Safiyah Hernandez - Homesick

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 0.00 (0 Votos)

Mais um nome surge no mercado da música internacional. Aos 15 anos de idade, a californiana Safiyah Hernandez se anuncia na indústria da música com Homesick, seu álbum de estúdio de estreia. 


É como sentir o veludo do cobertor ou um abraço quente e nu envolvendo o corpo. Esse veludo estonteante vem tomando corpo a partir da sincronia sensível entre guitarra e fender rhodes de Stari. De swing convidativo e sedutor, a canção tem seu corpo melódico completo com a entrada de um vocal de timbre grave, mas de pronúncia curiosamente sensual. É Safiyah Hernandez preenchendo com uma delicadeza quase introspectiva a estrutura sonora de 9pm, uma música de base R&B que trata de perseverança, esperança e, principalmente, de superação. Melancólica, a faixa traz um enredo de cunho autobiográfico e visceral de uma personagem que busca motivação para continuar a vida e explicação para a existência de uma tristeza barroca.


A guitarra de riff grave introduz um rock alternativo áspero à introdução do novo alvorecer. Acompanhado de um beat bem marcado, o instrumento segue como protagonista rítmico dessa que é uma canção de corpo melódico bem presente graças ao bojudo e audível baixo que vai desenhando os contornos da base melódica. De aroma leve e juvenil, Skateboard traz um contexto leve e até mesmo imaturo que, entre o indie rock, raspas de R&B e outras pitadas de art punk. Novamente repetindo o ecossistema urbano, Skateboard é liberdade, é autoconhecimento, é independência. É a busca por pertencimento associada à necessidade de afeto.


Delicada, acústica e macia. A introdução vem repleta de um frescor melancólico em que a movimentação vocal de Safiyah é o elemento que, no amanhecer sonoro, designa a cadência rítmica. Experimentando maiores alcances vocais, a cantora torna Hummingbird um produto de mesclas de música árabe que surpreende em seus últimos instantes. Pouco antes de seu encerramento, Hummingbird mergulha em uma inesperada explosão dramática dominada pelo groove da bateria de Martin Rodrigues, a qual auxilia neste que é um intenso enredo sobre luto, sobre a abrupta separação, sobre a dor. Não à toa que a interpretação lírica por Safiyah assumida representa e encarna o sofrimento de uma vivência não desejada. Uma experiência profundamente desgostosa.


A acido-maciez do wurlitzer se une a um lampejo grave clássico do violino de Justin Ouellet nos primeiros instantes de um novo ambiente, um ecossistema que une classicismo com pop, dramaticidade e sensualidade. Neon Lights é inesperadamente um diálogo proposto entre Safiyah e Deus, uma conversa franca, impositiva e questionadora que busca respostas sobre destino, sobre confiança. Sobre medo. Neon Lights é simplesmente a busca por proteção enquanto associada com os diversos desafios que a vida proporcionou para alguém que ainda nem passou dos 20 anos. É a maturidade prematura e as inseguranças que ela traz.


Macia e de bumbos bem marcados que introduzem uma mistura de trap ao pop-R&B, a presente canção vem com um compasso contagiante e uma leve dramaticidade adocicada inicial proporcionada pelos delicados sonares do piano de Jackson Kinder. Como uma canção amplamente entorpecida graças aos gélidos sons do sintetizador, Stardust permite ao ouvinte uma sensação flutuante enquanto dialoga sobre as mudanças que a fama e a indústria da música trazem ao novo produto artístico. Esse, inclusive, é um tema que foi igualmente abordado em trabalhos como Good Thing We Stayed, de Julia Wolf, Aju, de Ajuliacosta e mais recentemente, em Rush!, do Måneskin.


