Hollywood Undead - Hotel Kalifornia

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (1 Votos)

Pouco menos de dois anos após o anúncio de New Empire, vol. 2, o quinteto californiano Hollywood Undead retoma a atividade de composição para um material inédito. Intitulado Hotel Kalifornia, o novo álbum marca o posto de oitavo disco de estúdio do grupo.


A guitarra surge com um riff áspero incitando uma efervescência sanguínea que sugere um levante. Após rompantes estridentes, uma explosão bruta, regada em riffs graves e guiada por uma bateria que, sob domínio de Greg Garman, soa explosiva, é introduzida enquanto Jorel “J-Dog” Decker, com seu vocal rasgado e quase em pânico, fica em um looping ao repetir a palavra ‘chaos’. É então que, sob um terreno tenso e levemente industrial, Jordon "Charlie Scene" Terrell entra com os versos rappeados entregando uma cadência curiosamente provocante. Depois de algo que beira a dissonância e a desarmonia, a canção deságua em um refrão melódico de cunho dramático em que Daniel “Danny” Murillo oferece uma interpretação lírica lamentosa que beira o choro de desapontamento. Chaos não é só uma canção sobre conformação. É uma música que fala sobre impunidade, sobre causa e efeito e que critica a essência da futilidade que rege a sociedade ao mesmo tempo em que rechaça o autoritarismo e medidas extremas que alcançam seus objetivos através do derramamento de sangue. Chaos é, portanto, um produto de lirismo crítico e melodia atordoante e, de fato, caótica.


Sons repetitivos e atordoantes do piano aparecem solitários e dão passagem para uma espécie de devaneio delirante de Charlie Scene. Em um ritmo de melodia calcada no minimalismo e cujo movimento é construído inteiramente pela cadência rappeada do lirismo, a canção, sem delongas, apresenta ao ouvinte um contexto desesperado e angustiante. No caso em questão, o personagem lírico se vê, todas as noites, dando acesso aos pensamentos negativos que escondem sua verdadeira essência. Imerso em um profundo desapontamento consigo mesmo, ele dialoga sobre culpas e arrependimentos enquanto genuinamente pede ajuda para Deus para que consiga encontrar a paz. World War Me é a perfeita disputa entre a consciência, o instinto e o desejo. É a descrição da guerra de ideais que assombra a consciência todas as noites. Quando a melodia encontra uma estrutura metalizada guiada pelo timbre agudo de Danny é o momento em que, enfim, o eu-lírico percebe ser seu próprio inimigo em uma clara constatação de que todas as ideias obscuras fazem parte de quem é.


Um sonar eletrônico, ácido e estridente que recria a introdução de Chaos se faz presente no novo amanhecer. Curiosamente, a melodia traz uma mistura de rap e pop que suaviza o conteúdo lírico que começa a ser amadurecido. Com uma temática que muito lembra a estética rítmica do Black Eyed Peas, Ruin My Life é a descrição de uma noite de farra regada a álcool, descompromisso e impulsividade. O êxtase reconfortante que oferece o esquecimento repentino dos problemas mundanos.


A guitarra base surge solitária em um riff agudo e lento. Acompanhada de uma espécie de ruído branco, ela é surpreendida pelo relampejar da guitarra solo e constrói, ao seu lado e com a permissão dos golpes sequenciais da caixa, uma melodia que mistura elementos do pop punk, rap e do hardcore. Tendo o baixo como principal elemento na criação da pressão sonora durante os versos de ar minimalistas estruturados entre ele e a bateria, Hourglass é uma canção enérgica que dialoga sobre coragem, foco, predestinação, orgulho associado à origem. Ela soa, inclusive, como um relato autobiográfico do Hollywood Undead que mostra o amadurecimento de cada um, o reencontro entre si e os locais repletos de memórias gravadas. A descrição de pessoas que têm os objetivos decorados e que se encontram constantemente sedentas por conquistas pessoais. Pessoas cujo tempo não pode ser desperdiçado, porque eles são regimentados pelo caráter da consistência e disciplina.


