Sacrifix - World Decay 19

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 0.00 (0 Votos)

Pandemia também é momento de refletir, parar, pensar e fazer projetos. Nesse ínterim, Frank Gasparotto decidiu tirar do papel um antigo projeto musical. Para ele, porém, o pensado não foi nem mesmo pegar a rebarba dos gêneros dos anos 80, mas sim uma evolução de algo que surgiu na década de 1970. O Sacrifix é um expoente do thrash metal, um filho bastardo do heavy metal, e veio ao mundo a partir da parceria entre dois selos nacionais especializados, os quais tornaram possível o lançamento de World Decay 19.


Barulhos bruscos. Uma atmosfera que mistura o caos e o sombrio se forma a partir de elementos trevosos introduzidos na sonoridade. Gritos. Intro funciona como um aviso sincero de que o que está por vir pode não agradar a todos os ouvidos, mas acima de tudo, pode despertar instintos a muito tempo adormecidos.


Golpes de bateria dão passagem a uma guitarra de riff melódico com pitadas de agressão. A forma como suas linhas introdutórias foram criadas, porém, deixa perceptível a influência de subgêneros como o speed metal na sonoridade, algo que se soma harmonicamente com o punch rítmico. Mas não só isso. A música Let Him Die também possui pontes que permeiam a singela divisa do heavy metal e do hard rock, trazendo peso e, ao mesmo tempo, swing. A verdade é que essas assimilações acontecem nos versos iniciais, afinal, quando o primeiro verso de fato se pronuncia, o que se tem são linhas tradicionais do thrash metal. Rápidas, ásperas, raivosas e regadas em distorção, essas linhas servem como uma cama de espinhos para um vocal igualmente áspero. Calcado no drive, a voz de Gasparotto remete instantaneamente ao timbre e a cadência do vocal de James Hetfield, cantor do Metallica. O curioso é que, mesmo com uma raiva exacerbada, a compreensão do inglês por ele adotado não gera dificuldades interpretativas, uma vez que sua dicção é clara e nítida.


Apesar de bateria, guitarra e baixo invadirem juntos o ambiente proposto pela faixa Living Hell, o protagonismo é indiscutivelmente do baixo de linha sutilmente acelerada, a qual sobressai em meio dos espirros ásperos do riff da guitarra e do pedal duplo da bateria. Fugindo da métrica convencional, a música possui, logo no segundo verso, a introdução de um solo melódico e, ao mesmo tempo, sofrido com toques de sentimentos de vingança, algo que cria uma dicotomia interessante em meio à melodia introdutória. É claro que a harmonia se transforma drasticamente no desenrolar da faixa. Se tornando novamente um típico thrash metal, ela serve de base para um lirismo de crítica à realidade mundial, com isolamento e as notícias de informações duvidosas.


Agressiva, pesada, irada. O início da música Sacrifix não é apenas um despertar. É uma bomba sonora jogada no ambiente. Bruta e rápida, ela é uma injeção de adrenalina sem prescrição médica. Com o sangue correndo em ritmo descontrolado, o ouvinte mal consegue se controlar na cadeira. É nessa faixa que se percebe que existe uma química bem estruturada e cimentada entre os integrantes. Todos eles, além de estarem no mesmo nível de competência, estão ligados na mesma energia. Cada um completando o outro na sua destreza e agressividade. Como o nome da faixa é o mesmo do nome do grupo, o que se percebe é que a música serve como uma autoafirmação. Sacrifix é thrash, Sacrifix é rápido. Sacrifix é rock. E por isso, a música tem o perfil de um single de peso de World Decay 19.


Golpes incessantes nos tons na companhia de um riff de guitarra áspero e agressivo já mostram que a faixa que está nascendo continua ofertando única e exclusivamente o thrash metal. O interessante é que o final do verso introdutório, uma energia de jam session se une a uma temática de encerramento de show em uma mistura excitante. É depois desse momento que Pain de fato vem ao mundo. No verso de nascimento da faixa, a bateria se mostra menos rude. Com groove mais leve e com a utilização excessiva do prato China, ela demonstra que a música terá ares até mais sombrios do que aqueles construídos anteriormente. E de fato isso acontece. Mas junto com o sombrio vem um ritmo de temática amplamente sedutora que faz com que a presente faixa se una a Sacrifix no time de singles do álbum.