Valsante, minimalista e com crescente harmonia. Entre apoios vocais vindos do auxílio do backing vocal de Ari Carpenter, sintetizador e uma guitarra de riff linear, a canção soa como um monólogo levemente dramático. Ganhando contágio através do beat sequencial em sua segunda metade, Mars, uma música cuja melodia flerta levemente com aquela desenhada em Starman, single de David Bowie, acompanha Safiyah em seus devaneios sentimentais com a natureza e tudo o que a circunda. Seus pensamentos sobre as razões do descaso social em relação àquilo que é natural, como as árvores e à água a levam para questionamentos que pairam perante uma evidente ausência de amor-próprio, de humildade e, principalmente, de respeito. Mars é uma metáfora da tentativa de uma vida melhor fora da Terra, uma vez que seu ecossistema foi gradativamente danificado pela ação do homem. Tal tema foi inclusive muito bem abordado na animação da Pixar WALL·E.


O chiado ao fundo introduz uma leve noção de lo-fi a uma canção que já amanhece estridentemente adocicada e melancólica. De pitadas nostálgicas e com um canto acompanhado por violinos chorosos, San Francisco é, assim como Hummingbird, uma canção em que Safiyah se encontra novamente lidando com a dor, com o luto e, também, com a solidão. Não à toa que a atmosfera gélida, por entre a utilização de subgraves, confere à canção uma mistura de melancolia e nostalgia.


Ukulele de linhas curtas e lineares. Sobreposições vocais rápidas, como um sopro de vento. A melodia que se evidencia promove a mistura do pop com o folk enquanto o baixo vai produzindo um corpo sustancioso à sonoridade que exala aromas sensualmente latinos. Butterflies, uma música cuja cadência vocal assumida por Safiah recria a estrutura lírica criada por Ariana Grande em seu single Side To Side, foge da dramaticidade melódica por imprimir, também, pitadas de reggaeton, mas continua forte no quesito lírico. O amadurecimento e o medo das mudanças são temáticas cabíveis para alguém que ainda está na casa dos 15 anos e que, por isso, soa original e verdadeiro. A insegurança é o sentimento que paira por toda a infraestrutura da presente faixa.


O piano vem levemente adocicado, mas encarna a dramaturgia chorosa enquanto serve de apoio ao vocal que surge quase em uníssono. Entre falsetes bem pronunciados, Safiyah insere linhas líricas que funcionam como principal elemento melódico que, inclusive, denota o tempo rítmico. Nesse ínterim, Daydream vem quase na contramão de Butterflies, pois traz uma personagem lírica mais madura e consciente, mas que se deixou levar por ideias de um falso amor que a deixou dependente de uma ilusória sensação de afeto e carinho. Novamente, um tema abordado por Julia Wolf em sua música Virginity.


Gradativamente crescente, de aromas latinos e sensuais e que já imprime noções de swing. De bumbos bem marcados, a canção traz uma maciez inebriantemente contagiante por conta do movimento do violão, o que torna sua estética rítmica amplamente atraente a permitindo ter um forte caráter radiofônico. Como um primeiro forte single de Homesick, Grey Skies é minimalista em estrutura e de melodia majoritariamente linear, mas ao lado da interpretação lírica mais relaxada de Safiyah, traz uma personagem consciente, confiante, portanto, livre de medos. De atmosfera até mesmo mais animada e levemente inspiradora, Grey Skies apresenta a fé no destino e liberdade do passado. É simplesmente um ensinamento do viver o presente e deixar a vida acontecer, o que para Safiyah representa uma grande conquista que rompe com as densas inseguranças narradas em Neon Lights e Butterflies.


Um baixo de linhas graves, mas sedutoras, macias e contagiantes, dá o amanhecer da nova faixa. Seguido por um beat simples e em cadência 4x4, o instrumento propicia a criação de uma ambiência indie e alternativa cujo destaque recai sobre a leveza e doçura do ukulele que acompanha em uníssono os movimentos líricos. Entre altos e baixos dos alcances vocais de Safiyah, Pink Sunglasses transpira a brisa praiana e despreocupada. Com ares de verão, a canção narra o fim de um ciclo e o começo de outro. O fim da era escolar para o despertar do período universitário. Mas isso não impede comemorações e curtição. E é exatamente o que a personagem lírica, com sua pureza e ingenuidade, busca fazer. A simplicidade de um jantar com coca-cola ou um passeio ao cinema são eventos que muito representam a adolescência e a fase juvenil, algo que, de maneira bastante singela, traz um recorte autobiográfico de um momento vivido pela cantora.


