Atemiz - Tipo GPS

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Vindo de Porto Alegre (RS), o trio Atemiz, em seus 12 anos de carreira, já coleciona uma discografia com três álbuns de estúdio e um EP. Neste ano, ele retoma as atividades depois de sete anos sem material inédito e anuncia um novo produto. Intitulado Tipo GPS, o documento é o quarto álbum e o sucessor de Tudo Que Quero Contra Aquilo Que Preciso.


Uma guitarra melódica e ácida puxa o amanhecer sonoro com toques de frescor e curiosas brisas praianas. Com o auxílio da bateria explosiva e cadenciada de Gaba Wozniak, a canção apresenta uma mistura estilística de hardcore com uma aura emocore que recria a atmosfera do início dos anos 2000. De som distante, a canção é agraciada por um vocal aveludado que, oferecido por Guto Gaelzer, coloca nos ingredientes rítmicos pitadas de melodrama. Tendo esse fator exalado até o fim de sua execução, a faixa-título, além de ter um corpo bastante presente graças ao baixo grave e levemente estridente de Nick Motta, possui uma maior precisão por conta da guitarra de Gui Wildner. Ente falsetes bem proferidos, Gaelzer torna a faixa-título um produto que dialoga sobre a dificuldade do ato de se expressar, associada com a intensa sinceridade e honestidade para com aquilo que o coração quer comunicar. É nesse quesito que o relacionamento com o destino também é colocado em pauta, pois novamente é a partir do sentimento que o tempo e a imprevisibilidade do futuro assumem formas mais tangíveis.


É como uma forte chuva caindo do lado de fora. Não há tristeza ou dor, mas seu frescor traz uma espécie de melancolia perfumada conforme, entre os micro-intervalos entre as gotas, um arco-íris se forma, tornando a cortina de água um quadro naturalmente belo. A pitada extra de dulçor recai sobre as notas aveludadas do teclado impressas pelo sintetizador impresso por Henrique Harris Lopez. Melódica e com singelos traços que unem dramaturgia e nostalgia, Máquina Do Tempo retrata a força do pensamento como uma espécie de artefato que auxilia na recordação de eventos anteriormente vividos. A relação com o passado, portanto, é o ponto central do presente conteúdo, bem como a noção de que aquilo que foi experienciado interfere no caráter assumido pelo indivíduo nos dias atuais.


Como o Sol nascendo nos horizontes longínquos, a melodia vem de maneira gradativa a partir de um vocal distante, mas que dá passagem para um instrumental melódico e explosivo. Curiosamente, a bateria surge mais precisa e com um compasso mais firme em relação às outras composições. É Bruno Lamas dando mais vivacidade para Me Sinto Só, uma faixa que, apesar de retratar uma solidão relacionada à nostalgia de um passado intenso, possui uma base hardcore mais presente. De caráter juvenil, Me Sinto Só ainda é agraciado por um corpo bojudo que, graças ao baixo, possui pitadas de stoner rock que suavizam o melodrama de um personagem intensamente mergulhado em uma solidão autoimposta, mas curiosamente reconfortante.


Doce e macia. Um conforto aconchegante semelhante àquele de estar observando a chuva cair do lado de fora enquanto protegido e aquecido dentro de casa. Esse clima que beira o nostálgico e o melancólico abraça o ouvinte de uma maneira tão reconfortante que a faz ter até mesmo um teor entorpecido.  Sem o uso do falsete, Gaelzer vem com um timbre mais agridoce, um tempero que engrandece o contexto romântico de Sempre Aqui, uma canção que, próximo da passagem entre o pré-refrão e o refrão, possui uma frase melódico que muito se assemelha ao último verso melódico antes do ápice de Is This Love?, single do Whitesnake. Com esse tom ultrarromântico, Bem Aqui mostra que todos precisamos de um tempo a sós para reorganizar as ideias e as emoções, mas que isso não significa tristeza ou o fim de algo. É apenas um momento necessário de introspecção que acaba se tornando a primeira balada de Tipo GPS.


Com aroma nostálgico da temática emocore brasileira dos anos 2000 e com uma pitada synth-pop contagiante, a base hardcore ainda permanece como DNA melódico. De toques alegres e surpreendentemente motivacionais, Segunda Eu Começo é a sede pela vida misturada com as incertezas, os medos e as inseguranças. A maturidade, a perseverança e a confiança na imprevisibilidade do destino fazem de Segunda Eu Começo uma canção que estimula o recomeço e faz com que o ouvinte perceba que todo o dia é uma nova oportunidade para reescrever ou simplesmente escrever a própria história.


A bateria surge opaca e com um áudio propositadamente distante. A cadência rítmica do vocal, na introdução, em especial a forma como se pronuncia as palavras ‘dessa zona’, recria a mesma estrutura lírico-rítmica do refrão cantado por Mike Shinoda em In Between, single do Linkin Park. De melodia minimalista e introspectiva, a melancolia se mostra bem presente em Embarque, uma música que fala não apenas de superação, mas também de desapego e libertação. Assim como Segunda Eu Começo, a presente faixa tem fortes mensagens motivacionais que, além de mostrar que cada um tem seu tempo de assimilar as coisas e a incentivar o respeito com relação às emoções de terceiros, ela ensina a olhar o que há de bom naquilo que parece trazer apenas tristeza.


