Avril Lavigne - Love Sux

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Mesmo pouco tempo após ter superado a doença de Lyme, Avril Lavigne anunciou Head Above Water, trabalho majoritariamente biográfico que abordou, em suas letras, as experiências vivenciadas pela cantora durante os momentos mais graves de sua relação com a enfermidade. Passados três anos do álbum, Avril volta aos holofotes por trazer ao mundo um trabalho que revive suas origens musicais. Este é Love Sux, seu sétimo álbum de estúdio.


Amplificadores ligados. Um riff áspero e acelerado se pronuncia com sutil rebeldia. Fazendo o sangue correr de maneira elétrica, o coração bater em disparada e a respiração de súbito ficar ofegante, a bateria trazida por Mod Sun oferece golpes de cadência crescente e com considerável pressão. “Like a ticking time bomb, I’m about to explode”, grita Avril Lavigne permitindo que o instrumental flua para uma melodia agressiva, rápida e ríspida de maneira a relembrar a estrutura rítmica majoritariamente adotada pelo The Offspring em suas respectivas canções. No despertar do primeiro verso, o pop fica em evidência enquanto Avril desenrola um lirismo que relata certo grau de empoderamento e independência emocional. Após aparentes maus tratos, o eu-lírico da canção se vê cansado da relação e decide por terminar a relação de maneira turbulenta. Versos como “I wrote a song that goes ‘I don’t give a fuck about you” e “I hope that when you see my face it makes you feel so sick” traduzem o espírito de revanche, rebeldia e, até mesmo, certo tom de vingança. De refrão macio, contagiante e explosivo, Cannoball transborda uma jovialidade e exala uma energia excitante de puro ânimo.


Um beat quebrado e cadenciado surge solitário como um abre-alas para uma sonoridade macia, melódica e cuja afinação da guitarra de John Feldmann se assemelha, por súbitos instantes, com aquela executada por Evan Taubenfeld em Sk8er Boi, primeiro single da carreira de Avril. Comparativamente, porém, a presente canção se apresenta em um tom abaixo daquele de Cannoball de maneira a oferecer uma ambiência mais branda, mas sem perder a postura esguia. Com guitarra linear a partir de um riff mais grave e um beat em 4x4 trazido por Travis Barker, o primeiro verso já evidencia um enredo baseado em enganação. Afinal, aqui o eu-lírico relata ser enganado pelo seu par e por viver em uma relação regada em mentiras. Por isso é que, no refrão, a personagem toma consciência dos fatos e se coloca de maneira enfática e provocativa ao dizer “bois lie, I can too” e “girls cry and so will you” dando um sentido literal de que as garotas também sabem ser falsas. Seguindo a prerrogativa da canção anterior em proporcionar um enredo que exorta o empoderamento feminino, Bois Lie ainda traz, na ponte, um vocal de pronúncia folgada e cujo timbre rouco e levemente rasgado traz uma textura mais áspera à canção. É Machine Gun Kelly oferecendo um dueto que enaltece o sabor lírico-melódico da faixa de maneira a trazer um contraponto salgado à doçura quase estridente do vocal de Avril.


Um vocal agudo e afinado surge como se estivesse no ímpeto de um austero diálogo de sua personalidade. Ao lado de uma guitarra singelamente distorcida ao fundo, Avril Lavigne apresenta ao ouvinte um verso que, por seu teor provocativo e juvenil, indica um nostálgico retorno à temática pop punk. E nesse sentido, não são as guitarras elétricas que mais justificam tal percepção, mas sim a forma como Barker se desenvolve perante a bateria de maneira a construir uma cadência macia que, ao mesmo tempo, é carregada de uma ansiedade desmedida e de um típico frescor californiano. Bite Me é uma música que trata de realidades adolescentes. Por rápidos momentos, a música pode até ter uma leve associação à temática de Baba, single de Kelly Key. Porém, essa semelhança logo se dissipa conforme Avril vai imputando noções crescentes de empoderamento feminino e pinceladas de autoconfiança no processo narrativo. Trazendo um pré-refrão com doses já altas de adrenalina, o ápice de Bite Me chega com um refrão explosivo, cativante e contagiante cuja base rítmica possui, ainda, grande parentesco com aquela do refrão de Why Can’t I, single de Liz Phair.


