Siso - Vestígios

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Pouco menos de dois anos depois do anúncio de S2, o mineiro Siso anuncia um novo capítulo de sua jornada solo iniciada em 2010. Intitulado Vestígios, o álbum é composto por releituras de canções lançadas entre 2000 e 2010 e assume o posto de terceiro álbum individual do também produtor e compositor.


Um dulçor embriagante em sua valsa nostálgica e macia. Com base no samba graças à levada da bateria de Gabriel Bruce, a canção vem com um tímido swing que abraça o ouvinte com sua energia amena e delicada. Interessante notar que, ao fundo, um sonar ácido como o órgão hammond vem do sintetizador e dá uma harmonia quase clássica à melodia que ainda se encontra em processo de maturação. Mesmo com tantos elementos, é inegável que o que salta aos ouvidos é o riff agudo e delicado que sai da guitarra de João Victor Santana Campos como uma brisa repleta de frescor. Quando enfim uma voz de timbre levemente grossa e rouca entra em cena a partir de Siso, a canção começa a demonstrar contornos mais firmes de um indie experimental. Trazendo semelhanças estilísticas com a melodia propagada pelo Supercombo por conta de um estado melancólico inebriante, Cor De Jasmim é uma canção que capacita o ouvinte a ter sensibilidade de, por meio da sonoridade, sentir o vento banhando o seio da face, a esperança acalorando o coração ao primeiro sinal do Sol no novo amanhecer e a ter gratidão pelas pequenas coisas. Sob as mãos do mineiro, a música gravada pelo Umrio ganha uma conotação nostálgico-melancólica que evidencia o relacionamento com o tempo e com seu andamento rápido e muitas vezes imperceptível. Cor De Jasmim é a delicadeza em sua forma máxima.


Dramática, densa e melancólica. O vislumbre do próximo horizonte vem cabisbaixo e com a face levemente franzida. Possível até mesmo de sentir e enxergar no outro as lágrimas enigmáticas represadas no olhar, a canção chama atenção por uma curiosa construção que aparenta minimalismo, mas cuja harmonia é grandiosa em virtude do sonar dos golpes graves que parecem vir do tímpano em união com a acidez aguda vinda da programação de Carina Renó. Com swing trazido pelo baixo e uma súbita enganosa alegria, Lanny surpreende o ouvinte por trazer, em sua segunda metade, aspereza e distorção, ingredientes que rompem o torpor melancólico e entregam um tempero reavivante à melodia. Essa é a reinterpretação da música de autoria do Os Amantes Invisíveis, um produto que enaltece a imaturidade, a pureza e a ingenuidade da criança como forma de enxergar o mundo sob outras lentes.


A bateria trazida pela programação de Pfink surge solitária, mas em movimentação acelerada que desdenha uma levada repicada que conota, além de swing, alegria. Junto de um baixo estridente que flerta com a roupagem stoner, Siso se apresenta com um vocal oco como se saísse do rádio. Na conjuntura melódica que é oferecida até o momento, a canção chega a comunicar uma ambiência manguebeat que evidencia influências de Chico César e até mesmo Lenine. Em O Homem-Pássaro, releitura da faixa de autoria de Paralaxe, existe até mesmo flertes com a temática doom enquanto que o lirismo vem caótico em seu desenrolar sobre a expectativa de um futuro quase anacrônico.


Com um swing macio e contagiante, o Sol banha o gramado com uma melodia alegre e convidativa em sua linearidade de flerte com o reggae. Tendo na bateria um instrumento decisivo no oferecimento de pressão e ao mesmo tempo sensualidade, Não Sabe (O Que É O Amor) traz um diálogo interessante sobre a interpretação do amor, um sentimento que, na opinião do Minimalista, não é bem compreendido pelo homem, seja ele jovem ou velho. É quase como uma crítica ao senso comum do homem como um ser bruto, insensível e egoísta.


A programação de Christopher Mathi traz uma conjuntura de sonares percussivos e eletrônicos interessante na introdução. Com uma estética que beira o hip hop, Marcado De Lutas é uma canção que evidencia não apenas o poder da palavra, mas sim a força da voz como instrumento revolucionário e contracultural. Com direito a um solo de guitarra ácido, a nova interpretação da canção de autoria da Banda Nã traz um destaque maior para o senso de autoestima e empoderamento que emana de seu conteúdo lírico.


