Marc Verwaerde - A Better Man

NOTA DO CRÍTICO
Nota do Público 4.67 (3 Votos)

Ele é da erma Belle-Îlle, ilha localizada no noroeste da França. Porém, decidiu ficar entre suas raízes e a capital paulista. Foi nesse ínterim que Marc Verwaerde conseguiu dar um grande passo em sua carreira: lançar um material em carreira solo. Intitulado A Better Man, seu EP de estreia nasce, em suas próprias palavras, com a ambição de se igualar aos artistas que fizeram o som britânico no final dos anos 90 e início de 2000.


O ouvinte já é logo introduzido a uma sincopada, swingada e contagiante levada da bateria de Clément Febvre. Por meio dela, já é possível perceber uma movimentação rítmica fluída e contagiante até o momento em que seu protagonismo absoluto se torna humilde ao permitir a entrada de outros dois instrumentos. Agora assumindo a dianteira sonora, a guitarra de Marc Verwaerde, com seu riff agudo, desfila delicadeza e educação, enquanto o baixo de Jérôme Gras é ouvido com uma rigidez propositadamente serena, tal como a consciência chamando o espectador de volta à razão. Afinal, quando tais apetrechos sonoros se unem, uma melodia adoravelmente delicada, aveludada, gentil e fresca se forma, retirando o espectador de sua noção física e o transportando para um ambiente extrassensorial reconfortante. Ainda que existam lapsos de melancolia e nostalgia, a faixa-título funciona como um consolo, um abraço em meio ao sofrimento. Guiada por uma voz de timbre levemente nasal e com pitadas graves vinda de Verwaerde, a canção é preenchida por duetos proporcionados entre o cantor e o backing vocal de Ian Fonseca ampliando a harmonia lírica reflexiva. Recebendo, ainda, um arranjo clássico com direito ao sonar de violinos incutindo generosas doses de suavidade, a faixa-título é uma obra que educa, com bondade e pureza, a dar ouvidos aos indícios da vida, a não teimar por algo improdutivo, a seguir o destino com sabedoria. A persistência, determinação e autoconfiança são, aqui, qualidades determinantes para que seja possível relevar as negativas e não as deixar consumir seu equilíbrio sentimental, dando passagem a sensos como medo e insegurança. É na faixa-título que se percebe a presença de um ser onipresente que sempre indica ao homem com grande senso de humildade e humanidade, por meio de ações da natureza ou sociais, o caminho a ser seguido para que este se torne uma pessoa melhor.


Ela surge delicadamente açucarada em sua sutileza. Quase como uma canção de ninar, que acalma até o coração mais conflituoso, a melodia vem na forma de um abraço macio que oferece um êxtase de bem-estar. Com texturas brandas e mansas que dão ao tilintante sonar do pandeiro um sutil protagonismo diante da agudez do sintetizador e o grave do baixo na coxia melódica, I Love You encanta com seu minimalismo estrutural e com seu folk romanceadamente floral. Conforme vai amadurecendo em melodia, ainda que não entre em uma crescente, a canção funciona como uma troca de olhares carinhosos e cheios de reciprocidade em sua emoção não verbalizada, mas energicamente sentida e compreendida. Sob uma cama ácida e ondulante graças ao sonar do sintetizador, I Love You é mais que uma prova de amor, é o relato de como a pessoa age e transforma a vida do outro, suas opiniões e a maneira de viver as emoções. Nas entrelinhas, a faixa é uma simples obra de gratidão pela vida, mesmo em suas imperfeições.


O novo despertar apresenta uma atmosfera ainda serena, mas de princípios levemente dançantes através de seus tilintares agudos de cunho esotérico. Entre embrionárias menções à disco music e ao pop ao modo Coldplay, além de flertes com um rock alternativo ao estilo U2, com especial menção à energia introdutória de Beautiful Day, single da respectiva banda, If I Were You tem protagonismo do sintetizador na criação das texturas melódicas. Com refrão animado e contagiante, a canção vem com a tarefa de mostrar ao ouvinte de que é possível recomeçar, mesmo quando as dores e o sofrimento fazem pensar o contrário. É uma obra que deixa a alma mais leve e ausente de qualquer tipo de rigidez para que se permita ter esperança e enxergar no nascer do Sol do amanhã o alvorecer de uma segunda chance não apenas para si, mas para a vida.