Um suspense dramático ecoa no ar como um perfume levemente adocicado. Rompendo essa barreira de súbito dulçor, Danny entra em cena acompanhado de uma bateria em compasso 4x4 que não consegue esconder a base rap intrincada em sua base rítmica. Repleto de frases de ordem, o primeiro verso é um rito de passagem para um setor que, guiado por Funny Man, é mais denso e permite ao ouvinte enxergar fumaças saindo de todos os lados criando um cenário inóspito e caótico. Narrando o tráfico de drogas e a rotina desse mercado, Go To War consegue misturar críticas sociais que incluem a ganância e o suborno. Entre subgraves e frases mais cativantes, Go To War também traz um ponto de vista ácido de que até mesmo aqueles que se dizem pacifistas possuem o mesmo nível de interesse daqueles que abominam.


A guitarra em distorção grave e soprante dá o ponto de partida. Eis que Danny entra com um vocal limpo e melódico que imputa noções melodramáticas à introdução em construção. Fluindo para um verso que consegue misturar ingredientes do pop punk com o metal alternativo, Alone At The Top dialoga sobre ganância, o tempo e como as pessoas com ele se relacionam a ponto de, dessa relação, sempre surtir arrependimentos e solidão. Não à toa que o tempo é aqui o personagem onipresente que é trazido como o fator determinante do destino e de um senso inconsciente de eternidade. Tido como o produto mais cobiçado, é o tempo aquele que possibilita o viver dos momentos aparentemente irrisórios sem abrir mão daqueles que são tidos como o foco do presente. Alone At The Top  é como um lamentar que diz ‘de que adianta chegar até aqui se eu não tenho com quem comemorar?’. Uma grande, melódica, densa e dramática reflexão chorosa da forma como deixamos os momentos escaparem sem o devido valor.


Com uma estrutura semelhante àquela que o 3 Doors Down adotou em In The Night, em que o playback de Here Without You é ouvido ao fundo, Wild In These Streets, com o playback de Chaos na coxia introdutória, tem seu despertar. Fluindo para um rap áspero, metalizado e curiosamente entorpecido, a canção tem um diálogo que destaca a reflexão da ação e reação ao mesmo tempo em que une conceitos capitalistas e até mesmo escravocratas nos ambientes de trabalho atuais. Uma canção em que o ouvinte consegue enxergar o sangue escorrendo pelo microfone, um microfone a quatro vozes que detalham como é a vida em Hollywood.


A guitarra grave e solitária puxa a introdução de maneira a criar uma semelhança estética com o amanhecer de One Step Closer, single do Linkin Park. Uma voz de criança aparece balbuciando a palavra ‘dangerous’ enquanto sirenes, latidos e hélices dividem espaço na coxia melódica criando uma noção de perigo e insegurança. Densa, a melodia se apresenta enfim em um uníssono calcado no metal alternativo. Fluindo para o nu metal guiado pelo rap de J-Dog, Dangerous é uma canção que se vende pela ótica metalizada enquanto dialoga de maneira complementar a Wild In These Streets. Afinal, aqui o enredo parece misturar realidade com uma espécie de jogo de azar. Com direito a uma improvisação rappeada em espanhol por Funny Man, Dangerous é caóticamente cativante.


De início contagiante e embrionariamente cômico, a introdução é construída sob uma base minimalista, mas cujo movimento rítmico é elaborado através da cadência rítmica estruturada por Charlie Scene e Danny, que dividem os dois primeiros versos. Diferente dos enredos urbanos e sociais das canções anteriores, Lion Eyes apresenta uma imersão em um campo mais emocional propriamente dito. Evidenciando a ingenuidade e a pureza dos sentimentos sob a ótica do relacionamento, a canção dialoga sobre decepção, cobiça. Lion Eyes é a sonorização da descrição do olhar do interesse de maneira a representar todas as pessoas que se aproximam das outras apenas para sugar o que elas têm de melhor, seja bens materiais ou mesmo equilíbrio emocional. É a reciclagem interativa. Um single interessante de Hotel Kalifornia.