Explosiva e melódica desde o início, ela vem, sem timidez, com uma nitidez em seu corpo melódico ácido e levemente estridente construído pelo baixo. Com estrutura melódico-rítmica com forte influência do Blink-182, Eterno Retorno tem gostos pop punks, mas uma acidez suja típica do hardcore. Eterno Retorno é o autoconhecimento associado com o medo da rejeição. O se encontrar e o se conhecer são desafios amedrontadores. Porém, quando vencidos, eles dão força e resistência, pois dão autoconfiança ao indivíduo e é isso o que o personagem de Eterno Retorno busca.


Um aroma caiçara, fresco e entorpecido. Macia, swingada e de melodia alegremente nascente como o amanhecer, a presente canção vem com um contágio diferenciado e abraçada por um refrão-chiclete. Tendo no baixo de linhas graves o principal elemento sonoro na primeira estrofe de sua segunda metade, Nuvens é a busca da coragem para enfrentar a vida. É a coragem de não se apoiar em meios entorpecentes para enfrentar, lúcido, os desafios que a vida oferece. Nesse ponto, Nuvens é quase como uma continuação linear de Eterno Retorno, pois o autoconhecimento buscado em uma traz a coragem necessária e idealizada na outra faixa. Um single alegre, melódico e contagiante de Tipo GPS.


A frase de guitarra desenhada por Lopez no despertar de Obrigado recria aquele aroma melancólico-nostálgico-emocional criada por Billie Joe Armstrong na introdução de Good Riddance, single do Green Day. Doce, singelo e melódico, esse sonar permanece emotivo mesmo quando o timbre das cordas dá uma leve engrossada. Com rompantes de um denso pop-hardcore, Obrigado é romance, mas apenas como artifício para criar um elo mais direto entre o ouvinte. Afinal, o que a canção de fato faz é dialogar sobre coragem, sobre a melhor maneira de se expressar, sobre enfrentar o medo e, principalmente, ser quem se é. A confiança no destino, em Obrigado, fala tão alto quanto em Segunda Eu Começo. É assim que a presente faixa se transforma em outra importante faixa de cunho motivacional do disco.


Vozes desconexas são ouvidas ao fundo como se estivessem em uma acalorada reunião. O som da distorção despertando surge então na primeira camada sonora, rompendo com aquele zunzunzum. De temática linear e tímida, a guitarra começa a criar a melodia da nova canção ao lado do vocal. De maneira minimalista, Anos-Luz vai tomando corpo, se mostrando um produto contagiante e levemente explosivo. Levemente dramática e com uma construção lírico-melódica no refrão sutilmente semelhante àquela visceral de Te Levo Comigo, single do Restart, Anos-Luz é a não-superação do término, é o masoquismo de continuar vivendo rotinas e memórias que não mais possuem o mesmo valor, mas que são motivadas por uma falsa e insana esperança de retorno. Anos-Luz é, simplesmente, a negação do luto de um término não conformado.


Melodramático, visceral e retro. Tipo GPS é um trabalho que recicla e revive a sonoridade emo que tanto marcou os primeiros estágios dos anos 2000. Com a devida e intensa sensibilidade, o álbum consegue representar todos os anseios e as confusões emocionais dos adolescentes. Não à toa que, apesar de adotar o hardcore como base melódica, possui enredos que espelham brilhantemente a comunidade teen.


Com som marcante, nostálgico, melancólico e dramático, o álbum dialoga, entre suas 10 faixas, sobre medo, insegurança e autoconhecimento. O temor da rejeição, a relação com o tempo, com o passado e com o destino, bem como o incentivo a ter coragem de enfrentar os desafios da vida são temáticas abordadas de maneira bastante sensível pelo Atemiz.


Exaltando a sincronia melódica entre Gaelzer e Motta, que, de maneira bem transparente, se espelha na sinergia entre os vocais de Di Ferrero e Gee Rocha, o álbum vem ainda com um peso rítmico mais denso possibilitado pelo emprego de guitarra e baixo extras por Lopez. Contudo, isso não escondeu uma falha.


Apesar de, de fato, trazer um som potente, a mixagem também feita por Lopez peca em trazer como produto final melodias que soam distantes, uma equalização que ficou quase como segundo plano. Por vezes, esse detalhe é o que impede as faixas de terem o devido punch.


Ainda assim, o Atemiz conseguiu mostrar que, em Tipo GPS, existe muito mais que hardcore como a melodia que pauta sua totalidade. Entre as 10 faixas, o álbum traz também a synth-pop, o pop punk, o emocore e o stoner rock como trilhas sonoras que acompanham lirismos visceralmente melodramáticos.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Guilherme KROL, ela tem estruturação simples, mas que representa de maneira transparente tudo o que o álbum comunica. Com um fundo alaranjado, a obra traz solitariamente em primeiro plano uma bússola. O objeto, associado aos enredos do disco, comunica a busca pelo autoconhecimento, pela plenitude, pela autoconfiança, pela coragem. Mostra o sentido que o destino indica para a vida.


Lançado em 03 de fevereiro de 2023 de maneira independente, Tipo GPS tem aroma juvenil com trilha sonora do passado. É um material sensível que dialoga sobre os anseios, os medos, e as inseguranças de um grupo de pessoas ainda em fase de amadurecimento. Tipo GPS é a insegurança com relação ao destino e a transformação da ingenuidade em confiança e coragem. Um produto delicadamente representativo e motivacional.


















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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.