NOTA DO CRÍTICO
Poucos meses depois do lançamento de Cigarettes and Dear Loneliness, seu primeiro EP, a Stoned Hare surpreende e anuncia seu mais recente projeto. Intitulado Lullabies, o álbum continua sob os cuidados da produção de Nicolas Carvalho, que agora, na função, possui auxílio do já companheiro Izzy Castro.
Um som sinistro, de temor, como o vento soprando nas noites frias e escuras. É curioso como a introdução de This Lullaby, com sua energia e roupagem inquisidora, causa certa expectativa mórbido-masoquista no ouvinte. Como uma brisa repentina, a bateria de Castro surge com repiques acelerados dando início à instrumentação da canção. Rápida e com estética do rock alternativo e do post-grunge, ela é preenchida pela presença marcante de uma guitarra de riff em tom alegre, mas cuja distorção a deixa agressiva e, ao mesmo tempo, sádica. Já na segunda estrofe, quem se destaca é o baixo de João Marcelo, que, com um groove contagiante, se une harmonicamente às linhas da guitarra. No quesito lírico, por sua vez, Carvalho imprime, em sua interpretação calcada no idioma inglês, um vocal mais anasalado influenciado por nomes do grunge como Layne Staley e Chris Cornell. Pela construção, melodia e peso, a faixa de abertura do álbum assume caráter de single.
Uma guitarra firme e de dedilhados sombrios se faz presente nos primeiros instantes de The Wolf’s Waiting, uma música cheia de punchs sonoros pontuais e um vocal nitidamente limpo e claro. Na questão lírica, Carvalho consegue imprimir sensualidade ao mesmo tempo em que seu vocal se firma como parte integrante daquela sinistres instrumental. Como um todo, a canção consegue atrair o ouvinte para si, mas com menos força que sua antecessora.
O rock dos anos 70 possui um revival em Holy Sh’t (Seven Feet Down). A melodia, com ampla participação do teclado, remete o blues rock ao estilo de canções como Roadhouse Blues e Love Me Two Times, do The Doors. Ao mesmo tempo, porém, a guitarra, de ampla distorção, coloca uma agressividade malandra que entrega um ritmo mais sensualizado à canção. Já a bateria, em repiques acelerados e com frases de golpes firmes, remete ao padrão sonoro de Taylor Hawkins, baterista do Foo Fighters. Com uma melodia excêntrica, a canção tem grande potencial de single lado b.
De melodia singular, a introdução de If You Disappear curiosamente, e talvez por conta da forte marcação do baixo, remete à estética de Separate Ways, single do Journey. Com sensualidade superior à canção anterior, a música possui uma estética que mistura elementos do synthpop com o rock oitentista.
Assim como em Holy Sh’t (Seven Feet Down), o teclado é um dos elementos principais na construção da harmonia, mas aqui, na presente faixa, ele assume uma forma mais ácida. Apesar disso, o que se forma em Evil Mind é uma balada extremamente melódica, agradável e contagiante que possui guitarra de riff ondulante e um movimento fresco sem parecer imaturo.
Lies and Crimes já começa de forma diferente. Com o rock sendo novamente o gênero protagonista, a introdução da canção de cara possui uma guitarra extra que, sem infantilidade ou mimo, grita e se destaca entre os demais instrumentos. É William Barbosa conquistando seu espaço nessa que é uma música amplamente groovada e cujo baixo possui uma marcação estridente e necessária. Melódica e com ritmo contagiante, a música é mais uma faixa a se somar no time dos singles de Lullabies.
A guitarra puxa Rabbit Hole, mas é o baixo com sua marcação já característica quem rouba a cena. Barbosa repete a dose de destaque de Lies and Crimes durante a presente faixa com seus hammer on e pull off. De todas as faixas até então apresentadas do álbum, porém, essa é a música com o refrão mais excitante e intrigante. Afinal, ele consegue elevar demasiadamente o nível de adrenalina no ouvinte. Outro single, mas esse, assim como Holy Sh’t (Seven Feet Down), é lado b.
Entre chiados, o teclado se apresenta em notas frias, melancólicas e tristes, mas não fúnebres. Com a explosão rítmica, Invisible ganha peso e uma noção fantasmagórica trazida pelo efeito do teclado. Sua melodia, calcada no rock alternativo, possui um ápice atrativo na entrada da segunda estrofe a partir de linhas harmônicas mais atrativas.
A primeira coisa a se dizer sobre a Stoned Hare é a nítida evolução e amadurecimento sonoro observados entre Cigarettes and Dear Loneliness e Lullabies. O som se apresenta com mais pressão e consciência. A pronúncia do inglês de Carvalho também demonstra evolução e a mixagem, por sua vez, está mais limpa e bem feita.
Não só isso. Na questão melódica, o grupo parece ter se desprendido mais de suas raízes rítmicas e se inserido de forma mais profunda em um universo de sonoridades próprias que, claro, é oriundo da fusão de influências entre os integrantes da Stoned Hare. Por isso, Lullabies é um grande passo na conquista de um espaço autoral e de identidade própria do grupo.
Como exemplos dessa conquista estão músicas como This Lullaby, Lies and Crimes, Holy Sh’t (Seven Feet Down) e Rabbit Hole. Elas não escondem as influências do grupo, mas assumem formas autênticas ao mesmo tempo em que conquistam o público com suas melodias atraentes.
Diferente da capa de Cigarettes and Dear Loneliness, a arte de Lullabies foge significativamente do caráter sensual. Assinada também por Carvalho, a arte do presente trabalho denota um sentido de crítica social que pode ser percebido através do personagem central: um homem aparentemente de papel, engravatado e sem feições. Ainda que essa seja a ideia por traz da arte, ela não casa de forma completa com os títulos e os teores líricos das canções, os quais transitam entre assuntos como amadurecimento, relacionamento e relação com a morte. De todo o modo, uma coisa é certa: a arte é ousada em sua essência.
Lançado em 10 de março de 2021 de forma independente, Lullabies não é mais experimental ou cru. É maduro, preciso e consistente. Enquanto Cigarettes and Dear Loneliness serviu como um chamado em busca de atenção da mídia, o presente trabalho foi simplesmente a confirmação da competência da equipe por trás da Stoned Hare.