NOTA DO CRÍTICO
Quando se chega próximo do aniversário, é natural que sentimentos nostálgicos fiquem salientes nas pessoas. Movido por ele ou não, dias após a comemoração de 76 anos de vida, Alice Cooper lança no mercado Detroit Stories, álbum recheado de músicos detroiters, assim como o batizado Vincent Damon Furnier.
Voz rasgada, groove, swing. Ingredientes típicos de um som hardrock. Não por menos, é assim que se pode definir Rock & Roll, uma música que comprova que a questão de idade não é sinônimo de enfraquecimento. Cooper se apresenta com vocal em ótima forma, permitindo uma interpretação lírica afinada em união à harmonia e melodia sonora criadas pelos instrumentos. Os destaques no time musical são Paul Randolph, que coloca pressão e cadencia no baixo, e Joe Bonamassa, que imprime seu DNA blues na guitarra solo. Contudo, é inegável que a química existente entre eles e os músicos restantes, tais como Johnny ‘Bee’ Bedanjek, Garret Bielaniec, Steve Hunter, James Shelton e o próprio produtor do álbum, Bob Ezrin, permitiu a criação de um pré-refrão tão contagiante e cativante quanto o próprio refrão. E é justamente na ponte instrumental entre refrão e a segunda estrofe que Ezrin e Shelton se destacam. Afinal, seus órgãos colocam novas cores do blues que se somam às tonalidades já impressas por Bonamassa.
Rápida e com temática pop punk setentista, Go Man Go é sedutora e possui um coro de presença primordial tanto para a atração do público quanto para a criação de um ambiente elétrico e ativo. Na canção, as guitarras de Mark Farner e Wayne Kramer são blues, mas são agressivas. Elas gritam ao mesmo tempo em que ficam na base rítmica entregando a aspereza típica do gênero.
Uma melodia mais alegre e feliz, ao estilo propaganda de margarina, se cria em Our Love Will Change The World, uma música cheia de compasso e com a aparente presença de dois refrões por conta da sonoridade melódica e da presença de frases-chiclete.
Social Debris vem com um gosto acentuado de ‘lar’. Na canção, Cooper conta com o auxílio de seus companheiros de longa data na idealização da harmonia e melodia. Michael Bruce, Dennis Dunaway e Neal Smith, juntos, criam uma atmosfera metalizada com a soma do swing, fazendo com que a divisa entre o metal e o hardrock fique ainda mais tênue. Calcada na batida do blues, a canção funciona como uma balada com toques sutis de groove por parte do baixo e um solo de guitarra com linhas rápidas e agressivas.
Cheia de swing e sensualidade, o ritmo de $1000 High Heel Shoes possui base no funk. Na segunda estrofe da canção, a melodia cresce com o tempero extra do saxofone de Keith Kaminski, fazendo com que o aroma funk se funda a elementos do R&B, como o coro composto por quatro vozes femininas vindas de Carla Camarillo, Camilla Sledge, Debra Sledge e Tanya Thillet. As pontualidades das notas aveludadamente agudas do órgão de Shelton, por outro lado, também auxiliam em demasia na criação de um ambiente majoritariamente R&B.
Com guitarra distorcida, mas com ausência total de agressividade, Hail Mary é uma canção blues rock que possui, ainda, toques de swing. Esses toques, contudo, em nada se assemelham àquela exaltação da sensualidade percebida na canção anterior. Aqui, o fator swing serve apenas para dar uma fluência no movimento harmônico.
Duas guitarras. Uma é rebelde e se mantêm a espreita, lançando suas asperezas. A outra é inconformada, se colocando, constantemente à frente da melodia. É exatamente esse toque áspero, unido às linhas da bateria, que criam uma estética groovada de peso em Detroit City 2021. Uma ode à Detroit, a música possui refrão contagiante com temperos salgados impressos pelo vocal rasgado de Cooper.
A gema. A origem. O nostálgico. O blues em todos os seus aspectos, desde as linhas compassadas do baixo, a participação 4x4 da bateria à guitarra de estética melódica, molda a estrutura rítmica de Drunk and in Love. Lembrando o som criado por ZZ Top, a canção não poderia possuir a harmonia formada sem contar com a assinatura de Joe Bonamassa. De voz mais limpa e clara, Cooper apresenta uma letra cômica que combina bem com a harmonia da canção.
Quase com uma marcha militar extremamente acelerada, Bedanjeck se une às frases pontuais e precisas de Dunaway para dar base ao canto acelerado em estética de rap de Cooper. Esse é só o despertar de Independence Dave, uma música que reforça a estética blues rock já afirmada em Hail Mary. Porém, aqui a melodia possui detalhes extras como a inserção de percussão por parte de Tommy Henriksen. Assim como em Drunk and in Love, Cooper apresenta uma letra de teor cômico. Aqui, porém, contando as vontades e rebeldias de Dave, o personagem central, o hilário possui uma exaltação, fazendo com que o ouvinte ouça a canção com um sorriso descontrolado.
