Richard Ashcroft - Acoustic Hymns Vol. 1

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Depois de 20 afrente do The Verve e 21 em carreira solo, Richard Ashcroft chega no auge do terceiro trimestre de 2021 e anuncia seu novo trabalho. Intitulado Acoustic Hymns Vol. 1, o álbum consiste no sétimo disco de estúdio do cantor em sua trajetória independente.


É como o flutuar. Aquela sensação de leveza extrema que transcende o corpóreo, que chega à alma. O vento não é mais leve que o corpo. O sereno é o que define esse perfume de notas adocicadas que paira livremente pela atmosfera. É tão belo observar como o violão assume uma química penetrante ao lado do coro de 11 violinos cintilando pela base melódica. De repente, eis que esse mesmo conjunto de 11 peças desenha o trecho instrumental icônico de Bitter Sweet Symphony, single do The Verve. Mas há diferenças notáveis entre ela e a nova roupagem a ela oferecida. Em uma existe apenas um conjunto de violinos, enquanto que, na secunda, ainda é possível ouvir as notas ondulantes de toques folk das violas de músicos como Bruce White, Reiad Chibah e Triona Milne. Com a bateria de Steve Sidelnyk fornecendo o compasso e as notas suaves do piano entregando texturas ainda mais macias que chegam a flertar com a sonoridade de Lucky Man, Ashcroft vem com sua voz igualmente suave e com pitadas de acidez entregando o lirismo crítico à rotina capitalista, do necessitar do dinheiro e não dar atenção às coisas pequenas. A rotina da pressa, do imediatismo. Da escravatura dominada pelo relógio, pelo dinheiro, pela cobiça. É interessante que Ashcroft tenha selecionado esta faixa como abertura de seu novo disco solo, afinal, mesmo depois de 12 anos ela continua atual. 


O som é ardido, estridente. Contudo, as notas do piano de Chuck Leavell já conseguem entregar pitadas de sofrimento e dramaticidade à canção que vai se construindo. Baseada na métrica do flamenco, a nova roupagem de A Song for the Lovers, faixa do primeiro disco solo de Ashcroft, a melodia possui uma divisão bem estruturada da introdução a partir do som agudo e contínuo do trompete de Dominic Glover, o qual tira parte do sofrimento e entrega um movimento que, ao menos, tenta esconder as lágrimas. Curiosamente, aqui a voz de Ashcroft assume um tom que refresca na memória o timbre de Scott Weiland enquanto que a sonoridade flerta com aquela estruturada em Losing My Religion, single do R.E.M.. Com swing eminente transmitido principalmente pelas guitarras acústicas de Steve Wyreman e Adam Phillips, a faixa se transforma em uma composição que, liricamente, é alicerçada na metáfora do romantismo quando, na verdade, aborda a insegurança e a depressão como elementos que fazem o indivíduo ir se apagando aos poucos.


Assim como aconteceu em A Song for the Lovers, existe uma energia entristecida. Trazida pelo riff linear do violão, essa atmosfera ganha melancolia com o compasso do baixo de Damon Minchella unido ao groove da bateria. Imprimindo uma temática religiosa, Sonnet, outra faixa do The Verve que assume outra roupagem no disco, aborda o desamparo, a sensação da falta de pertencimento, do estar perdido. Aberto a auxílios, o eu-lírico se mostra disposto a mudar. Na presença dos backing vocals Effie Zilch e Miko Marks, inclusive, o refrão ganha toques dramáticos extras.


A melancolia sai de cena. O ânimo parece retomar as rédeas dos sentimentos. Afinal, o ritmo se mostra mais acelerado e oferece brilhos de uma alegria nascente. Assim como na adaptação de Bitter Sweet Symphony, C’mon People (We’re Making It Now) atinge uma melodia folk que servem de base para outro lirismo religioso que, superficialmente, parece ser romântico. Em verdade, Ashcroft traz na faixa a visão de um eu-lírico que busca motivação na caminhada da vida. E nesse enredo, inclusive, o cantor recebe a companhia de Liam Gallagher a partir do refrão, quem empresta seu tom agridoce e ácido à melodia.


Seu início é grandioso e dramático de maneira que, curiosamente, relembra a melodia introdutória de Múmias, faixa colaborativa do Biquini Cavadão com Renato Russo. Puxada pelo som solitário da viola, a sonoridade ganha corpo, presença e pressão com o violoncelo de Ben Trigg e uma leveza contrastante trazida pelos violões de Ashcroft e Phillips. O interessante é que apesar dessa leveza, a dramaticidade é a base de Weeping Willow, uma faixa cujo eu-lírico busca terminar o sofrimento a todo custo trazendo, inclusive, a inclinação suicida a partir de metáforas como “the pills under your pillow”.


