NOTA DO CRÍTICO
A banda é manauara, mas o trabalho é um misto de sudeste e sul. Gravado entre as cidades de São Paulo e Curitiba a partir de cinco estúdios, é chegado o terceiro disco de estúdio do Supercolisor. Intitulado Viagem ao Fim da Noite, o álbum tem produção de Ian Fonseca e Jérôme Gras.
O piano sopra suas notas. Uma voz forte e grave entra entregando um peso diferenciado a Nada é Melhor. É Fonseca que vem com uma série de questionamentos, fazendo com que a canção funcione quase como um monólogo. De teor dramático, a canção ainda tem por meio de Sergio Coelho e Reynaldo Izeppi, notas de trombone e trompete que entregam movimento ao enredo. Um ponto curioso é que a música possui um turning point que se desvencilha dessa dramaticidade propriamente dita e caminha para uma melodia que nada mais é do que um blend. Em apenas um trecho é possível perceber a influência do jazz, do samba, do baião.
Com sonoridades exotéricas tomando passagem, é chegada Um e Meio, uma canção em que as linhas do violão formam notas de samba que funcionam como a base rítmica. Na mesma temática de Nada é Melhor, a faixa traz um lirismo que não é um monólogo, mas reafirma a reflexão sobre a vida e sobre o acaso com um conteúdo sobre reencontros. No segundo verso, uma novidade. Tuyo empresta sua voz afinada trazendo outro olhar sobre o mesmo tema.
É Henrique Meyer quem puxa a intro de Torto. Sua guitarra levemente swingada e em tons alegres dá passagem para um groove simples, mas contagiante da base formada pelo baixo de Gras e da bateria de Natan Fonseca. Aqui o conteúdo lírico não é pesado ou denso, pois narra um acontecimento com pitadas de humor. É interessante notar que é na canção que se firma a ideia de que, quando Fonseca emposta a voz, ele assume tons que o assemelham a Seu Jorge.
Assovios, um groove sutil, violão cintilante. Esse é o escopo de Pardal, uma música calcada no blues e com presença destacada das notas do baixo. Aqui, a sanfona de Marc Thiessen entrega um ar mais francês e romântico a essa canção que, assim como Torto, fala de amor.
É quase como se pudesse sentir um véu de seda ou a liquidez da água caminhando pelo corpo. Esse é o efeito causado por Sempre, uma música sedutora, de ritmo aveludado e instrumentação milimetricamente executada. Novamente o som do acordeon é empregado para entregar mais romantismo, detalhe que também é aumentado com a entrada da voz quase sussurrada de Leo Fressato no segundo verso. Portanto, Sempre é feita inteiramente de delicadeza e sutileza.
Pelo seu instrumental introdutório mais agressivo com relação aos já apresentados até aqui, Estrada é uma forte candidata para single lado b. Trazendo uma agonia latente, um pedido de socorro por parte do eu-lírico, a música possui um refrão de forte apelo comercial e frases de efeito como “Tudo vai passar” e “Nada vai mudar em vão”.
Por meio de uma melodia mais pausada, Incêndios é uma música metafórica em que o comparativo entre o fogo e a impulsividade é o resultado do ato de mudança. Trazendo uma mudança rítmica no que diz respeito à sonoridade e à velocidade, a música apresenta, ainda, um refrão com base no blues e uma ponte com Victor Meira trazendo uma narração sobre o sentir expectativas.
Apenas pelos cantarolares na introdução e pela visível melodia alegremente amena, é possível supor que Eu Não Te Esqueci é um dos singles de Viagem ao Fim da Noite. Sua melodia, que lembra vagamente aquela empregada em Fada, single da dupla sertaneja Vitor & Leo, é contagiante e sedutora, envolvente e sutil. Essa mesma sutileza persiste até mesmo no refrão, mesmo que esse momento da música aumente o poder de atração do ouvinte por meio da cadência lírica. Por isso, este é o principal single do disco.
Torto (Reprise) é aquela música em que o ouvinte acompanha atento à narração apresentada por Maurício Pereira, pois cada detalhe é um fash. Cada fala traz um riso consequente da semelhança entre a vivência tida pelo eu-lírico e pelo próprio espectador.
A faixa-título é uma música em que o lirismo revela que o cair da noite na cidade é um convite para remexer as memórias e lembrar de quem já se foi. Ela é, também, uma faixa cujo instrumental é mais potente, envolvente. Fator que se revela após o refrão com um punch sonoro que carrega uma dramaticidade inconstante.
Viagem ao Fim da Noite é um disco de musicalidade elevada. É um disco em que a melodia das canções parece linear, mas ela sempre guarda, em cada um dos 10 capítulos do disco, surpresas que fazem os pelos dos ouvidos eriçarem. Afinal, dentro de toda a sutileza que foi apresentada, há sempre um elemento que quebra a tranquilidade e encerra a monotonia.
Isso tudo graças ao extenso time de músicos recrutados para compor o enredo sonoro do disco, o qual conta, ainda, com Phellyppe Sabo, Lenon Rodrigues, Denis Mariano e Charles Tixier. Mas nada disso teria valor se o trabalho de mixagem não fosse eficiente. Afinal, é ele que garante que cada instrumento seja ouvido em toda sua totalidade.
E nesse ponto houve empenho por parte de Bruno Giorgi, pois ele conseguiu manter a energia de cada canção de tal forma que os instrumentos empregassem, na medida, as suas interpretações. Claro que por vezes existem aqueles que por si só se destacam. Por isso a mixagem no caso de Viagem ao Fim da Noite foi importante, para fazer com que esses sons potentes não ultrapassassem o limite sugerido.
Mas limite é algo que o Supercolisor não parece saber o que é. Até porque, se em uma música se percebeu influência de inúmeros ritmos diferentes em uma melodia que só ganhou com isso, a expectativa para novas faixas, EPs ou discos assim se torna grande.
Lançado em 05 de fevereiro de 2021 via Invern Records, Viagem ao Fim da Noite é um trabalho de melodias atraentes e reflexivo, detalhe latente até mesmo na arte de capa de Meira. A composição do encarte reproduz melancolia, incerteza, mas também proporciona tranquilidade e reflexão. Tudo isso está dentro do disco.Tudo pronto para ser degustado.