Continuando com seu caráter delicado, a canção apresenta um início que incita um senso de surpreendente alegria. Ainda que a base melódica mantenha certo tom de melancolia, o trio de metais inserido por Sergio Coelho, Phelipe Sabo e Reynaldo Izeppi, coloca um embrionário toque solar na sonoridade. Definitivamente existindo, esse lado brilhante e sorridente acaba, ainda, dividindo espaço com certo ímpeto pelo torpor, sentimento que, por vezes, perde feio para um swing evidente, mas sem sensualidade no que se refere ao sexo ou ao desejo propriamente dito. Tendo em cada começo de verso uma familiaridade estética com o mesmo recorte estrutural de Don’t Look Back In Anger, single do Oasis, The Long Shot mostra um personagem que, após se perder por entre a falta de sentido, viveu um momento que lhe deu um start, um súbito de consciência que lhe permitiu encontrar a motivação que faltava para trilhar o caminho correto da vida a partir das vozes do destino.


A delicadeza parece atingir seu ápice através dos serenos dedilhares do violão. Conferindo ao ambiente um reconfortante toque bucólico, a canção tem seu início estruturado sob uma estética devidamente minimalista, calcada na sincronia apenas entre voz e violão. Na forma de um folk de essência bem interiorana, quase como se tivesse vindo de Louisiana, a canção transpira dulçor, sutileza e beleza desde a forma como o som sai do instrumento e o timbre ressoa pela boca de Verwaerde. Com esse contexto, Words é, assim como I Love You, uma canção de amor. Diferente da primeira, porém, a presente faixa tem o intuito de incentivar, no ouvinte, o ímpeto de urgência, de intensidade. Curiosamente, porém, o romance existente em Words é simplesmente uma maneira de mostrar o peso da frase ‘eu te amo’ e ilustrar seu intenso significado na vida tanto de quem a profere, quanto de quem a recebe. Em suma, Words é uma canção de amor que questiona, acima de tudo, se é possível alguém sobreviver no mundo sem experienciar essa emoção.


Adorável, delicado e fresco, A Better Man é um EP que encanta pela sua simplicidade estética, pelo seu minimalismo estrutural e pela sua sutileza melódica. A partir de um som gentil, afetuoso e compassivo, o material caminha por diferentes situações que podem ser atravessadas na vida de qualquer pessoa.


Entre as cinco faixas, Marc Verwaerde convida o ouvinte a transitar por temas como amor, gratidão, autoconhecimento, motivação e superação. Dizendo assim, parece ser algo frio, sem emoção, ou mesmo um material de simples autoajuda. Porém, o que Verwaerde fez foi fundir suas próprias vivências de maneira a representar as experiências também do ouvinte e daqueles espalhados pelo mundo.


Não existe uma pessoa sequer que não tenha procurado o verdadeiro sentido para sua própria vida ou alguém que simplesmente não passou pela necessidade de ser um indivíduo melhor. Portanto, cada uma das obras presentes em A Better Man é uma mão estendida para que o ouvinte a segure firme e a acompanhe, como um verdadeiro amigo, para as descobertas verdadeiras do mundo das emoções.


Para que o EP soasse com tal ambiência de estonteante sutileza, Verwaerde se aliou a Fonseca para a estruturação da engenharia de mixagem. Com ele, A Better Man não apenas se certificou de chegar ao ouvinte com educação e gentileza, mas também proporcionou ao ouvinte degustar as diferentes nuances sonoras vindas de todos os instrumentos, tanto em conjunto quanto em suas próprias e respectivas individualidades. E assim, o EP se configurou como um material folk de alto padrão que ainda mistura pop, disco music e rock alternativo à receita melódica.


Fechando o escopo técnico, vem a arte de capa. Assinada por Céline Danloy, ela traz a fotografia da carcaça de uma construção dominada pelo mato e pelas trepadeiras. Ao centro da porta, ao longe, se vê Verwaerde em uma perfeita metáfora pelo caminho a ser trilhado para conseguir ser um homem melhor. Com aroma bucólico, o ambiente incita, ainda, a pureza natural do indivíduo em contraponto à sua adaptação ao meio social, assim como a natureza se acomodou ao urbanismo.


Lançado em 26 de janeiro de 2024 de maneira independente, A Better Man é um EP que surpreende pela delicadeza estética, belas harmonias e tocantes melodias. Um produto que, apesar de ser um monólogo de emoções de um homem, é um elo com toda uma sociedade que, certamente, já sentiu ou viveu as mesmas situações. Com A Better Man, Marc Verwaerde faz com que o som seja a extensão das batidas do seu coração e, assim, encante o ouvinte com sua sinceridade e afabilidade.

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Sobre o crítico musical

Diego Pinheiro

Quase que despretensiosamente, começou a escrever críticas sobre músicas. 


Apaixonado e estudioso do Rock, transita pelos diversos gêneros musicais com muita versatilidade.


Requisitado por grandes gravadoras como Warner Music, Som Livre e Sony Music, Diego Pinheiro também iniciou carreira internacional escrevendo sobre bandas estrangeiras.