Guitarra em riff acelerado, grave e distorcido. Bumbo fazendo a contagem do tempo. Crescendo progressivamente, quando a harmonia atinge seu ponto máximo o baixo entra entregando groove e, o vocalista, por sua vez, vem com um lirismo quase bêbado listando diversos porquês do ódio. Essa é I Hate You, uma música que deixa clara a tendência de Cooper pela união de elementos cômicos junto ao seu hardrock característico.
Com uma voz mais sensual e empostada, Cooper surge na companhia de um baixo de linhas igualmente aveludadas em Wonderful World. A guitarra, por trás, dá seus toques de salgados, mas não rebeldes ou mimados. São responsáveis e contidos. Porém são frases líricas como “I wanna get in trouble with you” e “I wanna hit and run with you”, apesar de surgirem no início, ficam marcadas na mente do ouvinte.
Na 12ª colocação vem Sister Anne, cover de MC5. Obviamente calcada no rock, a roupagem feita por Alice Cooper pende para o hardrock de forte cadência bluesada, lembrando estéticas como a adotada em Jailbreak, single do AC/DC. Por ser versão para álbum, a canção apresenta um som quase estridente, mas que nada interfere na degustação melódica. Com três guitarras compondo a harmonia, a base rítmica se mostra pesada, mas sem agressividade. Afinal, o mote aqui é dar vasão ao fator de sedução da canção, que é o swing. Mas existe, no instrumental, outro fator sedutor. Cooper, assim como fez em Drunk and in Love, surpreende ao apresentar uma flauta que grita na busca por espaço, mas completa de forma surpreendente a musicalidade da canção.
Hanging on by a Thread (Don’t Give Up) vem com uma sonoridade de tons mais baixos. A estrutura, portanto, se assemelha com aquela construída nos versos de Stranger in My Life, som do Mr. Big. Por essas razões, a introdução da faixa se mostra diferente de todas as anteriormente executadas, mas é Alice Cooper que salienta essa heterogeneidade. Surgindo em uma fala em tom de narração, ele expõe todos sentimentos, aflições e situações vividas pelas pessoas durante a pandemia do Coronavírus. E para oferecer um sopro de esperança, a frase “But look, you’ve got seven billion brothers and sisters living in the same boat. So, don’t panic! Life is a way of surviving and going on and on” ecoa como um mantra na mente do ouvinte. Cooperando para imprimir peso à questão harmônico-melódica está o guitarrista Matthew Smith.
Recuperando o ânimo do ouvinte e fugindo do ambiente melancólico e fúnebre da faixa anterior, Shut up and Rock traz blues, traz distorção, traz energia positiva e excitação com sua melodia acelerada. A guitarra de Tommy Denander é um grande auxiliador para fazer esse cenário acontecer, pois seus riffs flertam com o punk e com o grunge ao mesmo tempo em que ecoa a essência hardrock. Curiosamente, o baixo de Jimmy Lee Sloas se une a essa melodia com linhas bem marcas, compassadas e bluesadas. De refrão-chiclete, a música bem pode ser considerada um single lado b.
Como saideira, está East Side Story, uma música de melodia suja tal qual o grunge. Com groove tal qual o blues. É uma música que anima, mas ao mesmo tempo oferece ao ouvinte um gosto de despedida. Não é melancólico ou nostálgico. Mas a forma como a melodia se apresenta dá essa noção de ser a última faixa.
O 21º álbum solo. Mas se outros preferirem, Detroit Stories está na colocação 28 na prateleira de discos já lançados por Alice Cooper. Como lançamento, o álbum é uma ode à terra natal de Cooper, um trabalho que mistura diversos subgêneros do rock em um único produto.
Nele se percebe o grunge, se percebe o blues, se percebe o blues rock, o metal, o punk. Em Detroit Stories cada uma de suas 15 faixas atende a um público específico do universo rock and roll, mas de maneira a unir cada um deles na construção de uma única plateia.
Produzido por Bob Ezrin, o disco consegue oferecer um Alice Cooper em forma, com vocais diversos e, claro, na companhia de vários músicos conterrâneos. Mas existe um elemento que merece destaque.
Apesar de o conteúdo melódico e rítmico não ser sombrio, a arte de capa de Detroit Stories recria aquela imagem noturna, obscura e sombria tão obtida pelo senso comum a respeito de Cooper. Apresentando uma noite escura e nebulosa, a capa traz, no centro, um prédio em chamas. Mas o que chama a atenção são os dois grandes olhos localizados acima desse edifício e iluminados por faróis tal como faz a polícia para chamar o Batman nos filmes do respectivo herói. Esses olhos, enfim, são uma clara referência aos olhos de Cooper, os quais são carregados de sombra preta, criando um ar sombrio e agressivo ao cantor.
Lançado em 26 de fevereiro de 2021 via earMusic, Detroit Stories é um álbum acima de tudo nostálgico. Parece, porém, que subliminarmente a intenção de Alice Cooper foi parafrasear Ozzy Osbourne em uma de suas icônicas frases distribuídas por entre as músicas de No More Tears e dizer: Mama, I’m Coming Home!