NOTA DO CRÍTICO
Estar na ativa por 10 anos ininterruptos é, de fato, um marco importante. E para celebrar esse período dedicado à criação, o duo S.E.T.I. preparou o álbum Vivo. Disco de estúdio é o primeiro material de inéditas em quatro anos e dá continuidade a Supersimetria, o disco de estreia da dupla paulista.
Uma atmosfera moderna e swingada, mas ao mesmo tempo com generosos goles melancólicos, embriaga o ouvinte com sua melodia macia e delicadamente contagiante. Desenhadas por Bruno Romani, a linha cíclica da guitarra é um importante marco da sonoridade, pois deixa o ritmo com um tom radiofônico suave, mas de incontestável assimilação por parte do ouvinte. Quando uma voz gélida, levemente rouca e suavemente sussurrante entra em cena por parte de Roberta Artiolli, a lounge music acaba se perdendo tanto para o dream pop quanto para um leve aroma de post-punk. Dialogando sobre a percepção de si em um tom de autoconhecimento das próprias fraquezas, Memórias De Vento é a busca do personagem pela sua força, sua identidade e, principalmente, do elemento que lhe confere a motivação pela vida.
Hipnótica, mareante e levemente alucinante, o novo horizonte surpreende por ter sua introdução estruturada já como o ápice do diálogo lírico-melódico. De aromas adocicados e entorpecentes, Armadilha é uma canção que mistura elementos do rock alternativo com o chiptune enquanto cria uma atmosfera sensual e lasciva que captura, sem esforço, o interesse do ouvinte. Não por menos, a canção é um romance capaz de sentir o suor, a respiração ofegante e os variados toques caminhando pelo corpo. Armadilha é, simplesmente, a embriaguez do prazer.
Fumaças coloridas caminham livremente pelo ambiente. Nele, um aroma adocicado e açucarado perfuma cada objeto a partir da valsa amaciada do vento. Trazendo consigo uma leve pitada de sensualidade a partir do beat e do sonar do sintetizador, a canção assume ares de uma reflexão convidativamente hipnótica sobre o amadurecimento, a relação com o passado e, principalmente, com o tempo. Ainda assim, Madrugada acaba sendo uma espécie de continuação de Armadilha ao trazer um enredo de fundo sexy que, junto à melodia, é como se fosse possível visualizar a força do calor embaçando o vidro. Aqui porém, essa relação com o sexual tem uma pausa ao trazer um personagem perto da decisão de rompimento.
Saindo da macies lasciva, o novo horizonte vem recheado de um caráter intrigantemente excitante no que diz respeito a criar um suspense que causa um fervor de expectativas por parte do ouvinte. O curioso aqui é notar que ocorre a estruturação de um ambiente melancólico que flerta, inclusive, com a ambiência sonora de What I’ve Done, single do Linkin Park. O aroma é visceral e proporciona ao ouvinte visualizar diversos cenários, mas o que fica mais penetrante na mente é o de uma garota, cujo rosto úmido pelas lágrimas recém caídas de um olhar angustiado, posicionada em frente ao espelho entre rompantes de raiva que a fazem gritar para seu próprio reflexo. Guiada por uma cadência lírica que, durante os versos de introdução flertam com a melodia vocal construída pela Pitty no amanhecer de seu single Memórias, Perder É Ganhar é a balada mais introspectiva e dolorida de Vivo. Trazendo um personagem perdido entre suas próprias emoções de tristeza, a faixa dialoga sobre a insegurança de assumir a própria identidade e do medo do julgamento severo que a sociedade muitas vezes derrama sobre aqueles que são diferentes da maioria. Mesmo intensamente lacrimal, Perder É Ganhar consegue ter seu charme e alcançar o posto de single do álbum.
O beat vem com sons ocos e paulatinos, como a batida do coração. Evoluindo para algo ligeiramente industrial que flerta com a temática setentista do synth-pop, a melodia introspectiva e linear surge fazendo como se o ouvinte estivesse perdido em um ambiente inóspito, empoeirado, levemente escuro e rochoso. Esse clima de suspense misturado com insegurança é acompanhado por linhas sutilmente ácidas de baixo que recriam a estética que Luciano Garcia ofereceu a Um Minuto Para O Fim Do Mundo, single do CPM 22. Tal ingrediente dá ao interlúdio Death By Robot (A Tecnologia Nos Matou) um sutil toque de stoner rock que apimenta o sabor de sua sonoridade.
