Cannon Of Hate - Democracia De Plástico

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 5 (2 Votos)

A banda vem de Cubatão (SP) do passado ano de 2013. Em nove anos, o quinteto Cannon Of Hate lançou três EPs entre 2014 e 2017. Foi somente em 2020, a partir da gravação de um single, que o primeiro disco de estúdio do grupo viu a luz do dia. Intitulado Democracia De Plástico, ele leva o mesmo título daquela faixa, cujo lançamento foi exclusivo no formato de videoclipe.


Áspera e agressiva, mas ao mesmo tempo provocantemente sensual. Explosiva, a introdução é excitante e debulhada na mistura equilibrada de hard rock com hardcore e pitadas de um punk rock que muito lembra a sonoridade do Rise Against. Tendo na guitarra solo de Márcio Parducci aquele contraponto melancólico que traz as lágrimas em meio à base ríspida e potente construída principalmente pela união da guitarra base de André Félis e da bateria de Diego Duarte, a faixa-título possui uma estruturação calcada na típica arquitetura hardcore em que o baixo assume papel decisivo nos versos de ar. E aqui, Marcus Gomes executa tal função com maestria enquanto Sandro Turco, com seu timbre ameno e rasgado que oferece um leve parentesco com aquele pertencente a Clemente, destrincha com tristeza os prejuízos sociais de uma democracia mal executada. Resultado de um Brasil mal administrado, a fome e desfiles arquitetônicos de elefantes brancos são exemplificados na música, enquanto Turco e companhia chamam a atenção para o estado de acomodação social perante os problemas da gestão nacional. A falta de um senso revolucionário em busca de mudanças em prol da melhoria comunitária é o principal elemento exposto na faixa-título, um produto que, inquestionavelmente, recria a inquietação de bandas punks nacionais dos anos 80, como a Inocentes e até mesmo Plebe Rude.


Galopante, áspera e excitante, a guitarra solo puxa a introdução com uma interessante mistura de punk rock com hardcore. Suas frases, apesar de ríspidas, apresentam uma melodia que logo recebe um contraponto ainda mais agressivo vindo da bateria. Trotante, rápida e metalizada, ela dá uma base rítmica curiosamente dramática à canção. Ao lado de Turco, Vitor Soares oferece um balanço na agressividade com seu vocal de timbre aveludado, gélido e entristecido, transformando a canção em uma dramaticidade típica do emocore. É assim que Câncer Urbano, uma faixa agoniada que fala sobre ausência de proteção e fonte de confiabilidade associadas à violência estrutural dos grandes centros.


Dando prosseguimento à dramaticidade, mas sem o excesso lacrimal da canção anterior, o novo horizonte se constrói com silhuetas mais moralistas que, ao mesmo tempo que ensina o ouvinte a ser tolerante e plural, rechaça a intolerância, a impunidade e o idealismo conservador. Interessante notar que, assim como fez Soares em Câncer Urbano, o convidado Danilo Rodrigues, com seu timbre vocal semelhante, despeja ventres de melancolia que contaminam o ouvinte. Isso faz de A Vida É Resistência uma canção entristecida mesmo tendo como mote o estímulo à motivação pela vida.


Trazendo uma boa mescla entre CPM 22 e Rise Against, a canção vem com uma levada hardcore punk melódica que, assim como Câncer Urbano e A Vida É Resistência, possui contornos estritamente melancólicos. Porém, o que a diferencia das demais é que Quem Vai Pagar? possui uma análise lamentosa do contexto social que avalia desde a violência policial, o preconceito estrutural, a violência e a cegueira institucionalizada perante o que destoa de uma comunidade padronizada em perfeição. Mais do que isso, Quem Vai Pagar? discute o egocentrismo de uma população que se nega enxergar as mazelas existentes na própria realidade.


Sem grandes delongas, 401 é uma canção hardcore que segue a premissa melancólica que já se mostra uma espécie de padrão estilístico do Cannon Of Hate. Aqui, existe o perfeito registro de uma pessoa cujos ideais compactuam cegamente com aqueles do presidente em exercício Jair Bolsonaro. De certa forma, a faixa tangencia com a mensagem de Quem Vai Pagar? por dialogar com o egoísmo. Ao mesmo tempo, a presente faixa tem em si a descrição de como o egocentrismo associado a um senso de mimo, ignorância e intolerância, quando associados, podem ser danosos para a sociedade.