Com uma base sonora sutilmente ácida e de notas pop trazidas pelo sintetizador, uma roupagem suave é vislumbrada. De batida eletrônica e um lirismo ainda mais jovial que aquele apresentado em Bite Me, Love It When You Hate Me traz Avril em uma espécie de monólogo cuja personagem está emocionalmente ferida. Ainda assim, existe um senso de auto-ironia quando o próprio eu-lírico assume, em tons debochados, que “and I ignore all the warning signs. Fall for you every time”. É então que a faixa apresenta seu refrão de estrutura pop punk, mas de intensidade mais controlada em relação àquele da faixa anterior. Ainda assim, o ápice de Love It When You Hate Me consegue ser ainda mais grudento e envolvente. E nisso, a presença de Blackbear tem grande responsabilidade. Afinal, no verso em que participa, o batizado Matthew Tyler Musto imprime uma cadência rap atraente e igualmente saliente em virtude de seu timbre afinado e agridoce que traz o poder de influência da personagem protagonista perante seu par. De outro lado, a frase “is so hot when you get cold” traduz bem a antítese entre a valorização e o menosprezo, a estranha excitação perante o ato de ser ignorado. Isso é Love It When You Hate Me: uma música que funciona como a mente ingênua e despreocupada de adolescente.


Assim como em Bois Lie, a bateria surge solitária. Aqui, porém, ela se posiciona mais acelerada e é logo acompanhada por uma guitarra base de riff entorpecido em sua aparente calmaria, a qual é rompida por meio de raios ásperos surgidos repentinamente pela guitarra solo. Surpreendentemente, no primeiro verso surgem notas de piano transitórias entre grave e agudo que, pronunciadas linearmente de maneira acelerada, trazem flertes com o boogie-woogie e, consequentemente, com o blues de maneira a deixar a melodia mais cadenciada. De refrão chiclete e cativante, a faixa-título traz um enredo que pode até ser considerado diferenciado dos apresentados até o momento, pois a presente canção oferece um enredo que narra o momento em que a personagem cria consciência de estar vivendo em um relacionamento doentio e platônico. Ao mesmo tempo, a música é a representação da percepção de quando um relacionamento está acabado, mas ambas as partes prosseguem juntas por pura comodidade.


Let’s Go”, grita uma voz rouca que dá passagem para um instrumental macio, aconchegante e reconfortante que ainda é estruturado na paisagem pop punk. Sua paisagem é como uma chuva fina caindo em uma tarde de verão sobre calçadas abraçadas por praças estilo francês. As paredes em paralelepípedo dão um ar romanceado enquanto que o que se vê é um casal andando cambaleante, rindo e se divertindo de maneira a emanar a pureza e a reciprocidade do amor. E o enredo lírico não foge da estética paisagista imaginária. Afinal, o que Avril proporciona é uma história que tangencia o primeiro amor, aquele ainda ingênuo e imaturo, mas cuja entrega é mais intensa e a honestidade sentimental guia o relacionamento de emoções recíprocas. “I get caught up in the moment, all up in my feels. You’re the one that controls it!”, confessa o eu-lírico claramente com brilhos embriagantes de uma paixão verdadeiramente sentida. Kiss Me Like The World Is Ending é uma canção guiada sonoramente por uma estridência grave entregue pelo baixo que, apesar de muitas vezes ser ofuscado pela guitarra e bateria, está lá entregando a pressão linear que dá corpo e base sólida à canção.


Uma mudança súbita. A paisagem romanceada com Sol, arco-íris e uma leveza estonteante é dominada por densas camadas de uma nuvem cinza. A chuva antes caída como véu de noiva agora está mais forte e com gotas mais robustas. Os paralelepípedos agora estão submersos em águas represadas por falta de caminhos para onde fluir. A praça está vazia. Solitária. Triste. Eis o que as notas graves, espaçadas e melancólicas do violão entregam ao ouvinte. Com a entrada do piano cujas notas são pinceladas durante a melodia do primeiro verso, a canção assume ares amplamente dramáticos e tensos. Apesar de o instrumental ser completo, Avalanche é uma canção introspectiva, sentimental e que exala certo desespero emocional. É uma música que narra os momentos em que o eu-lírico é abraçado por uma depressão incômoda que se apresenta mais forte do que a vontade de superá-la. É sobre a fragilidade, sobre insegurança, sobre superação. Sobre autoconhecimento. Não à toa que a personagem deseja, em meio aos seus devaneios mentais, que “I wish my life would’ve came with instructions”. De certa forma, Avalanche se mostra como uma irmã próxima de Head Above Water, canção em que Avril se expõe ao traduzir em palavras suas dores e aflições.


