantada por Lennon, a Orquestra de Cinema de Oklahoma invade em valsas clássicas e romanceadas que recriam a energia construída no primeiro verso. Na quarta estrofe, um vocal grave e nasal entra completando o escopo melódico. É Paul Buchanan entregando mais corpo lírico à Gaia, uma canção que trata de superação, que traz o amor como caminho rumo à evolução do espírito a partir do desprendimento das mentiras, do orgulho e do medo de mostrar os verdadeiros sentimentos.


De grandiosidades harmônicas inquestionáveis. Melodias emocionantes e penetrantes. Sensibilidade sonora e delicadeza lírico-interpretativa. Jude é um álbum que cultua a paz e que estimula e acredita no melhor ângulo do ser humano. Perpetuando a bondade e fortalecendo sensos de autoconfiança, empoderamento e consistência emocional, o álbum tem no amor o elemento norteador da esmagadora maioria de seus capítulos musicais.


Indiscutivelmente criado sob uma base intensa e visceralmente dramática e dolorida, o álbum também aborda os lados sombrios do emocional do indivíduo, mas sempre com um fundo motivacional que funciona como uma ode à superação de qualquer dor e sofrimento que o ouvinte possa vir a sentir. E nessa tarefa, Julian Lennon se mostrou um verdadeiro mestre.


Com sutileza, respeito e energia, o músico inglês foi além das palavras e das rimas para mostrar, em meio aos seus 11 poemas de fundo quase religioso, que todas as pessoas podem vencer seus medos, suas dores e seus passados e atingir a evolução do espírito a partir do amor.


E nesse ponto, o amor surge muito mais do que um item ou um personagem onipresente. Ele é posto como a qualidade capaz de libertar o ser humano da mentira, da manipulação, do ódio, do orgulho e da raiva. Ele é o caminho para a bondade, para o senso humanitário, para a aquisição do senso de humildade e, principalmente, para a estruturação de um ambiente harmonicamente comunitário, ou seja, longe de culturas e conceitos individualistas.


Tendo canções dramáticas, tristes e dolorosas, mas também outras alegres e radiofonicamente contagiantes, Jude é um álbum composto por ritmos que vão do indie ao britpop, que passa do indie rock e atinge uma estética vanguardista que acaba sobressaindo totalmente perante as demais e define a estética do álbum. 


Para criar instrumentais robustos e, também, em outros momentos com minimalismo robusto e preciso, Lennon recrutou Mark “Spike” Stent para a função de mixagem. Com ele, o disco soou visceral, emocional, dramático, sofrido, mas também por vezes cru e robusto. Por meio de seu exercício, Jude adquiriu uma sonoridade harmonicamente limpa, equalizada e grandiosa, de forma que cada instrumento é notado em suas valsas particulares.


Produzido pelo próprio John Charles Julian Lennon e por Clayton, Jude definitivamente marca um novo capítulo na carreira do inglês, um capítulo que promete superar até mesmo a receptividade obtida pela mídia em relação a Volette, seu disco de estreia. Afinal, o álbum supera o conceito de maturidade melódica e oferece um caminho narrativo linear que faz com que as 11 músicas se conectem, seja de forma evidente ou subliminar.


Lançado em 09 de setembro de 2022 via Music From Another Room, Jude pode ser considerado um trabalho visceralmente dramático. De harmonias grandiosas e sensíveis, o álbum é um trabalho que acredita na humanidade, vê na superação a possibilidade do recomeço e enxerga no amor a possibilidade de uma inquestionável evolução espiritual.




















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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.