Um sonar místico e misterioso surge no horizonte como o alvorecer de algo enigmático. De súbito, aquilo que prometia ser o despertar de um ritmo suave flui para um rap intenso, preciso e cru que é guiado pelo vocal grave e agressivo de George "Johnny 3 Tears" Ragan. É ele quem introduz o cenário de rua, do preconceito, das drogas, da impulsividade. Quando Danny entra em cena, existe um lapso melódico na ponte entre verso e refrão, um momento de êxtase antes de J-Dog abraçar todo o contexto melódico de Trap God com um ápice nu metal rapeado e dramático. Fica a cargo de Dylan "Funny Man" Alvarez fazer uma ponte minimalista em que sua voz e sua cadência vocal são os únicos ingredientes sonoros a pairarem pelo ambiente. Com o puro e swingado rap, ele introduz os versos que definem a mensagem de Trap God, uma música que questiona a empatia e o amor ao mesmo tempo em que exala um senso desmedido de desconfiança perante a sociedade em um claro rechaço à falsidade.  


Puxado por um groove hard rock folkeado que evapora como um sopro de vento, o sonar evolui para um protagonismo digital agudo acompanhado com um som de piano cadenciado ao fundo. Contagiante com seus subgraves e ritmo em 4x4, Happy When I Die é uma faixa de caráter irônico que é protagonizada majoritariamente por Charle Scene, quem narra um enredo de insatisfação com a vida, com a falta de dinheiro e a ausência de amor próprio. Como uma conversa entre Scene e Man, a faixa tem um teor autobiográfico que traz um turning point na vida do interlocutor. Depois de tanto jogar e beber, acabou perdendo coisas preciosas da vida como o filho ou a esposa. Happy When I Die é também como um desejo calado de que a felicidade está apenas na morte como uma metáfora para o momento em que todo o ciclo vicioso da busca por um falso senso de bem-estar acaba. 


O som da distorção da guitarra acompanha Danny em sua apresentação tímida e intimista que, logo, flui para uma ambiência pop punk que muito lembra as estruturas rítmicas de Paramore, com especial menção ao single Misery Business. Com pitadas de metal alternativo espalhadas por seus pouco mais de três minutos de duração, Reclaim consegue ser contagiante em sua mistura de metal, rap e pop punk enquanto traz uma energia curiosamente nostálgica ao tratar de um ponto de vista negativo do conceito de legado. Ao mesmo tempo, porém, a canção tem um caráter religioso ao trazer reflexões de que somos nós mesmos que escolhemos aquilo que iremos viver. E nesse sentido, as vinganças e conflitos são apenas degraus rumo à evolução de espírito.


O Sol está em seu ponto ascendente em uma manhã de outono. As ruas estão quase desertas. Um estranho senso de empoderamento misturado com melancolia então invade o interior de um pedestre. Em sua caminhada despreocupada e a passos lentos, seu olhar de súbito enrijece. Suas mãos se fecham e seu corpo endurece. É como se estivesse pronto para um embate. Esse cenário de curioso conflito interno e externo é evidenciado logo com a solitária e suja levada da bateria que confronta uma melancólica e chorosa melodia encarnada pela guitarra. Na base melódica, porém, as guitarras se unem na criação de uma atmosfera dramático-melancólica penetrante. Longe da estética rap-rock e nu metal que marcaram canções como Undead, o que acontece em City Of The Dead é uma surpreendente assumição de uma roupagem pop punk que remonta a estética que vangloriou o início dos anos 2000. Não à toa, o timbre de Murillo parece ter o molde pensado especialmente para tal vertente do rock, pois remete ao icônico vocal de Tom DeLongue. Com repentes sombrios que acompanham a sonoridade como um personagem onipresente, a canção possui uma ponte desenhada no formado cadenciado do rap cujo protagonismo recai sobre Terrell. Com uma atmosfera sombria perante a realidade da fama, ambiente em que não existem diferenças entre as pessoas que o integram, onde a ganância impera e onde o sentimento de solidão caminha lado a lado com o reconhecimento, City Of The Dead entra, junto de The Great Apes, single do Red Hot Chilli Peppers, Knock’em Dead, faixa do Scorpions e The Path Less Followed, single de Slash feat. Myles Kennedy & The Conspirators no rol de canções que tentam mostrar a realidade sem filtro e sem romance da fama.