Escape segue a mesma receita apresentada em Sacrifix e Pain com ritmo acelerado, agressivo e com toques de raiva. Mas o que interessa aqui é a capacidade de o Sacrifix conseguir combinar as características do thrash em um ritmo que soa contagiante e atraente. A canção contém o peso que o grupo paulistano já demonstrou ser uma de suas assinaturas sonoras, mas, além disso, traz uma letra reflexiva. E é aí que ela pode ser considerada uma faixa-irmã de Living Hell. Afinal, enquanto a primeira escancara, com seu conteúdo lírico, a realidade da Covid-19, a segunda aborda a manipulação, questões relacionadas à ditadura e o fim da livre escolha.


Ritmo extremamente melódico. Contagiante. Toques de swing e cores mais amenas são percebidos na melodia criada em Evil Games. Isso faz com que ela assuma um caráter hard rock assim como aconteceu em Let Him Die. De ritmo estimulante e com linhas de um instrumental crescente, a faixa pode ser considerada um single lado B, uma vez que se distancia do peso excessivo do thrash metal. Curiosamente, as linhas criadas pela guitarra no refrão se assemelham com a melodia estruturada no ápice de Feel the Quite River Age, faixa do Live. Mas essa não é a única semelhança perceptível na música. Logo no início da segunda estrofe, a cadência vocal cria um elo direto com o movimento lírico feito por James Hetfield no refrão de Nothing Else Matters, single do Metallica. De toda a forma, o que se tem em Evil Games é, apesar da letra regada em críticas, uma música cativante e harmonicamente melódica. Mesmo sendo um cover do som de Angel Witch, a interpretação que o grupo deu à música poderia muito bem indicá-la como sendo de autoria do próprio Sacrifix, tamanha a entrega nela percebida.


Saindo dessa melodia mais pop, o Sacrifix opta por encerrar World Decay 19 com punch. E é exatamente isso o que a faixa-título entrega: distorção, pedal duplo cadenciado e uma agressividade sem rebeldia, mas regada em inconformismo. O caos se instaura em definitivo no segundo verso, quando o entrosamento entre os instrumentos cria uma sonoridade amplificada, levemente estridente, mas com muita pressão. 


Sem sombra de dúvidas o objetivo de Frank Gasparotto para com a estreia de Sacrifix foi executada com êxito. Afinal, o trabalho é um cartão de visita completo. Nele é possível transitar por suas influências que, apesar de conter melodias que se assemelham com a de grupos de outros subgêneros, majoritariamente se encontra traços que vão desde Metallica, transitam entre o Testament e vão até Exodus.


Com letras contendo críticas sociais e em relação ao momento atravessado pela população global, a temática lírica não poderia ser mais atual. E é justamente esse caráter de urgência insurgido pelo caos que pede que uma melodia de peso a abrace para causar um impacto reflexivo.


Esse detalhe da reflexão entrega ao Sacrifix até mesmo traços do progressivo, mas é algo que não pesa de forma significativa na estética rítmica do grupo. Afinal, esse é um setor totalmente separado do campo lírico.


A melodia e a harmonia foram devidamente lapidadas por Marco Nunes, quem conseguiu captar o caráter de urgência e canalizar a competência individual dos músicos em um produto final limpo, nítido e protegido de ruídos. Afinal, não é apenas por ser thrash que o resultado do trabalho deve ser uma sonoridade suja.


Sendo todos os instrumentos gravados por Gasparotto, fica à cargo de Kexo e Gustavo Piza interpretarem, daqui para frente, toda a melodia presente nas linhas do baixo e bateria, respectivamente. O importante é que os músicos captem a pressão, peso e cadência, ingredientes tão exigidos dos instrumentos.


Outro campo que também conseguiu captar o teor atual do conteúdo lírico de World Decay 19 foi o artístico. Afinal, por meio de Márcio Aranha, a arte de capa ilustra a desinformação e o vício desenfreado pelo celular e seus aplicativos. Mas mais importante que esses dois fatores está o relacionamento com a morte, o qual mudou drasticamente desde a chegada da Covid-19. Por isso, os zumbis da capa estão chamando a atenção para algo urgente, que é o caos instaurado pela pandemia, um governo mal estruturado e uma população amplamente desamparada.


Lançado em 14 de abril de 2021 via Thrash Or Die Records e Rapture Records, World Decay 19 apresenta um thrash metal de caráter social. O peso do gênero, no caso, serve singelamente para chamar atenção da urgência da transformação social que o planeta, e o Brasil, inclusive, estão vivendo.

Compartilhe:

Cadastre-se e recebe as novidades!

* campo obrigatório
Seja o primeiro a comentar
Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.