Um sonar agudo e adocicado surge como um travesseiro forrado por um tecido macio e aconchegante. Eis que, de súbito, tal objeto é detonado fazendo com que algodões e penas sejam lançadas sem harmonia pelo ambiente a partir de um instrumental explosivo que, curiosamente, carrega traços de uma sensualidade áspera desproposital. Déjà Vu é uma canção em que Avril narra a disparidade de maturidade entre as partes de um casal. De outro lado, existe uma crítica à ideia de que a mulher é fútil e que pode ser comprada com objetos caros. É uma canção em que o eu-lírico se dá conta que maturidade e imaturidade não combinam e exclama em tom de ordem: “I’ll buy a range rover just to run you over and call you out”. Afinal, é como a própria personagem diz à outra metade do relacionamento: “It’s time to act your age” em uma clara alusão ao comportamento infantil e mimado da pessoa.


A melodia criada pela guitarra remete por curtos momentos aquela criada por Jeff Stinco na introdução de When I’m With You, faixa do Simple Plan. Ao mesmo tempo, ainda existe, nesse recorte, uma semelhança estilística com aquela estruturada em Misery Business, single do Paramore. Excitante em sua linearidade pop punk, F.U. é uma canção sobre um relacionamento desgastado em que uma das partes tenta expor suas infelicidades e a outra não as ouve. “I try to tell you about it. I yell, scream and shout it. Hate it, but it’s true: I’m fucking over you”, desabafa o eu-lírico. No refrão de melodia chiclete, a forma como Avril desenha as linhas de canto de alguma maneira reciclam a pronúncia das primeiras palavras do refrão de Smile, single de Goodbye Lollaby, seu quarto disco de estúdio. Por fazer referência à uma série de canções pop punk, F.U. pode muito bem ser considerado um single lado b de Love Sux.


A sonoridade do despertar da faixa remete claramente ao som do iniciar de If You Only Knew, single do Shinedown. Conforme um aroma nostálgico e uma luz solar amena vão emergindo, a canção vai assumindo uma aceleração truncada que, surpreendentemente, é guiada por uma linha de baixo linear e precisa que faz a melodia desembocar em uma segunda estrofe que guarda uma agradável surpresa. Nela, uma voz levemente grave e de sotaque indiscutivelmente californiano assume o microfone. É Mark Hoppus fazendo com que a canção, de alguma maneira, soe como um encontro entre amigos. Afinal, ao seu lado, além de Avril, está Barker, seu companheiro de banda. Apesar disso, a cantora conseguiu fazer com que All I Wanted mantivesse sua assinatura sonora e se distanciasse do som do Blink-182. Nesse sentido, a canção traz um enredo singelo em que o casal busca fugir da cidade juntos, uma vontade que é existente em todos os relacionamentos adolescentes: o sentimento de não pertencimento com relação à cidade onde vivem em contraponto ao alicerce de confiança e respaldo que a outra metade do casal pode oferecer. Entrega, confiança e traços joviais de uma ingenuidade pura. É por essas características que All I Wanted pode ser considerada uma segunda etapa de Kiss Me Like The World Is Ending.


Sobreposições vocais e melismas. Notas graves e espaçadas do piano. Tal conjuntura de elementos sugere uma dramaticidade de intensidade crescente a partir do minimalismo melódico. Conforme os versos vão sendo pronunciados, um riff de guitarra soa como no processo de despertar, pois seu som é ouvido ao fundo de maneira amplamente sutil. Dare To Love Me é uma canção que, enfim, assume a função de balada de Love Sux. De outro lado, esta é uma música em que o enredo traz um eu-lírico com cicatrizes causadas por sofrimentos sentidos em relacionamentos anteriores, mas que, novamente, se vê apaixonado. É aí que entra o medo da entrega guiado pela insegurança de sofrer todas as mesmas dores. “So don’t tell me that you love me if you don’t mean it”, “don’t say another damn word if you don’t believe it”, clama com um desespero controlado o personagem. Dare To Love Me é sobre amar novamente, mas também sobre sofrimento, confiança e aprendizado. A narrativa da fluidez, imprevisibilidade e heterogeneidade da vida sob a ótica do relacionamento.