Um som áspero e borbulhante começa a construir as silhuetas do novo ambiente. Com sonoridades que fazem o gótico se fundir ao pop, a canção vem construída sob um andamento lento embriagante. Entre tentativas de versos-chicle, Dinamite é a descrição de um personagem de personalidade extremamente forte que chega a deixá-lo até mesmo autodestrutivo. Com apoio de um vocal aveludado, mas em uma estética de metalcore vinda de Lucas Macedo, Dinamite parece dialogar sobre cobrança e sobre a insensibilidade da sociedade em perceber a fragilidade do outro. Uma música que, surpreendentemente, imputou o soturno, o sombrio e o melancólico, ao pop comercial.
É como um amanhecer levemente turbulento. Com um aroma adocicado, embriagante e ao mesmo tempo nauseante, a canção se inicia de maneira a criar a impressão de uma conversa do inconsciente. Entorpecida em seu caráter quase transcendental, Correnteza é a relação afetiva com a memória, com o passado, ao mesmo tempo em que dialoga com a superação no sentido de recomeço.
Tensa, densa e melancólica. A ambiência que se constrói possui a mesma característica daquela de Perder É Ganhar, mas que é rapidamente quebrada com um sonar áspero que funciona como uma escapatória inconsciente do sofrimento. Outra Sinfonia segue o teor sombrio e obscuramente triste de títulos como Dinamite e Correnteza ao trazer um personagem conformado com sua infelicidade, mas disposto a mudar seu pensamento. Por isso, Outra Sinfonia tem como mensagem a retomada da esperança e o estímulo a criar motivação pela vida e vontade de fazer um novo começo.
Um material curiosamente sombrio e entorpecido. Um conjunto de melodias viscerais e contagiantemente melancólicas que chegam até a flertar com o post-gothic. Vivo é um álbum lascivo, sensual e atraente pela sua temática introspectiva e nórdica. Um disco que consegue deixar o pop comercial choroso, dolorido e obscuro.
Tratando da vida, de amor, de relacionamentos e de questões inerentes às emoções, o álbum embriaga o ouvinte pela sua sensibilidade ao dialogar sobre medos, inseguranças e incentivos de exibir as verdadeiras essências de cada indivíduo. É verdade que, por muitas vezes, os enredos podem parecer intensamente depressivos, mas este é um método adotado pelo S.E.T.I. de recriar com perfeição os sentimentos contidos em cada palavra, cada título.
Como uma rocha desgastada, Vivo é como se fosse a entrada de luz. Uma luminosidade capaz de abalar as estruturas da melancolia e da tristeza, fazendo com que a vida invada por completo aquele ambiente antes regido por severos sofrimentos. Até porque, esse é o recado que fica: a vida sempre vale a pena e, a cada manhã, um novo começo pode ser escrito.
E nesse enredo, o duo teve auxílio de Gabriel Olivieri, profissional que, no comando da mixagem, conseguiu fundir o chiptune, synth-pop, o dream pop, o post-punk, o rock alternativo, o post-gothic, o stoner rock e o pop de maneira a dar um aroma barroco ao álbum. Tal detalhe, evidencia inclusive a influência, mesmo que indireta, de Lana Del Rey na estética rítmica do álbum.
Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Adriano Araújo e Tiago Queiroz, ela é a perfeita e singela metáfora da vida. De cores que saltam aos olhos, o que lhe confere uma conotação extra de beleza, a obra traz um cesto cheio de flores colocado ao acaso no asfalto. Isso dá a interpretação de que há esperança e vida mesmo nos momentos difíceis, aqueles em que parece impossível encontrar algum tipo de saída.
Lançado em 14 de outubro de 2022 de maneira independente, Vivo é um produto barroco que deixa o pop esmagado em melancolia e a lascividade misturada em agonia. Um produto que dialoga com o sofrimento ao mesmo tempo em que estende a mão que doa esperança, motivação e positividade.