Juliah - Nunchi

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Pandemia. Pausa forçada de apresentações em um programa de shows privados conhecido como Sofar Sounds, cuja realização acontecia em Nova Iorque. Foi então que, imergindo nas obras de Dr. Dre e Timbaland, bem como na cultura hip hop, que Juliah enfim deu à luz Nunchi, seu EP de estreia.


É como estar em um sonho. Dentro de uma bolha de sabão onde nenhum som consegue penetrar no seu interior. Do lado de fora, é avistado um ambiente que beira o fantástico, com cores em tons entorpecentes e quentes. Curiosamente, o veludo é uma textura que acompanha o viajante desdobrado sem afetar em sua desenvoltura, lhe causando sensações mistas de conforto e proteção. Contudo, chiados são percebidos ao fundo dessa trilha, o que proporciona uma racionalidade em meio ao devaneio da psicodelia proporcionado pelo sintetizador. Em meio à beats bem marcados e acentuados executados por Aloizio Lows, uma voz aguda de grande potencial R&B e com uma sensualidade delicada invade o cenário. É Juliah trazendo um lirismo que casa bem com a interpretação vocal por trazer um enredo sobre entrega, conquista, atração e sexualidade. E nesse quesito, o groove encorpado, swingado e aveludado do baixo muito contribuiu para a cenografia amplamente sexy. Isso é Só Você.


Uma maciez tal como a brisa do mar em um fim de tarde de verão. O céu está limpo, a luz do Sol está morna e a praia quase vazia. As ondas do mar vão e vem em uma cadência tão tranquilizadora que chega a ser hipnotizante. Esse aroma tropical e despreocupado é exalado pela sonoridade introdutória que, inclusive, vem acompanhada de um swing em processo de despertar. O som do piar sincrônico dos pássaros ao fundo dá à canção uma ambiência lounge e com uma distância até considerável do lo-fi rappeado da faixa anterior. Imprimindo aquela sensualidade lírica penetrante, a cantora traz uma cadência lírica em estética pop de maneira a deixar a sonoridade sutilmente mais comercial, mas sem ser apelativa. Romanceada, Sair Por Aí é uma canção que se assemelha ao padrão de composição de nomes como Demi Lovato, Selena Gomez, Ariana Grande e Camila Cabello.


Som de troca de estações de rádio. 눈치 é uma canção curta, baseada somente em chiados. Uma estética que em nada tem de melódica e que, justamente por isso, chega a incomodar o ouvinte pela falta de contextualização ou interpretação. É isso o que a faz a joia lo-fi de Nunchi.


A guitarra de riff aveludado e descompromissado traz uma atmosfera relaxante que é abraçada, ao fundo, pelo ruído que acompanhou faixas como Só Você e 눈치. No entanto, apesar de suave, a melodia serve de roupagem para um enredo que narra a percepção de que o indivíduo que despertou atração de fato não merece atenção por ter esnobado a presença da garota perdida em amores. Tão Cansada é sobre a autovalorização e a conquista da força para virar a página, coisas que são alcançadas mesmo depois de um tempo de imersão nos sentimentos de automenosprezo, insegurança e dependência amorosa. 


A inserção de sons ambientes dá uma sensação de realidade ante o dedilhar das cordas da guitarra que produz uma sonoridade macia, mas que curiosamente oferece pitadas de uma melancolia reconfortante. Eis que chega um beat preciso que acaba por ser a base de uma melodia rap pop durante a fluidez do primeiro verso. Meu Jardim é uma canção que soa profundamente autobiográfica ao relatar uma realidade de alguém que, morando em uma cidade fora de seu país de origem, acorda cedo e vai buscar o caminho da sorte, do progresso, dos objetivos já firmemente traçados. É curioso como a sonoridade capta as citações líricas de Nova Iorque e cria uma ambiência melódica que é como se o ouvinte se visse caminhando pelas ruas Manhattan, Brooklin ou mesmo o Queens e o Bronx. 


Apesar de ser o primeiro trabalho fonográfico de Juliah, Nunchi apresenta certa maturidade estética que chama atenção pelo caráter experimental. Com base na estética do lo-fi, as músicas contidas no EP ainda transitam por ambientes desconexos entre si, mas que, ao serem unidos, proporcionam uma cenografia sonora melódica.


Grande parte disso se deve pela influência do R&B que rege, principalmente, o estilo de canto de Juliah. Com vocal agudo, sensual e com potencial para se aventurar nos melismas, ela por si só imputa sensualidade despropositada em cada uma das quatro músicas cantadas.


Contudo, além do lo-fi e do R&B ainda é possível perceber temáticas rítmicas de downtempo, rap, lounge music e, inclusive, pitadas de música ambiente. Isso faz com que Nunchi seja como uma viagem estética. Claro que, dentro desse espectro, tem a liga que cria um propósito de ser para cada sonoridade.


É aí que entra o lirismo e suas mensagens, as quais, no EP, tratam de romance, objetividade na busca pelos sonhos e uma análise psicológica perante os efeitos negativos que um relacionamento pode causar. Por isso é que Nunchi apresenta fortes traços reflexivos mesclados por uma leveza que chega a ser inebriante.


Fazendo com que todas essas emoções sejam percebidas a partir das melodias está Bernardo Martins, quem ficou responsável pela mixagem de maneira a deixar toda a experimentação sonora audível e penetrante. Na ponta do espectro técnico, vem Aloizio Lows. Responsável pela produção, Lows mostrou sensibilidade e nitidamente deu total liberdade criativa à Juliah, fazendo com que Nunchi soasse devidamente original.


No que se refere ao visual, ele comunica diversas coisas que deixam o ouvinte intrigado e convidado a se aventurar pelo enredo do EP. Feita por Ísis de Oliveira, a arte de capa realça uma atmosfera dançante que beira a disco music. Capturando partes do corpo de Juliah em primeiríssimo plano, a fotografia dá destaque à pose e à indumentária utilizada pela cantora de maneira a trazer referências a Prince e Michael Jackson. A perfeita recriação do misto civilizacional das gerações X e Z.


Lançado em 18 de fevereiro de 2022 de maneira independente, Nunchi é um EP macio, swingado, sensual, romântico e reflexivo. É um trabalho que une criatividade e foco. Um produto regido pela experimentação e pelo misto de texturas. Autêntico. 

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.