Sons percussivos se fazem ouvidos criando uma ligeira noção de movimento e um singelo flerte com a estética melódica construída pelo Imagine Dragons em seu single Believer. De súbito, um dueto de mescla tônica se constrói entre o falsete de Danny e o grave de Charlie Scene criando uma harmônia crescente baseada apenas na sincronia vocal. Em verdade, uma sonoridade transcendental e linear é ouvida ao fundo cooperando com a elevação harmônico-melódica da canção. Do verso introdutório em duo, a música flui para um verso univocal e rappeado que vai maturando gradativamente o caráter melodramático da composição. Sob a narrativa de Johnny 3 Tears, Alright se apresenta como o estopim da culpa, do arrependimento, da dor. Ao mesmo tempo, a faixa traz um eu-lírico imerso na dialética da insegurança e da fragilidade com um senso destemido de predestinação. A volta para casa simboliza a segurança, o conforto e a proteção, mas nem sempre é um processo fácil de ser executado. E em Alright, essa trilha é regada de conformações, o foco misturado com o conceito de fé e de uma identidade volátil. É a história de quem busca a paz interior por meio do perdão. 


No mínimo, um disco forte. Com forte caráter social, Hotel Kalifornia é um álbum visceral e com grande teor autobiográfico. Trazendo a realidade das ruas enquanto mescla questões sociais e emocionais, o álbum consegue ser plural em seu conceito e alcançar um público ainda mais amplo.


É verdade que ele tem generosos aromas motivacionais, mas o que se vende na parte mais superficial de seu conteúdo é conflito emocional. A necessidade do perdão como forma de se desvincular do arrependimento e da culpa é o fator-chave de grande parte das canções que preenchem o álbum.


Tendo em Danny o caráter puramente melódico mesmo quando a sonoridade é mais densa, é com ele que Hotel Kalifornia consegue criar o primeiro elo com o ouvinte. Depois, J-Dog, Scene, Tears e Man entram entregando movimento em suas contribuições rappeadas. Com essa estrutura, o Hollywood Undead consegue ser sonoro, caótico, denso e estimulante ao mesmo tempo.


Preenchido por uma gama rítmica diversa que transita por campos como nu metal, rap, pop punk e metal alternativo, Hotel Kalifornia conseguiu soar forte e plural graças ao trabalho de Zakk Cervini. Mesmo com pouca idade, o engenheiro de som tem em seu currículo mais de 30 contribuições, sendo a maior parte delas com o lado do rock alternativo e do pop punk. Não á toa que em vários momentos o ouvinte consegue ter vibes do Blink-182 no decorrer de seu trajeto.


De nada adianta uma sonoridade forte e resistente se o caminho a ser seguido não é tão claro. Drew Fulk p/k/a WZRD BLD, No Love For The Middle Child e Erik Ron foram nomes essênciais para que Hotel Kalifornia conseguisse construir uma reputação que defenda a essência do Hollywood Undead ao mesmo tempo que pincela questões de intensa reflexão aos conteúdos lírico-melódicos.


Lançado em 12 de agosto de 2022 via BMG, Hotel Kalifornia é um disco tenso, melódico e intenso que fala a realidade das ruas e o que passa no emocional de cada indivíduo que preenche o cenário urbano. Às vezes um soco no estômago, às vezes reflexão, mas nunca somente diversão. Hotel Kalifornia é um convite do Hollywood Undead para que se pense na vida e, acima de tudo, valorize o tempo.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.