Sunroad - Walking The Hemispheres

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (8 Votos)

A banda é brasileira, mas seu gênero musical é inglês com influência do clima tropical do estado estadunidense da Califórnia. Com 22 anos oficiais de estrada, a hard rock Sunroad anuncia o lançamento de seu nono disco de estúdio. Intitulado Walking The Hemispheres, o álbum é o 10º trabalho discográfico do quinteto.


Um som gutural e ácido paira pelo ambiente. O teclado, cujas notas encorpadas e entorpecidamente aveludadas dão um ar catedrálico ao ambiente sonoro em formação, acompanha os ruídos proporcionados pelos amplificadores do trio de guitarras, os quais inserem toques de aspereza na introdução. Tais ingredientes fazem com que, apenas com os primeiros segundos de execução, a faixa-título molde uma estrutura fortemente influenciada no despertar de Perfect Stranger, single do Deep Purple. Após um breve solar do teclado, eis que a canção enfim toma forma. Explosiva, selvagem e sensualmente oitentista, a roupagem da faixa-título é constituída através de uma receita baseada na mistura de Mötley Crüe, Whitesnake, Deep Purple e Sunstorm. Após gritos rebeldes da guitarra solo, uma voz grave e rasgada num blend de Bon Scott e David Coverdale preenche o desenho melódico. É Steph Honde consagrando sua estreia a frente do microfone da Sunroad. Contagiantemente acelerada por conta do rápido compasso da batida da bateria de Fred Mika, a canção, apesar do inegável protagonismo das guitarras agressivamente swingadas, tem no baixo o groove e a precisão que dão a força e a potência necessárias para tornar a presente canção um perfeito cartão de visitas para os ouvintes de primeira viagem do quinteto. 


Sutilmente melancólica, a guitarra solo grita em um lamento cuja afinação pende para um power metal melódico enquanto a base rítmica traz temperos mais metalizados que, aqui, funcionam como intensificadores de sabor. Com bateria limpa desde o início, Living in a Dream (Red Sign Mirror) é uma música bem cadenciada cuja sensualidade, mesmo não atingindo os mesmos patamares da música-título, possui prestígios quanto à sua estruturação no refrão por ser melodicamente grudenta. Além disso, o solo presente na finalização da faixa é, ao mesmo tempo ágil e macio, criando uma dicotomia rítmica interessante.


Pedais duplos intensamente sequenciais. Os golpes no prato china funcionam como relâmpagos em meio às rajadas de trovões proporcionadas pelo punch do som grave do bumbo. Eis que as guitarras de Neto Mello, Mayck Vieira e Van Alexandre recriam a sensualidade da faixa-título com pitadas extras de agressividade, o que, consequentemente, proporciona uma estruturação hard rock europeia tal como faz a banda alemã Pink Cream 69, com especial menção ao single A New Religion. Trazendo ainda um flerte melódico com Edge Of Tomorrow, single do Sunstorm, Silence Erupting Inside apresenta Honde com um vocal mais rasgado, o que acaba entrando em concordância com uma estruturação sonora mais agressiva. Por essas razões, a presente faixa pode muito bem ser incluída na lista de singles lado b de Walking The Hemispheres.


Seguindo a mesma base, mas fugindo ligeiramente da agressividade presente na faixa anterior, Crawling Back And Ahead chega com a promessa de ser a balada hard rock do álbum, pois sua levada sensualmente macia traz uma melodia semelhante àquela presente na introdução de Separate Ways, single do Journey. De estrutura contagiante, assim como na faixa-título a presente composição traz um forte e preciso groove do baixo. De fato, as cores pastéis e os perfumes adocicados emanados pela melodia fazem com que Crawling Back And Ahead seja a canção mais comercial do disco e, portanto, o single de maior apelo radiofônico.


Com uníssono entre guitarras e teclado, a introdução indica uma melodia dramática. Porém, quando a guitarra solo grita de maneira melosa, a canção assume uma estrutura rítmica perigosamente melódica. Afinal, o desenho firmado entre a batida em 4x4 da bateria, as guitarras base assumindo afinação mais grave e a guitarra solo de gritos arrasadoramente rebeldes forma uma paisagem sensualmente selvagem tal como aconteceu em If I Was Your Mother, single do Bon Jovi. Com a presença de um teclado cujas notas assumem tons aveludadamente psicodélicos, Shoot The Clock é a perfeita definição do subgênero hard rock. Afinal, ela possui os principais ingredientes que a firmam como tal: letra sobre aproveitar o momento, melodia grudenta com misto de chiclete, selvageria e sensualidade. É na presente faixa que, inclusive, Steph Honde mostra mais de sua extensão e poderio vocais. Shoot The Clock se posiciona ao lado de Silence Erupting Inside na lista de singles lado b de Walking The Hemispheres.


Com vocal mais empostado e grave, Honde é acompanhado por um piano de notas graves na introdução, fazendo com que Witten In The Mist receba e emane energias mais dramáticas. A entrada, em seguida, das notas aveludadas do teclado e um lirismo melancólico fortificam ainda mais essa caracterização dramática. Com influência estética de Confortably Numb, single do Pink Floyd, a presente faixa ainda possui uma lamúria latente extravasada pela guitarra solo após o refrão que melancolicamente atraente.