A guitarra surge em um riff embrionariamente alegre e distorcido. Tranquilo e levemente swingado, o instrumento é o único presente na canção e aquele que consegue expelir cada emoção cuspida pelo lirismo introspectivo e de caráter social vindo de Siso. Falando de ação e reação, futilidade, comodismo e evidenciando os conflitos parentais, Isso É Tudo Como Um Rap, canção de autoria de Sol Na Garagem Do Futuro, é o significado estrito de minimalismo melódico que acaba, também, metaforizando o conceito de hereditariedade comportamental.


Nauseante em suas ondulações popeadas, já na introdução, graças à combinação da cadência da bateria, do grave encorpado do baixo e da sutil acidez embriagante do piano elétrico de Patrick Laplan, Nada Além já exala um misto de pop e new wave. Contagiante e swingada, a faixa de autoria de Los Porongas dialoga sobre um auto senso de falsidade social. A principal questão na faixa é referente à baixa autoestima que leva à insegurança e, por fim, à falta de coragem de evidenciar a própria essência. Por isso que Nada Além versa as roupas como esconderijo da verdadeira identidade.


Épica graças ao classicismo do sonar do órgão hammond. Linear em seus versos, a canção surpreende de, da calmaria, ir direto para um caos quase ensurdecedor que chega a flertar com o noise rock. Suja, distorcida e até mesmo intensa, Jovem Tirano Príncipe Besta, de autoria de Negro Leo, põe em cheque conceitos religiosos e discute, como o próprio nome sugere, sobre tirania como forma de impunidade e autoritarismo. 


Apesar de ser um álbum de releituras, Vestígios, assim como foi com Turning To Crime, conseguiu soar autêntico e original como se todas as suas faixas pertencessem de fato ao Siso. Afinal, todas as músicas selecionadas são apresentadas com intensidade, seja na interpretação lírica ou melódica, e trazem uma melancolia como uma das marcas registradas do mineiro.


Como forma de reverenciar, atualizar e evidenciar músicas passadas para um novo contexto regido pela hiperconectividade e pela descartabilidade musical propagado pela era do imediatismo, Siso ainda mostrou competência na escolha das canções no que tange as mensagens que trazem. Insegurança, machismo, impunidade, sexismo, autoritarismo, intolerância, comodismo e lições morais que estimulam o agradecimento e a valorização daquilo que é simples regem os conteúdos dos oito capítulos do álbum.


Tais assuntos tocam em diversas camadas sociais que invariavelmente conseguem atingir os ouvintes separadamente em virtude das associações individualistas tidas a partir das músicas. Cada um tem sua própria interpretação, mas a base daquilo que os autores querem dizer é só uma. Então não há escapatória para a reflexão promovida por Vestígios.


Transitando pelo indie, stoner rock, manguebeat, doom, rap, new wave e noise rock, o álbum consegue ser denso, dramático, melancólico e sujo ao mesmo tempo que assume posturas alegres e swingadas. Muito disso se deve à sincronia existente entre Siso e seu time de produtores formado por nomes como Laplan, Mathi, Pfink, Carina e Campos. Eles ajudaram na criação de um som plural que exalasse autenticidade.


Por fim, vem a parte visual do álbum. Assinada por Mauro Figa, a arte de capa traz uma folha de jornal em chamas possibilitando que, entre os rombos formados, a imagem de Siso seja vista logo atrás sob vestes que beiram o católico e o clássico. Esse cenário não só dá a noção dos diferentes momentos históricos, mas também evidencia, por meio do fogo, a velocidade com que o tempo passa e o tom descartável das notícias, que hoje são atualizadas e publicadas quase instantaneamente.


Lançado em 18 de agosto de 2022 de maneira independente, Vestígios é um álbum de releituras que tenta interpretar o tempo e as transformações socio-culturais que ele evidenciou. Com sutileza, mas também com senso crítico, Siso se utiliza do álbum para falar do imediatismo e para incentivar a gratidão, a valorização do simples e a busca pela pureza do indivíduo. 

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.