Eis então que o Sol se mostra por entre as nuvens densas. O gramado passa a ficar esverdeado e os brotos a florescerem. Isso é proporcionado pela melodia construtiva, alegre e reconfortante do trio de violões formado, aqui, com o auxílio de Sonny Ashcroft. É essa composição sonora que traz ao ouvinte a introdução de Lucky Man, uma faixa de lirismo cheio de beleza que retrata uma pessoa que é feliz consigo mesma, se aceita e se respeita. O mais interessante é que, mesmo passados 24 anos desde a composição da faixa, R. Ashcroft ainda possui o mesmo timbre e a mesma textura vocal. Não à toa, a melodia repaginada da faixa a torna a mais emocionante e completa de Acoustic Hymns Vol. 1.


A energia bucólica é propagada com o riff introdutório do violão. Uma sensação de tranquilidade e amenidade rurais abrangente e até mesmo reconfortante é trazia com o auxílio das notas suavemente agudas do teclado. Apesar de inicialmente explosiva, ela traz consigo um singelo parentesco emocional com Segredos, single de Frejat.  Com o lirismo de caráter mais religioso do disco, This Thing Called Life é imersa em uma temática que flerta com o gospel ao proporcionar um coro de vozes abertas e ecoantes. Não por acaso, a letra da faixa é de uma beleza singular, pois exorta a fé, a sensação de proteção e a autoconfiança em seguir adiante.


Tranquilidade, mas não minimalismo. Apesar de soar levemente acelerada, a melodia introdutória de Space & Time traz, além do caráter folk, temperos country que remetem a nomes como Carrie Underwood e Steven Tyler. No que tange o lirismo, a canção é mais uma da lista de canções selecionadas para compor Acoustic Hymns Vol. 1 que traz a mensagem da fé e da perseverança.


O violão presente na introdução fornece uma sensação diferente. Não é apenas tranquilidade ou suavidade melódica. Ele proporciona o estalar da reflexão. Em meio ao folk, a estrutura sonora minimalista, lenta e pausada serve de cama para um lirismo que trata de uma pessoa maltratada e judiada pela vida. Como o próprio eu-lírico desabafa, “and life is a game”. Um jogo que sempre tem, no amanhecer, a chance de fazer uma nova fase. Eis Velvet Morning.


O teclado oferece a mesma levada reflexiva que o violão proporcionou em Velvet Morning. Com crescente melodia, a sonoridade de Break the Night With Colour ganha contornos de luz, suavidade e um compasso estimulante que cativa o ouvinte conforme o eu-lírico divaga sobre a busca pelo caminho correto, a fuga da negatividade e o comportamento social de esconder dos olhares o sofrimento que exala da pele. No que tange a melodia, a beleza e o protagonismo são brilhantemente entregues pela sincronia entre os bailares dos riffs dos violões.


Sem grandes firulas na introdução, One Day recebe rapidamente os vocais de Ashcroft, que é acompanhado nitidamente pelas notas graves e dramáticas do violoncelo. Mais introspectiva que as demais, mas ainda entregando cores reconfortantes, a canção traz um lirismo que confronta o eu-lírico para que ele veja o lado bom da vida e se despida das amarras sofridas do passado. É como o narrador diz “one day maybe you’ll cry again just like a child”.


É quase uma valsa triste. O piano abre espaço para uma dança sinuosa de violinos cujas notas sobrevoam a superfície com um perfume aveludado e melancólico na mesma medida. Um lirismo que consegue transmitir o misto de nostalgia e melancolia sentido pelo eu-lírico é iniciado acompanhado de uma mensagem sobre a velhice, a morte, a solidão, a esperança e a fé. The Drugs Don't Work ​é uma mistura de sentimentos e crenças que abraçam a todos quando o momento de partir se aproxima. Para aqueles que ficam, a saudade. Para os que se foram, o prazer de uma vida vivida junto com a tristeza de não mais poder conviver com seus entes. 


Não tem nada para dizer sobre Acoustic Hymns Vol. 1 a não ser que ele consiste em uma compilação de canções tanto da carreira solo quanto dos tempos em que Ashcroft integrou o The Verve cujos lirismos são, por si só, ensinamentos de como viver e enxergar a vida da melhor maneira. Em uma clara adaptação ao título de Urban Hymns, álbum icônico do The Verve, o novo disco de Richard Ashcroft oferece melodias que transcendem o sentimentalismo.


Regado em instrumentos clássicos e mesclando ambiências rítmicas que vão do folk ao country, o disco assume a qualidade de ser audivelmente atrativo e contagiante. Ao mesmo tempo, pelo caráter das letras das canções escolhidas para compor a track list, o disco passa a ser referido como um produto gospel.


Um gospel diferenciado, diga-se de passagem. É como se, com Acoustic Hymns Vol. 1, Richard Ashcroft pedisse licença para entrar para o time de bandas como Sanctus Real, Skillet e, nacionalmente, a ID2. Afinal, seu ritmo sedutor e suas letras de linguagem não apelativa podem fazer com que diversas pessoas sejam tocadas pelas mensagens líricas e vivam de uma maneira melhor.


Lançado em 29 de outubro de 2021 via BMG, Acoustic Hymns Vol. 1 é um disco cujas releituras harmônicas são capazes de emocionar mais do que as letras. Um produto que tira lágrimas e arrepios e que propõe um novo olhar sobre a vida. O homem como soldado. A fé como general. 

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.