É como a fusão das décadas de 60 e 70. Blues e ácido. Veludo e psicodelia. Essa é a combinação melódica oferecida por Mighty Beauty And Its Chaos, um interlúdio exotérico-hipnotizante que dá passagem para The Mess And Its Key, uma faixa que, logo nos seus primeiros segundos de execução, exala groove e uma sensualidade áspera. Selvagem, ela é rodeada por gritos da guitarra solo e possui uma base potente emaranhada por um baixo de frases precisas e um vocal rasgado perigosamente encantador. 


Grandiosa, épica e clima de festa como as músicas do Boston. Este é o resultado de uma entrada baseada em guitarras distorcidas e um teclado de notas alegres e crescentes. Grudenta, contagiante e melódica, Halo Of Hearts é alegremente uma balada comercial de Walking The Hemispheres cuja estrutura foge ligeiramente da zona de conforto do Sunroad por imergir em um ecossistema misto de bubblegum com levada pop. Uma faixa que pode ser considerada como uma encomenda para as rádios divulgarem o trabalho do quinteto justamente por conta de sua estrutura musicalmente mais popular.


Pela introdução de Victim Of Nowhere, a faixa poderia muito bem ser pertencente do catálogo de canções do Whitesnake. Sensual e com guitarras distorcidas em afinação aguda, a canção funciona como uma luz solar amena de fim de tarde banhando as areias brancas de uma praia deserta. Afinal, mesmo tendo momentos de sobressalto, a guitarra solo é macia e a base possui uma estrutura agridoce que casa bem com a proposta da faixa. 


Metalizada e com flertes de power metal, Detached Pictures Of Venus é ao mesmo tempo suja a tal ponto que flerta com a melodia proposta em The Devil’s Bleeding Crown, single do Volbeat. Recheada de pedais duplos no pré-refrão, a canção ainda tem traços de rockabilly e groove metal, subgêneros que se convergem por entre as fases narrativas da canção. 


Try Me, a provável origem das bases melódico-estéticas de potentes singles radiofônicos como Always, do Bon Jovi, e Fly Away From Here, do Aerosmith. É o cover desta faixa setentista de crédito do UFO que encerra Walking The Hemispheres. Fora o vocal mais grave e forte de Honde, todos os outros elementos seguem fidedignamente os originais. Afinal, a interpretação lírico-melódica segue a mesma linha emocional e romântica daquela assumida por Phil Mogg e companhia. 


Walking The Hemispheres é sem dúvida um dos poucos produtos nacionais expoentes do típico hard rock com qualidade internacional. Afinal, sua estrutura consegue ser melódica, contagiante, sensual, agressiva e selvagem na mesma medida. É quase a perfeita recriação de uma Sunset Strip dos anos 80.


Essa atmosfera serviu para apresentar ao público o novo vocalista do Sunroad. Steph Honde é francês e entregou ingredientes engrandecedores para a sonoridade hard rock exalada pelo quinteto.


Sua voz é rouca, rasgada e tem ampla extensão. Com consciência e precisão vocais, o timbre emanado por Honde consegue ser sujo e simultaneamente aveludado. Consegue se assemelhar tanto com Chris Cornell, quanto com Ritchie Kotzen ou mesmo Bon Scott e David Coverdale. Um cantor com diversas facetas.


Além de dar as boas-vindas a Honde, Walking The Hemispheres serviu como despedida para os integrantes Mello e Vieira e a consequente recepção de seus respectivos substitutos Warlley Oliveira e Akacio Angels. Parece frase feita, mas os novatos terão de treinar um bocado para recriar, nos futuros shows do Sunroad, toda a química, precisão e groove estruturados pelos ex-integrantes. Afinal, influenciada pela estrutura do Iron Maiden, é uma marca do Sunroad uma sonoridade potente baseada na métrica voz, teclado, baixo e, em especial, três guitarras. 


Por fim, mas não menos importante vem a arte de capa. Feita por Lars Nilssen, ela traz uma mensagem complexa a partir de um resultado caseiro. Afinal, uma iguana em tamanho desproporcional se encontra sobreposta sobre a imagem de um centro urbano em uma clara alusão do encontro do selvagem com o civilizado. Porém, essa mesma interpretação deixa dúvidas crítico-reflexivas sobre qual é o verdadeiro lado da civilidade: a do animal que vive seguindo o instinto ou o ser humano que parece seguir cada vez mais seus próprios interesses.


Lançado em 30 de julho de 2021 via Musik Records, Walking The Hemispheres é um disco sensualmente selvagem que foge da zona de conforto goiana do sertanejo universitário, pousa na Inglaterra e pega elementos estadunidenses. Dessa viagem entre hemisférios é que nasce o disco: um produto recheado de swing, levadas cadenciadas e um ritmo indiscutivelmente cativante.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.