Um chamado provocante. Uma melodia áspera, mas curiosamente macia e ácida ao mesmo tempo. Não é uma sonoridade grudenta, mas sua estrutura penetra facilmente na cabeça do ouvinte graças, principalmente, aos “oohs” inseridos estrategicamente durante o refrão. Com a duração mais curta de todo o álbum, Break Of A Heartache é uma canção que narra a vontade de uma das partes de um relacionamento de ter uma segunda chance. De outro lado, é uma canção que traz o feminino novamente dominando a situação de maneira a alcançar um autoconhecimento e uma autovalorização capazes de manter a postura e não se deixar levar pelo sentimentalismo de carinhos do passado.


Depois de 18 anos, Avril Lavigne enfim retorna ao cenário que corresponde à sua casa no ambiente musical. Com Love Sux, a batizada Avril Ramona Lavigne retoma a sonoridade pop punk regada a guitarras distorcidas, melodias em 4x4, estruturas líricas chicletes e um espírito adolescente próprio do subgênero.


Não à toa que para dar ainda mais peso ao retorno às origens, Avril construiu uma sonoridade que traz referências a diversas outras bandas do espectro pop punk que vão de The Offspring, Simple Plan, Blink-182 e Paramore. E por falar no grupo californiano, além de ter Travis Barker como baterista, a cantora ainda trouxe o baixista e vocalista Mark Hoppus para compor uma canção.


É por essa razão que Love Sux soa duplamente leve, contagiante, sedutor e agressivo ao mesmo tempo. Sua sonoridade possui um frescor latente que exala uma forte brisa californiana a partir da melodia estruturada. Tal evento auxilia ainda mais na construção de versos e sonoridades que ficam mais facilmente guardadas na mente das pessoas.


Porém, não é apenas o retorno ao solo pop punk que chama a atenção em Love Sux. Todas as suas 12 faixas falam com um público que não excede os 15 anos de idade e traz mensagens fortes endereçadas exclusivamente ao recorte feminino. Empoderamento, autoconhecimento e autovalorização são temas que formam a base lírica de faixas como Cannoball, Bois Lie, Bite Me, Love It When You Hate Me, faixa-título, Déjà Vu, F.U. e Break Of A Heartache.


De outro lado, canções como Kiss Me Like The World Is Ending e All I Wanted retratam a ingenuidade e a pureza dos primeiros relacionamentos amorosos. A entrega, a confiança e a reciprocidade são sentimentos que regem ambos os enredos de maneira a oferecer calorosas nostalgias ao ouvinte.


Vindas de um ambiente mais denso, Avalanche e Dare To Love Me trazem questões explícitas sobre depressão, insegurança, medo e sofrimento. Enquanto a primeira funciona como um traçado doloroso rumo ao autoconhecimento, a outra é sobre o se apaixonar novamente e o medo de sofrer as mesmas coisas de relacionamentos anteriores. O ponto é que ambas as músicas falam, de certa maneira, sobre autoconfiança.


Oferecendo a esses enredos uma trilha sonora tipicamente pop punk, Manny Marroquin proporcionou uma mixagem em que o tripé sonoro do subgênero estivesse sempre audível, inclusive as três guitarras e três baixos extras executados por Michael Bono, Scot Stewart e Dylan McLean. Claro que ele não excluiu os instrumentos extras incluídos ao longo das faixas. E amarrando toda essa conjuntura está a dupla John Feldmann e Derek “Mod Sun” Smith que ofereceu uma produção sentimental e sensível a ponto de combinar drama com rebeldia, romance com aspereza, lentidão e aceleração, pop e punk.


No que tange a parte visual, ela traz uma temática diferente em relação aos trabalhos anteriores da cantora. Feita entre Alex Kirzhner e Joe Termini, ela é banhada em um vermelho de tom alaranjado com pinceladas de preto através dos balões segurados pela cantora. Tal composição de cores comunica de imediato que o álbum possui sonoridade mais pesada e já dialoga com o pop punk de maneira que o traje utilizado por Avril também auxilia nessa constatação.


Lançado em 25 de fevereiro de 2022 via DTA Records, Love Sux é o retorno ao pop punk. É o empoderamento feminino. É a ingenuidade, a sutileza, o drama, o romance, a rebeldia. É o retrato adolescente focado única e exclusivamente no ponto de vista da mulher de maneira cativante e penetrante.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.