Enérgica, excitante, áspera e contagiante, a nova paisagem consegue recriar o quadro melódico-energético exposto na faixa-título. Com grande e indispensável participação do baixo como elemento que entrega um bojudo encorpamento regado em frases stoners, Se Entregar É Um Erro é uma canção que fala de superação e de resistência associadas à autoestima, foco e perseverança. Empolgante, tal como se o personagem lírico tirasse forças de seu âmago para enfrentar as adversidades da vida, a canção ainda apresenta Turco colocando mais de seu falsete e apresentando seu alto alcance vocal.


Grave, densa, pesada, galopante. A introdução até consegue enganar o ouvinte, pois a canção amadurece em um ambiente curiosamente macio em seu contexto hardcore. Conseguindo ser marcante e com apelo radiofônico sem se desprender da essência rítmica do quinteto, Profanos é, até o momento, a canção de lirismo mais denso de Democracia De Plástico por discutir a fé como elemento que esconde a realidade da impunidade, da intolerância, do preconceito estrutural, da desigualdade social. Como um rechaço ao conceito de meritocracia, Profanos discute a prevalência do interesse de uns ante do outro e questiona, com consciência de mundo, a má gestão governamental.


Explosiva e grave, a introdução segue o compasso 4x4 estruturado nas demais canções. Com velocidade sutilmente acelerada, a canção tem um formato que consegue oferecer ao ouvinte sensações diversas como peito queimando, uma vontade imensa de gritar e, principalmente, uma inquietação regida pela absurdez de certos eventos. Discutindo a escravidão e o preconceito, Infavorável chega com a missão de rechaçar a manipulação e o autoritarismo do sistema como método de calar os protestantes por eles tidos como rebeldes.


Contagiante com sua levada explosivo-melancólica, a introdução traz a guitarra solo como uma espécie de sirene soando acima da base melódica ríspida. Mais do que 401, Passou Da Hora traz uma análise sócio-política urgente e questionadora sobre a postura imparcial de parte da população. Aqui, existe um tom de desespero na tentativa de fazer o ouvinte enxergar a necessidade da escolha de um lado para não apenas decidir o futuro do país, mas também o rumo social brasileiro.


Uma perfeita mistura entre hardcore, punk e emocore. De sangue melancólico, Se Preciso For discute com mais afinco a desigualdade social e se compadece da dificuldade daqueles ignorados pelo sistema, aqueles que acordam sem ter a certeza se vão comer ou se vão deitar na mesma cama ao anoitecer. Se Preciso For é simplesmente uma canção de protesto, um levante em prol da igualdade de direitos em uma sociedade calcada nos conceitos da meritocracia e do personalismo.


Inquietante, melancólico, protestante. Democracia De Plástico é um trabalho que parece ter sido composto por uma equipe de antropólogos e sociólogos devido ao seu delicado, sensível e analítico olhar sobre a cultura e os costumes da sociedade brasileira. Um trabalho que, antes de tudo, grita pela igualdade.


Cheio de angústia, desespero e decepção, o álbum mostra que o Cannon Of Hate tem consciência, maturidade e embasamento para discutir questões que vão desde a desigualdade social à fé. Entre impunidade, intolerância, autoritarismo e o senso de egocentrismo, o quinteto chama a atenção do ouvinte para as mazelas sociais e pede por uma mobilização para encontrar um equilíbrio.


E nesse movimento, ele não teme em evidenciar seu apoio pela bancada de esquerda. Ainda assim, mesmo tendo seu posicionamento político escancarado,  Democracia De Plástico, apesar do tom de urgência, age como um professor na tentativa de ensinar o ouvinte a ter coragem e autoconhecimento para defender um lado.


Produzido e mixado por Lucas Souza, o álbum apresenta uma boa mistura de harcore, hard rock, punk e emocore evidenciando a influência, direta ou não, de nomes como Rise Against, CPM 22, NX Zero, Fresno e Charlie Brown Jr.. É por meio da atuação de Souza que o álbum exala seu caráter de urgência, melancolia e, principalmente, de decepção.


Fechando o escopo técnico vem a arte de capa. Assinada por Thiago Grave, ela tem traços e uso de tons quentes que acabam criando uma semelhança com a obra creditada a André Honorato usado em Sem Nenhum Medo De Apostar. Representando todas as camadas sociais, com direito a pontuais menções à religião e até mesmo à Covid-19, a obra comunica simplesmente o conceito de igualdade e pluralidade ao mesmo tempo que exala um senso desmedido de revolta.


Lançado em 04 de novembro de 2022 via Desordem Music, Democracia De Plástico é o dessecamento mais visceral da democracia em vigor no Brasil. Cheio de rechaço a comportamentos cegamente institucionalizados, ele tem como missão a propagação da necessidade da igualdade e da queda da desigualdade e do preconceito estrutural. Um álbum de cunho social.

















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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.