Uma atmosfera inebriante, embriagante e levemente azeda imerge a partir do riff da guitarra, um riff que, por vezes, recria na mente do ouvinte aquela mesma melodia feita por Jimmy Page na introdução de Stairway To Heaven, single do Led Zeppelin. Minimalista, mas com forte e marcante melodia proporcionada pela valsa potente entre voz e guitarra, Yellow tem um refrão penetrante graças à união do beat e pelos versos onomatopeicos proferidos por Safiyah, que novamente deseja uma estranha liberdade fincada pelo sentimento nostálgico de um tempo que curiosamente representava vida. Não por menos, Yellow é a busca pela intensidade como meio de fugir da sensação inconsciente de solidão e de estar perdida.


Uma ambiência curiosamente exotérica emerge da sincronia entre vocal e sonares vindos do sintetizador. Misturando melancolia, swing e contágio, You’re So Cool reemprega a bateria acústica de Rodrigues, elemento que é a base para a elaboração de um movimento rítmico cadenciado. De refrão explosivo e dramático, You’re So Cool traz um canto que aparenta ser despropositadamente sensual que dá vida a um enredo de um romance quebradiço, inconstante e frágil. Um relacionamento desarmônico entre pessoas cujo momento de maturidade individual não se sintonizavam. A incerteza e o medo unidos a um sentimento que ainda era difícil de assimilar. You’re So Cool é, então, um relacionamento que, se ocorrido mais tarde, poderia ter sido mais duradouro. Uma música intensa, mas construída de maneira penetrante que a faz ser outro single radiofônico de Homesick e que, curiosamente, relembre a estrutura melódica de canções do Greta Van Fleet.


Dramático, melancólico, barroco. Inconstante. Homesick é um monólogo de uma jovem com suas emoções e seu inconsciente. É a instabilidade de um indivíduo no processo de amadurecimento e autoconhecimento. Um produto que mistura dor, tristeza, saudade, insegurança e frenesi.


O principal ponto do material é que ele apresenta ao mercado de música global uma pessoa que, mesmo aos 15 anos, possui uma voz de timbre potente e penetrante e que, principalmente, tem noção disso. Safiyah Hernandez desde o primeiro momento em que abriu a boca para lançar seu primeiro sonar provou ter consciência e consistência vocal.


Trazendo um enredo indiscutivelmente autobiográfico, a jovem californiana acabou fazendo de Homesick um material que soasse como a mistura equilibrada de Lana Del Rey, Lorde e Billie Eilish. Até por isso é possível do ouvinte entender a abundância com que o álbum apresenta a fusão de detalhes como a obscuridade, a sensualidade e a complexidade.


Enquanto dialoga sobre amadurecimento, inseguranças, dúvidas, medos, dores, tristezas, sobre a necessidade de pertencimento e de se sentir querida, Safiyah, com auxílio da mixagem de Hanan Rubinstein, amplifica essas emoções por meio da mistura de gêneros musicais como o R&B, o trap, o lo-fi, folk, o indie, o rock alternativo, o art punk, o reggaeton e, também, o pop.


Lançado em 01 de fevereiro de 2023 via Young Forever Inc., Homesick é a pureza, a ingenuidade e o frescor da adolescência. São os medos, as inseguranças e as tristezas que a maturidade fornece. É um retrato autobiográfico da vida de Safiyah Hernandez, uma artista que, tão jovem, já mostra força, resistência e coragem de se abrir para um mundo ainda desconhecido para ela: o do showbusiness.



















Compartilhe:

Cadastre-se e recebe as novidades!

* campo obrigatório
Seja o primeiro a comentar
Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.